Turismo

Política de saúde inglesa: Estado mínimo ou Estado máximo? Nenhum dos dois.

 

“Viajar nos faz ficar sem palavras. Depois nos torna contadores de estórias” (Ibn Battuta).

Meu objetivo nessa série de posts sobre a Inglaterra é contar “estórias” geradas pelo meu passaporte de “viajante permanente”. Desde momentos “sem palavras” até aqueles onde uma narrativa se forma e passa a ser gostoso compartilhá-la. Mas não é só de turismo que é feita a vida de uma “viajante em tempo integral”.

 Se, no primeiro post, mostrei Londres  numa viagem colorida pela diversidade (https://papodeboteco.net/lazer-princ/lugares-comidas-princ/londres-o-cruzamento-da-ipiranga-com-a-sao-joao-do-mundo/) nesse capítulo falo de um tópico um pouco mais cinza mas mais importante do que nunca: a política de saúde.  

O contexto não será a pandemia. Falarei de tempos de normalidade, de tempos de paz. 

Embora tenha feito bastante pesquisa, esse não é um texto técnico. Deixarei recomendações para os profissionais de saúde e economistas especializados em políticas sociais, tantos e competentes. E não é a única verdade. É  só minha experiência como brasileira que viveu a maior parte da sua vida desfrutando de um mundo paralelo no Brasil, chamado de  planos  privados de saúde. 

O texto tem as sessões de sempre: 1. “o fato” (números que adoro), 2. o relato da minha transição, onde foi que o calo apertou e 3. o “dia-a-dia”, para quem quer entender um pouco mais os detalhes. Mas se estiver sem tempo, vá para o item 4, final. Lá eu apresento o que chamei de “pulos do gato” desse modelo de Estado. Um Estado “condutor”, que não é interventor tampouco ausente. Já aviso que não agradará aos minimalistas porque o Estado é atuante. Nem aos maximalistas, pois entendo que as virtudes privadas são bases fundamentais do sucesso dessas políticas. Vamos lá.

1. O fato: No Brasil, MEDICINA PÚBLICA é que é COMPLEMENTAR. Na Inglaterra, é o oposto.

O sistema universalizado  brasileiro – o SUS – é considerado um modelo de saúde pública por muitos estudiosos. O problema é que ele parece existir – e  resistir –  apesar do sub-financiamento.  Veja o gráfico acima. Enquanto o sistema PÚBLICO na Inglaterra responde por 79% de todos os gastos de saúde do país, no Brasil é 42% (barra verde). Ou seja, no Brasil, quem é complementar é o sistema público de saúde.  O Brasil consegue ser pior nisso que vizinhos com similar pirâmide etária, como na Argentina (62% financiado pelo setor público) e toda a América Latina (50% na média). É pior até que a Venezuela (48%) ou EUA (50%) (Dados de 2018 – World Health Organization Global Health Expenditure database (http://apps.who.int/nha/database).

Aqui, emergência, dia-a-dia de saúde, remédios, tudo é público.

Na Inglaterra (sem contar Escócia e Irlanda), o orçamento público para saúde é um total de cerca de USD 200 bi (pré-covid) para uma população de 50 mm. O orçamento brasileiro em 2019 , foi equivalente a USD 93 bi (Balanço do setor público nacional – Tesouro, p.22) para uma população de cerca de 200 mm. Ou seja, quase metade do orçamento inglês tendo 4 x mais população. Isso dá 10 vezes  menos por pessoa (per capita). Se usarmos um conceito mais preciso (paridade do poder de compra e não dólar) e incluirmos todo o Reino Unido, seria 6 vezes maior (figura acima mostrando $3.600 por pessoa no Reino Unido contra $ 600 no Brasil). Embora o número tenha mesmo que ser menor pois a população brasileira é mais jovem (só 9% da população do Brasil tem mais que 65 anos),  nem isso explicaria tamanha diferença.  Ainda usando o exemplo da  Argentina, um país relativamente jovem tem um sistema de saúde público mais relevante que o nosso em qualquer medida. E como me lembrou meu amigo @AlbertoFerreira, o Brasil além de investir menos em saúde pública, ainda subsidia a saúde privada por meio das deduções do IR. Subsídio aqui vai para quem precisa mais, não para quem precisa menos… (parece óbvio, não é?) 

