Opinião

Mais ação e menos hipocrisia, por favor

As manchetes do dia 14 de março dividiram-se entre os números da covid-19 e a prisão de gente famosa que estava num cassino em São Paulo, entre eles, o jogador Gabigol, do Flamengo.

O jogo de azar é atividade clandestina no Brasil, de acordo com o artigo 50 da Lei das Contravenções Penais. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem, é contravenção penal sujeita a prisão simples, de três meses a um ano, mais multa.

Constrangido, o atleta negou que estivesse jogando, é óbvio. Todas as pessoas flagradas durante a operação policial foram encaminhadas à Delegacia de Crimes contra Saúde Pública porque, além da atividade ilegal, havia aglomeração de pessoas, contrariando protocolo sanitário do Estado. Assinaram um Termo Circunstanciado e foram liberadas. Restou o constrangimento de serem tratados como bandidos, enquanto narcotraficantes são liberados de condenações centenárias sem muita dificuldade.

O protocolo sanitário foi tema secundário nas matérias jornalísticas; o fato central – o lead das matérias – foi o fato de a polícia ter estourado um cassino em bairro nobre da cidade, onde estava um importante jogador de futebol.  

História

O primeiro Cassino que se tem notícia nasceu em Veneza, Itália. O conceito era o de um espaço dedicado ao lazer, ainda no século XVII, em 1.638. O Cassino de Venezia representa o início da cultura dos cassinos modernos, e é considerado o mais antigo do mundo.

Atualmente, Macau-China e Las Vegas-EUA lideram o ranking dos lugares com os maiores cassinos do mundo. The Venetian Macau e seu correspondente em Las Vegas empregam, cada um, pouco mais de 11.000 funcionários – populações maiores do que boa parte dos municípios brasileiros. Em 2019, Macau foi a terceira cidade mais visitada do planeta.

O Venetian Macau possui 39 andares, 3.000 suítes, uma área de 51.000 m² para as atividades do cassino, distribuídas em 800 mesas de jogos e 3.400 máquinas caça-níquel, praça de alimentação com 25 restaurantes fast-foods, três lounge bar e 29 restaurantes de diversas partes do mundo.

O complexo conta também com 110.000 m² de espaço para convenções e uma área de 150.000 m², que abriga 330 lojas das mais conhecidas marcas e melhores boutiques de Nova Iorque, Paris, Londres e Milão.

Bingo! Esse é o ponto: empregos

Macau é uma região autônoma na costa sul da China continental, e dados de 2018 dão conta de uma população de pouco mais de 600 mil habitantes, distribuídos num território de 115,3 km², pouco maior do que o território de Pernambuco. O PIB no mesmo período foi de 55 bilhões de dólares. A maioria dos habitantes trabalha, direta ou indiretamente, na atividade turística que tem os cassinos como principal atrativo.

No Brasil, a taxa de desemprego oficial gira em torno 13,5%, sem considerar os cidadãos desalentados e, sabe-se agora, os invisíveis. Os “invisíveis” representam 38,1 milhões de pessoas. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, os “invisíveis” são um fenômeno descoberto pelo auxílio emergencial: são pessoas que não tinham carteira assinada nem recebiam qualquer benefício social antes de terem direito ao auxílio.

Diante desse quadro desolador e sem nenhuma perspectiva de restauração a curto e médio prazo, o Brasil ainda mantém os cassinos como contravenção. Por quê?

Porque o Estado brasileiro decidiu que proibir a atividade protege os brasileiros da jogatina. Numa democracia como a brasileira, aliada às condições geográficas – múltiplas e deslumbrantes – o veto aos jogos de azar é uma opção medieval: é o Estado tutelando a vida dos seus cidadãos, ainda que o custo dessa tutela seja a miséria.

Paradoxalmente, não é imoral milhões de pessoas atravessarem a linha da pobreza, restringirem as compras de supermercado, esperarem meses e meses por um exame laboratorial, e não terem dinheiro nem para o tênis que leva o filho à escola.

Quantos empregos seriam gerados com a instalação de cassinos no Brasil? Qual é o tamanho da cadeia que forma esse segmento? Essas e tantas outras questões vêm à tona sempre que se acende a perspectiva de existência dos cassinos no Brasil, comparativamente à atividade em outras partes do mundo.

Afinal, não são empregos que exigem formações complexas ou de longo prazo. Pelo contrário, atenderiam uma boa faixa dos desempregados e desalentados à espera de uma oportunidade, bastando treinamentos intensivos que não demandam mais do que um ano, conforme a atividade desempenhada. Para camareiras, arrumadeiras e auxiliares de limpeza o início seria praticamente imediato, sem vultuosos investimentos em treinamento.

Quanto essa atividade acrescentaria ao PIB nacional, considerando-se os investimentos para instalação e implantação de projetos? De quanto seria o incremento dessa atividade ao setor turístico, incentivando o desenvolvimento de áreas até agora sem vocação econômica, ou com baixa rentabilidade?

O Centro-Oeste brasileiro tem lugares belíssimos, que receberiam perfeitamente projetos arrojados, alinhados às boas práticas de preservação do Meio Ambiente.

Ainda que a maioria considere que a Amazônia deva permanecer intocável, é preciso muito dinheiro para mantê-la dessa forma. Por que não um projeto sustentável naquela área? E as oportunidades no sul, quantos turistas levariam para apreciar as belezas e delícias das serras gaúchas?

