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Esquerda, Esquerda; Direita Volver

A esquerda no papel é sedutora para os ingênuos

A esquerda é cativante em teoria, só que apenas lá. Na vida real, é inviável. Tudo a ver com a natureza humana….

Um dos pontos centrais do socialismo na prancheta é a defesa de um estado que centralize tudo e trabalhe de forma radical para diminuir as desigualdades sociais.

Falando assim, dá quase vontade de ser socialista, pela ideia de que todos venham a ter uma vida digna.

Socialismo: estado é o grande pai de todos

Um dos pilares desse objetivo para os socialistas mais radicais consiste, em geral, na defesa de um Estado grande, que, em resumo, se traduz em um Estado que detenha, em suas mãos, boa parte da Economia de um país.

A ideia lírica é que o Estado sabe mais do que ninguém o que é bom para o povo e, sendo assim, nada melhor do que o próprio Estado para dirigir as empresas, com olhar muito mais bondoso do que ávidos capitalistas, que só pensam em enriquecer por cima da miséria do povo.

A questão é que um estado grande termina sendo muito mais contraproducente, do que a utopia desenhada pelo ideal romântico da esquerda.

Estado grande nem sempre é a receita do desastre

A mera existência de um país com estado grande não necessariamente afunda um país, dependendo do contexto.

Por exemplo, a Finlândia é o país na Europa onde o Estado detém a maior participação das estatais perante o PIB, aproximando-se de 50%.

No entanto, a despeito disso, a economia lá funciona a contento e é bem mais livre do que a participação do estado na Economia levaria a supor. Tanto que a Finlândia é o 20º país no ranking de liberdade econômica do prestigioso Instituto Heritage, ranking no qual o Brasil está apenas em 144º.

Na Finlândia há uma boa liberdade fiscal, amplo direito de propriedades, uma vasta liberdade de investir e atuar como empreendedor, etc.

No caso, o pequeno tamanho do país, o balanço econômico com o resto do mundo, sua riqueza relativa, a baixa densidade populacional, seus recursos naturais, a herança cultural do país e o alto padrão educacional; são todos fatores a serem considerados.

Estado grande na América Latina são como óleo e água

Os socialistas costumam supor que o Estado, representado por uma pequena elite dirigente, seja magicamente bem intencionado e que ele irá cuidar de nós, como pais amorosos cuidam dos seus filhos queridos. Isso é até bonito, mas não passa, quase sempre, de uma fantasia delirante.

Quando se ruma para regiões com uma tradição arraigada de corrupção e desmandos, como na América Latina e na África, o peso de um governo termina sendo uma grande força para a restrição das liberdades, independente de sua ideologia subjacente.

Na prática, diante de uma situação de poder, as pessoas tendem a se corromper. Como disse o historiador inglês John Dalberg-Acton: “Poder corrompe, poder absoluto corrompe de forma absoluta”.

Não há alternativa viável para Democracia

A Democracia é justamente o regime que não acredita que quaisquer dos atores de uma sociedade estejam acima do bem e do mal. Por isso existem três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) que convivem juntos e um vigia o outro. Além disso, há o chamado Quarto Poder (a Imprensa) e as corporações, ambos imersos na Sociedade.

Afinal, como repetia Winston Churchill: “A Democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas as outras”.

Outro mito é a eficácia do liberalismo absoluto

Desacreditar na eficácia de um estado grande, não implica em defender a livre concorrência e a autorregulação absolutas.

A ampla e livre concorrência se baseia no princípio que a competição geralmente se aproxima da competição perfeita, onde aqueles que não são bons acabam sendo naturalmente expelidos pelo sistema, sem intervenção de ninguém.

Isso acontece em muitos casos, mas é distante de ser algo universal na vida real.

Sem um mínimo de regras, oligopólios prosperam

Na prática, se o estado não contiver nenhum mecanismo antitruste, as maiores empresas tendem a engolir as menores e a formar oligopólios para explorar o consumidor.

Ou seja, elas competem por um lado e cooperam entre si para que as empresas não percam em bloco para seus consumidores. Isso acontece em algumas áreas, como por muitos anos transcorreu com o cimento no Brasil.

A gigante AT&T foi esfacelada em 1984 nos EUA

Até nos EUA, terra do liberalismo, a AT&T (Bell) praticamente monopolizava o mercado de telefone e ditava os preços, com barreiras de entrada, em temos de cabeamento e equipamentos, que inviabilizava na prática a chegada de concorrentes.