2. A (minha) transição

Gostaria de contar como esses números se traduzem no dia a dia. Estranhei a transição para um serviço de saúde inglês. Demorei bastante a entender o significado de medicina complementar. Plano de saúde privado aqui é o tempero extra. Nem o sal é. O serviço básico é provido pelo Estado, você tenha dinheiro ou não. 

Pelas minhas contas (se pudesse fazê-la), não duvido que eu tenha levado meus filhos  umas 300 vezes no PS do Einstein. Era uma febrinha e estava eu lá. Saiam com mil exames de sangue e escaneados até a alma: raio x, tomografia, ultrassom.  Sabe quantas vezes levei as crianças no hospital aqui em quase 5 anos? Uma. E isso foi  no início.

Uma endemia chamada hipocondria. Só que hipocondria coletiva (eu talvez seja um extremo, é verdade… ). Mas parece que essa é uma doença que pode ter cura. Veja abaixo os protagonistas que tornam isso possível: o médico de família, o dentista, a farmácia, o remédio barato, o hospital público com suas vocações exclusivas (emergências, epidemias), o prontuário unificado, entre outros.

3. O dia-a-dia

O médico de família ("GP - General Practitioner")  

No Brasil, eu tinha a minha cunhada que era a nossa médica de família por absoluta sorte. Fora ela, não me lembro de ter visitado um único clínico geral na minha vida ( a não ser em PS).  Eu  ia direto no especialista em unha,  coluna, pele, joelho, pé. Aqui não tem como. Eu tenho um plano de saúde realmente bom, subsidiado pela empresa. Mas eles são proibidos de atender se você não tiver passado pelo seu GP – como chamam o médico de clínica geral. São médicos de clínicas privadas, cadastradas e supervisionadas pelo nosso SUS (o NHS). Se ele não te der uma prescrição de especialista você não consegue ir pelo plano privado. Ele decide o que você precisa. Pode pagar é claro. Mas encare uns R$ 2 mil reais na consulta. E não queira saber quanto custa um exame.

Todos os 100% de residentes da Inglaterra são obrigados a ter registro nos GPs se quiserem ter atendimento em hospital. Qualquer imigrante pode ter, eles não podem pedir comprovante de legalidade, de cidadania, por uma questão de direitos humanos. Imigrantes legais e ilegais tem direito. Isso, você ouviu bem.  É  quase um RG democrático.

E esse GP tem que estar perto de casa. É um médico de família local.

Mas embora ele seja chamado de “médico de família” não imagine que ele pergunte sobre ela, jogue conversa fora ou tenha tempo para o cafezinho. A consulta dura 15 minutos no máximo. Esse atendimento padrão-fábrica é até no médico privado.

Hospital público para emergências

O plano  privado não cobre Pronto Socorro. Nenhum. Emergências é vocação do serviço público. Ninguém entra nessa seara não. Dor de garganta? Ou fique em casa com seu Tylenol ou enfrente a fila do hospital público (tem fila, muita fila). E nem pense em ligar para o pediatra. Você não tem o telefone dele.

Remédios 

E se seu GP prescreve remédio, qualquer um,  custará sempre £9 libras (a moeda inglesa) ao mês. Os remédios que especialistas prescrevem, se forem enviados via GP, passam a custar o mesmo, o que é equivalente ao valor de uma hora de trabalho de salário mínimo. Seria o equivalente a R$ 7 reais por mês no Brasil (uma hora do salário mínimo brasileiro).   Se você tiver paciência e preencher um formulário, na maior parte dos casos , os remédios passam a ser  gratuitos. Eu confesso que nunca preenchi. Fico envergonhada em usar  esse benefício. Parece que estou fazendo algo errado,  embora tenha direito. 