Enquanto o governo empurra com a barriga uma decisão que poderia ser uma importante alavanca para o desenvolvimento, os brasileiros aprenderam a jogar virtualmente, gerando emprego e renda em outras plagas. Esta é a lógica da hipocrisia.

Enquanto isso, Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha e Reino Unido não prescindem de manter os cassinos entre as opções turísticas, e eles convivem perfeitamente bem entre os castelos e os templos gastronômicos. Sem contar Mônaco, que seria uma província mequetrefe sem essa atividade.  

Na América do Sul, o Brasil entrega na bandeja um mercado milionário, que nossos hermanos do Chile, Uruguai e Argentina não dispensam sob qualquer hipótese.

NOSSO MORALISMO HIPÓCRITA ATRASOU O BRASIL EM CENTENAS DE ANOS

Ainda que seja um tema obscuro da nossa história, o Brasil já teve cassinos. Eles teriam surgido no período do império, mas foram postos na clandestinidade com a consolidação da República, em 1917. O jogo só foi ser liberado em 1934 por Getúlio Vargas.

Em 1946, o então presidente à época, general Eurico Gaspar Dutra, assinou um decreto-lei que proibiu a exploração do jogo de azar no Brasil.

Seu argumento foi de que a exploração do jogo de azar ia contra os princípios morais dos brasileiros. Reza a lenda que a maior pressão veio da mulher dele, que era muito religiosa.

Os jogos de azar já haviam sido proibidos antes. Ressurgiram em 1934, e se multiplicaram até serem proibidos novamente pelo presidente Dutra. Na época áurea, criaram milhares de empregos e representaram um grande avanço na indústria turística do País.

Os cassinos trouxeram à baila grandes espetáculos artísticos, além dos jogos. Carmem Miranda, por exemplo, se apresentou em muitos cassinos brasileiros durante a sua carreira.

O fechamento dos cassinos deixou um rastro de desemprego assustador, incluindo artistas e outros profissionais que se beneficiavam do turismo gerado pelos cassinos.

E AGORA, JOSÉ?

Atualmente, tramitam no Congresso Nacional dezenas de projetos com vistas à liberação dos jogos de azar no Brasil, novamente. O tema é tratado como tabu, quase às escondidas.

Dois desses projetos estão em fase mais avançada.  

Recentemente, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos nomes mais influentes da base do governo Bolsonaro no Senado, deu mais um passo em busca da liberação dos cassinos no Brasil. Ele é autor de um projetos que tramita sobre o tema no Congresso.

Em novembro de 2020 seu projeto já estava maduro para seguir para votação no Senado. Sem nenhum apoio ou entusiasmo do ministro da Economia, que até agora não trouxe soluções para o desenvolvimento econômico, Ciro Nogueira tenta, no entanto, costurar um acordo para a votação com o relator do projeto, Ângelo Coronel (PSD-BA), que também relata outro projeto sobre o tema, cujo autor é o senador Roberto Rocha (PSDB-MA).

Infelizmente, o avanço da pandemia no Brasil e suas variantes postergaram mais uma vez essas iniciativas.

APROVEITAMENTO DE UMA BASE JÁ EXISTENTE

Ainda que a construção e instalação de grandes complexos turísticos – que atendam às exigências de sofisticação que o setor exige – possam demorar mais do que a economia brasileira possa esperar, a brecha deixada pelos hotéis destinados ao turismo de negócios pode ser o motor de arranque para essa empreitada, no curto prazo.

Essa é uma das soluções apresentadas pela empresária e dama da hotelaria brasileira, Chieko Aoki, fundadora e presidente da Rede Blue Tree Hotéis.

Segundo ela, dificilmente o setor voltará a operar nos mesmos níveis de ocupação que apresentava até fins de 2019. As empresas descobriram as facilidades – e principalmente os baixos custos – das reuniões virtuais.

Ainda que uma parte de importantes negociações devam se manter no nível presencial, certamente a retomada não será tarefa das mais fáceis e rápidas.

São Paulo, por exemplo, que lidera o ranking de número de meios de hospedagem respondendo por pouco mais de 20% da oferta de leitos, segundo apuração do IBGE, poderia representar a vanguarda desse novo nicho, que movimenta uma cadeia enorme de fornecedores, desde a hospedagem, A&E, a excelente rede de restaurantes, lojas sofisticadas e até o transporte urbano e suas variantes, assim como uma extensa lista de serviços que pode ir de livrarias a cabelereiros e barbearias, até as clínicas de tratamento estético, cinemas e museus. Evidentemente, considerando-se o arrefecimento do contágio da covid-19 e a retomada das atividades econômicas.

O que não é mais possível é aceitar que um setor com esse potencial de geração de emprego e renda seja alijado do mercado por questões morais e religiosas, ou simplesmente por hipocrisia. É hora de começarmos a aprender a crescer como Nação, de fato e por direito.

Nossas atuais “senhoras de Santana” (alguém lembra delas?) podem simplesmente atravessar a rua ao se depararem com um cassino, ou apresentem soluções de empregabilidade mais eficazes – e rápidas. Como os moralistas de plantão são geralmente desocupados ou com baixa extensão cognitiva, é hora de tratarmos o tema com mais seriedade e maturidade, sem muito mimimi, porque a fome tem pressa.

Silvana Destro

Silvana Destro é jornalista, voltada à comunicação corporativa há quase três décadas, atualmente com forte atuação em gerenciamento de crises de imagem e reputação. Mãe do Pedro, do João e avó de Maria Clara.

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