Até que, após um longo processo baseado em leis antitruste, iniciado em 1974, em 1984 a empresa se cindiu em 8 empresas menores independentes.

Desse modo, a concorrência passou a existir e os preços começaram a cair e os serviços a melhoraram muito de qualidade.

Google e Facebook são monopólios da era digital

Hoje, observamos empresas como Google e o Facebook como vastos monopólios. A Google com a busca e os vídeos, o Facebook com as redes sociais e mensagens instantâneas (Instagram, WhatsApp). Eles, como empresas privadas não reguladas, podem decidir por sua própria conta, o que você, internauta pode ver.

Em plena era Trump. o Google, por exemplo, está enfrentando agora já o terceiro processo por práticas anticompetitivas nos EUA. E o Facebook não fica atrás.

Empresas não são éticas per si

Sem monopólios e oligopólios, há muitas coisas que a concorrência resolve. Preço e qualidade dos produtos e serviços costumam melhorar bastante.

O lucro não é um abuso, é a força motriz que faz a sociedade prosperar e o bolo crescer. E a livre concorrência ajuda muito para a massa não azedar.

No entanto, há aspectos que passam algo a largo do benefício da concorrência e levam à necessidade de regras a serem seguidas.

Por exemplo, na questão ambiental, muitas empresas atuam notoriamente sem qualquer consideração ao meio ambiente.

A tragédia de Brumadinho da Vale mostra como empresas, por vezes, podem gerar desastres gigantescos por negligência e economia de custos.

Trabalhadores precisam de alguma proteção

Concordo que regras de proteção aos trabalhadores são como um remédio: em alguma dose ajuda e em grande dose prejudica, porque engessa.

No entanto, é impossível uma sociedade sem regras. Há diversas empresas que se aproveitem de todas as brechas legais para explorá-los a um nível não razoável.

Muitas vão além da legalidade: as empresas de Donald Trump contratavam os mesmos imigrantes ilegais que agora Trump, como presidente, queria deportar.

Em outro exemplo em terras tupiniquins, no Rio de Janeiro diversas pastelarias chinesas foram flagradas usando mão de obra quase escrava, que ficava de noite em jaulas, e usando carne de cachorro para fazer pastéis. Apesar de toda a repercussão, clientes continuam indo para essas pastelarias.

Mesmo com concorrência há fraudes notórias

Também existem várias empresas que não têm o menor escrúpulo em vender produtos e serviços ineficazes, desde que sejam vendáveis:

Por exemplo, diversos tratamentos de celulite 100% inúteis vendem bem, a despeito de estar há anos e anos no mercado. Nesse caso, a concorrência não ajuda muito a melhorar esse quadro, porque em geral, todos concorrentes estão no mesmo barco: o marcado da ilusão.

Lembro-me sempre de uma reportagem antiga da revista Quatro Rodas, denunciando alguns aditivos baratos para radiadores que eram compostos apenas de água.

Outro exemplos incluem pequenos dispositivos vendidos até hoje para repelir mosquitos por ultrassom que são um total engodo.

Até na farmácia, há xaropes que misturam antitussígeno e expectorante no mesmo frasco, o que é um contrassenso porque eles atuam em direções opostas.

Liberdade econômica precisa de algumas salvaguardas

Portanto, defender a iniciativa privada, não significa necessariamente defender um estado fraco, onde as empresas e o capital financeiro fazem tudo o que bem entendem, sem qualquer tipo de proteção legal.

No meu entender, portanto, é necessário que o estado regule em algum nível a atividade econômica, para equilibrar um pouco as forças.

O desafio é fazer isso sem abusos e excesso de regras, e sem incorrer em capitalismo de compadrio, que cria favorecimentos indevidos.

Lidar com a desigualdade social não é só da esquerda.

Pode ser uma posição polêmica e sujeito à contestação, mas eu não vejo porque um regime de centro não possa fazer ações que ajudem a minorar a desigualdade social. Isso não deveria ser monopólio da esquerda, em termos de filosofia.

Assim, é justo, de algum modo, cobrar mais impostos de quem possa pagar mais. E é justo direcionar algumas dessas verbas para ajudar, de forma bem engendrada, os mais necessitados, mas com uma engenharia que estimule a existência de uma porta econômica para sair da pobreza, de forma que não seja essa uma ajuda perene e estática.