As farmácias  

Os farmacêuticos são um pilar importante do sistema de saúde pública. Eles são muitos e locais (não redes), não vendem quase nada sem receita médica mas podem recomendar remédios para incômodos menores (os farmacêuticos formados, não os atendentes). E o seu GP manda eletronicamente a sua receita para a farmácia do bairro. Você pode escolher qual, mas tem que ser no bairro.   

O dentista

O dentista é um dos poucos serviços pagos aqui. O custo vai do equivalente a R$ 150 reais a R$ 2 mil. E o plano de saúde dentário privado é bastante limitado. Se você quiser um dentista rápido e com serviço completo, terá que gastar muito.

Diagnósticos

Apesar da qualidade do atendimento para coisas sérias ser considerada bastante boa, no quesito diagnóstico talvez realmente não seja rápido para identificar as doenças. Não vi estudos sobre isso, mas aposto que o Brasil seja melhor. Também, se você quer ser escaneado até o transparente da unha todo ano, esqueça. Nem o médico privado vai te pedir exames como se pede no Brasil. Não e à toa que brasileiros expatriados mantém o plano de saúde no Brasil só para poderem fazer o check-up ‘básico” de 30 ultrassons, angiografias etc. na passadinha de férias. Aqui eles seguem um protocolo rígido. Não fazem exame extra. Os médicos não fazem check up. Você tem direito a 1 a cada 5 anos entre 40 e 74 anos. Aliás, nem o check-up privado mais completo tem ultrassom! No máximo, só uma mamografia a cada 2 anos.

Seu prontuário publico - o Big Brother 

Seu GP tem seu prontuário sempre atualizado com o relato de todas as consultas. Os especialistas também escrevem uma carta para ele prestando contas do tratamento.  E isso vai para seu prontuário público. Se você sofre um acidente na rua, o hospital que te atende consegue entrar no seu prontuário e saber tudo que você fez na sua vida, todos os seus problemas de saúde, o remédio que está tomando, tenham sido receitados por médicos privados ou públicos. Sabem tudo. Parece um Big Brother,  um 1984. O Estado está por toda a parte. Não gostava dessa invasão de privacidade no início. Depois entendi que teria mais ganhos que perdas. Minhas escapadas com especialistas desnecessários seriam registradas para sempre. Paciência. Ganho mais. Fico mais tranquila em sentir tendo alguém olhando por mim. Que me manda carta quando o meu papanicolau vence. Ou fica de olho nas crianças. Por exemplo, se o IMC de alguma criança da família está acima da média eles mandam uma carta com um programa para nutricionista e para esporte já com a programação dos clubes e parques locais. Aliás, eles também entram em contato com a escola se a criança tem algum problema e, juntos, escola-pais-médicos proveem o suporte necessário. 

Li que, em Israel, o prontuário único eletrônico funciona exatamente assim. E isso parece ter sido importante para o acordo com a Pfizer de vacinas porque  eles vão ter a devolutiva de 100% das vacinas aplicadas.

Imagino que esse prontuário ajude a evitar fraudes em planos de saúde com relação a doenças pré-existentes. Ninguém consegue mentir na declaração. Isso, aliado ao fato de que ninguém vai ao médico sem realmente precisar e não faz exames desnecessários, contribui para menor custo/preço nos planos privados. No Brasil, vamos combinar que eles não são santos, mas  a gente abusa.   

Resumo da experiência como usuária 

Em poucas palavras, comparar a qualidade de um serviço financiado pelos planos privados do Brasil com o serviço público inglês não dá. Para quem tem acesso ao sistema privado, o Brasil é, diria, serviço de excelência mundial. E deve ser sempre um motivo de orgulho para todos nós. Com trabalho duro, enfrentando uma realidade dura, os profissionais de saúde brasileiros aprenderam tudo e um pouco mais. A isso, alia-se à cultura do cuidado, da atenção e da ética do serviço. E, pronto, temos (para quem consegue acessá-lo) o potential para um serviço perfeito.

Mas como disse no início, o Brasil dos planos privados de saúde é um mundo paralelo ainda restrito a poucos. Se olharmos só o sistema público , apesar da competência do nosso SUS, o sistema inglês ainda cuida mais, melhor e com mais equidade de toda a população.

