Economia

A ilusão dos direitos trabalhistas

Reportagem interessante de hoje no Estadão mostra brasileiros que estão sendo contratados por empresas no exterior sem precisar se mudar do país.

Essa é uma realidade que já existia antes da pandemia para as empresas de desenvolvimento de software. Por exemplo, o programa que uso para controlar minhas finanças pessoais foi desenvolvido em Utah, EUA, mas tem gente trabalhando em várias partes do mundo. A pandemia fez acelerar esse processo, e cada vez mais empresas vêm acessando a mão de obra onde ela está, principalmente em tecnologia.

Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção na reportagem foi o trecho que destaquei abaixo.

O profissional não tem “direito” a 13o salário e nem a um terço de adicional de férias. No entanto, no total, ganha 50% a mais do que ganhava em seu último emprego, com todos esses direitos “assegurados”.

Não conheço outras legislações trabalhistas ao redor do mundo, mas sou capaz de apostar que a CLT deve ser uma das que mais “garantem direitos” ao trabalhador. São tantos os mecanismos de “proteção” que se perde de vista o principal: o real poder de consumo do trabalhador.

No caso em tela, estamos comparando um emprego com “carteira assinada” com outro sujeito a legislação menos protetiva. Aliás, nem sabemos ao certo, pode ser que a legislação na Polônia seja tão protetiva quanto, mas o contrato seja o equivalente à nossa “PJ”, que permite driblar a cunha tributária representada pela carteira assinada. Para o nosso argumento, no entanto, pouca importa: o que vale é o poder de consumo final do trabalhador.

Todos os benefícios trabalhistas criados pelos nossos políticos são apresentados como grandes “conquistas dos trabalhadores”. No entanto, o que vale, no final do dia, é o poder de consumo do trabalhador. As empresas, quando determinam o salário dos seus empregados, fazem a conta de quanto podem pagar. Tanto faz se dividirão em 12 ou 13 parcelas, se as férias terão direito a 1/3 adicional, se tem FGTS. O que importa, para as empresas, é o quanto irão desembolsar no total. Os empregados não receberão um real a mais pelo fato de a legislação determinar o pagamento do 13o, 14o ou 15o salários. A lógica econômica acaba se impondo.

A prova de que a lógica econômica acaba se impondo é o imenso contingente de trabalhadores informais que recebem menos do que um salário mínimo. A lei não tem o poder de criar riqueza. Não é o fato de um determinado valor estar determinado em lei que as empresas terão, como que em um passe de mágica, dinheiro em caixa para pagar o devido legalmente.

Enquanto os “direitos” inventados pelos nossos políticos causavam apenas a informalidade no mercado de trabalho, convivíamos bem com isso. No entanto, o problema agora é outro: em um mundo em que o mercado de trabalho passa a ser globalizado, onde o funcionário pode trabalhar em sua casa para qualquer empresa do mundo, a nossa legislação trabalhista passa a ser um peso para as empresas locais contratarem trabalhadores mais qualificados.

Este é um problema especialmente grave para as empresas do setor de tecnologia. Há um déficit global gigantesco de trabalhadores deste setor, que vem crescendo a taxas exponenciais. Os nossos profissionais de tecnologia estão sendo disputados por empresas do mundo inteiro, sem as antigas barreiras físicas e, principalmente, podendo pagar mais por terem outro tipo de legislação trabalhista em seus países. Não por coincidência, todos os exemplos da reportagem do Estadão são desse setor.

Outro dia, as empresas de tecnologia estavam fazendo lobby para a continuidade da isenção de encargos trabalhistas na folha de pagamento. Diziam que, se essa isenção não fosse estendida, o desemprego do setor aumentaria. Na verdade, o medo é outro: esses empregados poderiam ser capturados por empresas de outros países que não precisam pagar encargos trabalhistas. A competição é desigual.

Mão de obra qualificada é um diamante que necessita de muito tempo, esforço e dinheiro para ser lapidado. É desesperador saber que, uma vez finalmente lapidado, muitas vezes em faculdades pagas com dinheiro público, esse diamante acabe servindo para agregar valor para empresas de fora do país, porque temos uma legislação que “protege” os trabalhadores da única coisa que lhes interessa: vender a sua habilidade pelo melhor preço possível.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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