Essas considerações demandam um ajuste fino complexo porque impostos de menos tornam o estado inoperante e impostos demais afugentam os investimentos e os negócios.

O estado precisa de pesos e contrapesos.

Em suma, para mim o papel do Estado deveria incluir, além de seus deveres convencionais, um suporte à sociedade, no sentido de promover o bem-estar social, na promoção de políticas de diminuição das desigualdades e na proteção do meio ambiente.

Nesse sentido, não me considero o típico neoliberal, que preconiza que a livre concorrência resolve todos os problemas da sociedade. Na visão liberal extrema, basta deixar o bolo crescer e todos terão o seu quinhão. O Estado se limita à sua função de guardião das leis.

O estado não funciona como empreendedor

O ponto em que eu me alinho ao pensamento liberal, é que eu considero, em geral, o Estado um péssimo empreendedor. Aqui, na América Latina esse meu pensamento é ainda mais prevalecente.

Além disso, algumas áreas sensíveis, se eventualmente com gestão terceirizada, demandam a existência de agências reguladoras, quando envolvem serviços básicos para a população, como saúde, educação, transporte, etc.

Iniciativa privada dentro das regras é a solução de ouro

A iniciativa privada pode mandar muito bem, quando bem administrada, ou regida por contratos de concessões ou partilhas bem elaboradas.

Quando vemos universidades como Harvard, Yale, Stanford e MIT nos Estados Unidos, devemos recordar que todas elas são centros de excelência e são privadas!

Em poucas palavras, cada um no seu quadrado

Enfim, a iniciativa privada é o motor e motivador de tudo que faz o bolo crescer mais e mais.

Isso porque o ser humano é naturalmente competitivo desde tempos imemoriais. Ainda que existam diferentes níveis de oportunidade, o mérito entra na receita desse bolo de qualquer maneira.

Tudo isso funciona como uma força motriz avassaladora para o progresso, que nenhum regime socialista consegue emular com uma visão igualitária, que no final termina, no seu melhor, dando uma migalha para quase todo mundo, tirado de uma fatia minguada de um bolo solado, e muita riqueza para uma pequena elite de dirigentes.

No final, o estado lida com os serviços essenciais para a sociedade e funciona como uma instância moderadora, sem excessos, dentro de um modelo democrático de três poderes.

Todo esse modelo serve para melhorar a governança para a sociedade, e tendo algum contrapeso de forma que também se objetivo em um prazo razoável a redução das desigualdades.

No entanto, é fundamental não ter amarras que impeçam o bolo de crescer, e que um dia todos possam ter direito a algum pedaço, ainda que de diferentes tamanhos

Epílogo: Fábula revisitada.

Marcio Hervé nos presentou com um delicioso artigo “O dia em que o demônio capitalista desconstruiu uma linda e virtuosa história“. Não deixem de ler!

Eu queria apenas fazer um contraponto, remetendo à famosa fábula de Frédéric Bastiat, criada em 1850, onde alguém argumenta que uma janela quebrada por uma pedra seria bom para a economia, pela cadeia econômica gerada, mas se esquece do dinheiro subtraído do dono da janela para consertá-la, que deixa de consumir outras coisas, cortando elos da cadeia econômica.

Não acho que distribuir dinheiros aos pobres seja pior do que o jantar de 400 lugares, apesar de toda a economia movimentada pelo evento.

Sabe por quê?

Porque quando chega dinheiro aos pobres, eles movimentam a economia do outro lado, porque o pobre vai comprar mantimentos na vendinha, que vai comprar mais dos seus fornecedores, inclusive de pequenas propriedades agropecuárias e até de grandes fábricas.

Em suma, todo o raciocínio empregado para mostrar a virtude econômica do evento de 400 lugares, serve para traçar o caminho do dinheiro após ele chegar ao pobre. A grana não fica parada, ela gira e incrementa a economia.

Por esse motivo, apesar de odiar o que o PT representou no Brasil em 13 anos, acho que o Bolsa Família é um bom programa (ainda que possa ter alguns ajustes) porque ajudou a minorar a pobreza e a movimentar a economia no entorno.

E, mais, diferentemente de programa de cestas de alimentação, tirando eventuais problemas de fraude na inscrição da bolsa, o dinheiro chega in natura na outra ponta, sem desvios.


Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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