4. Os pulos do gato da política pública inglesa e o que dá para aprender com ela

Ao longo dos anos, como “cliente” de um Estado mais ativo, comecei a perceber um padrão nas políticas sociais inglesas não necessariamente ligados a recursos. Enumero quatro padrões que aqui chamo de “pulos do gato” e os aplico ao tema da saúde.

O pulo do gato 1 –  O rico também usa o sistema público

Todos usam o serviço, os ricos e os pobres (lembre-se o GP é obrigatório). Por que acho que isso é um pulo do gato? Porque todos se interessam pela melhoria. Os mais educados, mais ricos, os mais pobres, todos sabem da importância de um sistema público bem estruturado.  

O imposto passa a não ter mais a impressão de ‘ doação’. Ele é um adiantamento ao Estado e um pagamento pelos serviços utilizados. ISSO MUDA TUDO.  Acostumada a viver sem precisar do Estado para nada e desconfiando da sua qualidade para tudo o “eu posso pagar” soa natural. Que interesse usuários do Einstein, São Luiz ou Oswaldo Cruz tem em brigar por uma política pública de qualidade? Aqui todos brigam porque dinheiro não conta muito. Essa é uma das dimensões do QUEM VOCÊ PENSA QUE É, do viver em uma sociedade de poucos privilégios.

O engraçado é que aqui não tem direita, nem esquerda, nem vermelho, nem azul no que toca ao NHS. Deve ser coincidência, mas o símbolo do NHS é um arco-íris. De vez em quando, eles decoram a a cidade com essas cores, como o que o olhar sensível da minha amiga @scbernardo captou lindamente na foto acima há poucas semanas. Embora os  conservadores tenham sido acusados de reduzir meio na surdina a importância e o funding para o NHS, nunca ouvi ninguém, de nenhum espectro ideológico, ter coragem de questionar a importância do NHS. Muito pelo contrário. Uma das plataformas do Brexit era sobrar mais dinheiro para o NHS (falso, mas explorado principalmente pelos conservadores).

O pulo do gato 2 – Estado condutor em parceria com o setor privado.

O pulo do gato 2, é que o ESTADO não tem gargalo de produtor mas não “delarga”. Ele pode delegar, mas não é um Estado ausente de forma alguma.

Mas também não é um ESTADO INTERVENTOR.  É o que eu chamaria de ESTADO CONDUTOR (uma hora tento aprofundar um pouco mais os aspectos teóricos dessa sutileza).  Por meio de agências independentes, ele assegura a qualidade de uma rede pública de atendimento provida por agentes privados (GPs e farmácias) e hospitais (públicos).  

Na saúde, a autoridade reguladora independente é a Care Quality Commission  (CQC) assegura padrão e qualidade (e solvência) de todos os outros agentes.

O baixo nível de corrupção do Reino Unido ajuda a evitar permissividade nessa intrincada rede de relações. Aqui a legislação anti-corrupção é dura. No índice da Transparência Internacional que mede a percepção de corrupção, o Reino Unido está entre os 11 menos corruptos do mundo enquanto o Brasil aparece em 94o lugar, pior que a média da América Latina, ao lado de países como a Etiópia ou Cazaquistão.

O pulo do gato 3 – virtudes privadas são a base do serviço público 

Sucessos são recompensados e fracassos punidos. Boas avaliações atraem mais funding do NHS. Funcionários podem ser demitidos. As avaliações formais (reportes de qualidade) ficam disponíveis no website do NHS e são refeitas a cada 2 ou 3 anos. Também são postadas lá revisões feitas com e usuários de todos os agentes (GP, hospitais, dentistas) no formato típico comercial de 1 a 5 estrelas e com a possibilidade de comparação de todos do seu bairro, lado a lado. Além disso, há um monitoramento periódico de indicadores de saúde e de atendimento (link) que ajuda a definir prioridades e investimentos por área.

