Opinião

Agenda ambiental: é tudo uma questão de prioridades

Esse assunto da crise ambiental me fascina de maneira especial, porque são raras as oportunidades em que se pode exercitar, de maneira tão plena, a arte de contrapor a realidade aos desejos utópicos. Por um alinhamento dos astros, várias notícias publicadas hoje nos permitirão exercer essa contraposição. Comecemos com a seguinte notícia:

Ocorre que o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) havia decidido diminuir o percentual de biodiesel misturado ao diesel. O motivo é simples: o biodiesel é mais caro e, portanto, quanto maior o seu percentual na composição do diesel, mais caro será o diesel. Então, de um lado, temos os caminhoneiros, que querem um diesel barato. Do outro, temos o “setor do biodiesel”, que defende o meio ambiente e, de quebra, os empregos e os investimentos do setor. Começa aqui a nossa saga em busca da utopia perdida.

Talvez tendo esse caso em mente, ou mesmo o movimento dos principais países de liberar estoques de petróleo para baixar os preços dos combustíveis, o Prof. Carlos Góes, fundador do Instituto Mercado Popular, coloca toda a sua indignação em um tuíte:

A pergunta angustiada do professor faz todo sentido: como pensar em um imposto sobre carbono (a panaceia repetida em todo lugar) se, quando o preço do combustível sobe, há um movimento intenso da sociedade na direção contrária? Um tuíte em resposta à pergunta do professor me chamou a atenção:

Eu não conseguiria traduzir tão brilhantemente, em menos de 140 caracteres, todo o desafio da agenda ambiental: as pessoas comuns estão simplesmente olhando para o outro lado. Elas têm “problemas mais prioritários”, tipo sobreviver. A conversa de que 1,5o C de aquecimento adicional vai tornar a vida na Terra insuportável daqui a 50 anos simplesmente não consegue avançar na escala de prioridades das pessoas comuns. Esqueça os governos que não assumem compromissos. Esqueça as empresas que fazem “greenwashing”. A agenda ambiental não avança porque as pessoas comuns não estão interessadas. Ou, pelo menos, não estão interessadas a ponto de quererem pagar mais caro pelos combustíveis, por exemplo.

Outra notícia relacionada com a agenda ambiental chamou-me a atenção:

Essa história já vem ocupando os jornais há alguns dias. O governo coordenou uma ação para acabar com o garimpo ilegal no Rio Madeira. Para tanto, queimou centenas de barcaças usadas na atividade, que usa mercúrio, o que é altamente poluidor. Muito bem, os noruegueses devem estar aplaudindo.

O problema, e é sobre isso a reportagem de hoje, é que centenas de famílias se viram, da noite para o dia, sem o seu ganha-pão. É mais ou menos como quando o rapa passa e desmonta barracas de camelôs. A atividade é ilegal, mas é o único ganha-pão dessas pessoas. No caso das barcaças no Rio Madeira, por trás de uma questão ambiental, temos uma questão social grave. Pergunte a essas pessoas se estão preocupadas com a poluição do rio. Elas não têm o que comer. É uma questão de prioridades, como diria o brilhante tuiteiro Andrade.

Por fim, uma última notícia para fechar o nosso giro de hoje pela questão ambiental.

Esta foi uma reportagem publicada hoje no Valor Econômico, contrapondo os carros elétricos aos carros movidos a etanol. Hoje não se fala de outra coisa a não ser os carros elétricos. No entanto, no Brasil, engenheiros, usineiros e sindicalistas se unem para defender o carro a etanol, pois esse é o know how brasileiro, e que vai garantir a renda de engenheiros brasileiros, usineiros e empregados de montadoras.

Sim, o etanol também é “environment-friendly”. O problema é que não se consegue manter uma frota inteira de carros somente a etanol, é necessário misturar com a gasolina. Portanto, manter carros a etanol significa manter carros a gasolina. Apesar de carros movidos a gasolina e etanol serem menos poluentes que carros movidos somente a gasolina, são muito mais poluentes do que carros elétricos. No fundo, o que temos aqui, é mais um exemplo de como interesses outros que não o meio ambiente são priorizados quando se trata de defender o seu.

Como diria o Andrade, é tudo uma questão de prioridades.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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2 Comentários

  1. Perfeito, muitos querem viver dizendo que são Ambientalistas, isto dá status.
    Outros, vivem da Natureza e são pedradores.
    O certo é que no Brasil, muitos são a Favor e deveriam ser Contra e Vice-Versa.
    Vivemos o País das Maravilhas

  2. A pseudo “agenda ambiental” não emplaca simplesmente porque é uma FRAUDE, é ECONOMICAMENTE INVIÁVEL e, principalmente, SOCIALMENTE INJUSTA o que resulta em ser CULTURALMENTE REJEITADA.
    Vai emplacar quando for honesta, verdadeira e seguir os princípios básicos da sustentabilidade, ou seja, quando for:
    ECOLOGICAMENTE CORRETA e
    ECONOMICAMENTE VIÁVEL e, principalmente,
    SOCIALMENTE JUSTA de forma que seja
    CULTURALMENTE ACEITA…

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