O pulo do gato 4  –  a comunidade  e o parlamentarismo distrital 

Lembrei-me muito de uma frase do Franco Montoro quando cheguei aqui “Você não vive no país, você não vive no Estado. Você vive no município”. Diria que, se aqui ele vivesse, continuaria a frase “você vive no bairro” Franco Montoro era um apaixonado pela causa do parlamentarismo distrital e a importância da comunidade na construção de políticas públicas. Aqui isso é claro. Na escola do bairro, no médico do bairro, no farmacêutico do bairro, na igreja.  Fora o trabalho, tudo acontece no bairro. São mini-ecossistemas quase fechados onde tudo acontece. O comércio local é relevante (era, e espero que volte a ser). Mesmo em Londres, aquela cidade às vezes fria a que me referi no meu primeiro artigo, tem um Q de bairro. Clapham, meu bairro, é onde minha vida comunitária se desenrola, meu médico, a loja de vinhos, a farmácia, meus amigos, o cinema, os restaurantes. Tudo é por aqui e gira principalmente, em torno de uma linda rua chamada Northcote. https://www.timeout.com/london/blog/ten-top-notch-things-to-do-on-northcote-road-battersea-110317

A representação política reforça a importância do bairro. Aqui não tem deputado estadual nem vereador. Só tem uma casa legislativa – o parlamento britânico. Cada bairro/distrito tem um deputado (MP -membro do parlamento) você vota nele ou no outro e sabe o nome dele por todo o mandato. Você tem o e-mail dele. Você sabe como ele votou. A BBC transmite. Uma só casa legislativa simplifica muito o entendimento e o regime de cobrança. 

Conclusões

Recapitulando. Para mim, embora longe de ser perfeita, o relativo sucesso da política pública de saúde inglesa está baseado em 4 fatores:

1. Os planos privados de saúde complementar são só isso: complementares. Portanto, todos – não só os mais pobres – tem que usar o serviço público, o que gera cobrança por maior qualidade.

2. O Estado é um ativo agente condutor (e financiador) do serviço, sendo indiferente se produz ou não. Ele incorpora agentes privados no sistema que agem em seu nome, com um mesmo padrão. E gratuitamente (para o usuário).

3.  Virtudes privadas são pressupostos. O Estado “demite” pela incompetência e recompensa pela qualidade no melhor estilo ” O Aprendiz”.

4. A política é local, a escola é local, a saúde é local. O parlamentar é  local e, portanto, a bronca local tem repercussão nacional e influencia a política pública.  A cadeia de “promessa – entrega do serviço” é mais curta, diminuindo as perdas pelo caminho.

A pergunta que me faço sempre (ainda sem resposta) é se algum desses fatores daria para ser importado.

Se desse para importar algo desses quatro pulos do gato, por qual você optaria? O número 1, tornando-nos todos usuários do serviço público de saúde (como outrora fomos das escolas públicas até a década de 60)?

Isso significaria fomentar o uso do SUS por todos, tornando a visita ao médico de família (que já existe) um pressuposto para a cobertura dos planos privados. Mas muito ainda falta para chegar lá. Dinheiro é preciso. Não se pode desligar um tubo sem antes ligar o outro. Quase um ovo e a galinha. Um Estado quebrado como recentemente “descobriu” o presidente da república não será capaz de virar esse jogo. Então, o que fazer?  Muita gente competente está tentando achar a resposta seja via crescimento, seja financiamento, seja via maior eficiência de gastos. Para quem quer se aprofundar, sugiro a leitura de um estudo do IEPS, fundado pelo Armínio Fraga https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Garantindo-o-Futuro-da-Saúde-no-Brasil.pdf.

E sugiro também não perdermos a oportunidade da pandemia e conquistar corações e mentes para a importância do SUS. Nessa crise, o Brasil percebeu que sem ele, todos adoecemos. Não tem bolha no eixo Morumbi-Jardins que nos proteja de uma sociedade doente. Pela ausência do Estado, e por estarmos acostumados a sobreviver APESAR dele, dá até para entender “a jabuticaba” do Brasil cogitar um setor privado comprando vacinas antes do setor público ter garantido abastecimento. Embora seja contra (argumentos que assino embaixo do artigo “Vacinação Privada: Sério?” do meu colega de Blog Victor Leblot), entendo os dois lados dessa história.

Portanto, o setor privado é bem-vindo.  Sem ele, estaríamos num lugar muito pior. Mas é importante não perder a perspectiva que a iniciativa privada tem um alcance limitado, em geral, aprofunda e não diminui a desigualdade. Embora muitos leitores desse blog sejam capazes de pagar por quase tudo que queiram comprar não podemos nos esquecer que o Brasil sem posses é o mais comum dos Brasis. E, numa pandemia, a sua doença é a minha doença, a nossa doença. Nunca foi tão claro o custo da desigualdade. Não é mais hora de desistir do Estado. E que, um dia, o SUS seja tão amado (e valorizado) no Brasil como o NHS é amado aqui. E que bandeiras como essa acima flamulem mais e mais em demonstração de gratidão do Oiapoque ao Chuí como o fazem de Land’s End até John o’ Groats, nossos extremos Sul e Norte.

Julieda Puig

Julieda ... é a Julieda. Mãe de 2, companheira de 1, filha, irmã, amiga e, nas horas vagas, trabalha e é responsável por Compliance em um banco na terra da Rainha. Graduada e mestre em Economia pela USP e GV. Vive em Londres, “fisicamente” e, no Brasil, “virtualmente”, já que seu coração não se separa de lá. A ideia é visitar o boteco de vez em quando, como uma “correspondente 🗺” contar um pouco como é a vida por essas bandas do planeta. Às vezes vai falar séria e apaixonadamente (porque, afinal é boteco e porque senão não seria ela!) sobre ética, compliance, sustentabilidade, políticas públicas, corrupção e inclusão, seus temas preferidos. Mas a verdade é que a maior parte das vezes não pretende falar muito sério não... Já deixa claro que é bem livre na opinião, prá desespero dos carimbadores de plantão..

Artigos relacionados

2 Comentários

  1. Muito bom o texto. Bem fiel a realidade. Porém discordo unicamente do parágrafo:

    “Em poucas palavras, comparar a qualidade de um serviço financiado pelos planos privados do Brasil com o serviço público inglês não dá. Para quem tem acesso ao sistema privado, o Brasil é, diria, serviço de excelência mundial. E deve ser sempre um motivo de orgulho para todos nós. Com trabalho duro, enfrentando uma realidade dura, os profissionais de saúde brasileiros aprenderam tudo e um pouco mais. A isso, alia-se à cultura do cuidado, da atenção e da ética do serviço. E, pronto, temos (para quem consegue acessá-lo) o potential para um serviço perfeito.”

    Para mim a régua para medir “o serviço perfeito” está um pouco equivocada. Na minha opinião o Brasil (assim como EUA por exemplo) tem uma cultura extremamente “medicalizada” onde se quer fazer ressonância magnética pra dor no dedo mindinho (alerta de exemplo figurativo). Aqui o foco é em ter um sistema eficiente onde se aplica o tratamento mais adequado e efetivo ao quadro necessário. Dor de garganta? Não precisa de um otorrino, um bom GP da a receita do antibiótico (caso seja realmente necessário) e pronto. Porém se pegarmos o caso de uma amiga que teve depressão pós parto, ela foi cuidada em uma clínica com acompanhamento 24h por dia por quanto tempo foi necessário até que ela conseguiu se ajustar.

    Não acho que os médicos do Brasil devem nada aos daqui em termos de formação assim como dito no parágrafo. Porém a cultura de se ater a ciência sempre previne achismos e curandeirismos (vide médicos que eu conheço recomendando ivermectina para amigos).

    Há falhas no NHS? Sim. Medicina preventiva poderia ser um pouco melhor? Sim. Porém estamos falando de uma máquina gigante que provê saúde para 55 milhões de pessoas (efetivamente) seja rico, pobre, on seja, tem que trabalhar com eficiência máxima na utilização dos recursos.

  2. Renato, você tem razão. Não toquei no assunto da excessiva medicamentalização. E concordo que mais não é necessariamente melhor. Ótimos pontos! Meu foco foi nesse parágrafo foi mais na percepção de usuário do nível de dedicação e serviço.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo
%d blogueiros gostam disto:
Send this to a friend