Opinião

À deriva

Sob uma sucessão de erros cumulativos, o presidente da República, Jair Bolsonaro, insiste na competência logística do general Pazuello, assim como apoia, estimula e alimenta a beligerância do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ainda que as consequências sejam pagas com  vidas humanas.

Nenhuma tarefa que compete ao ministério da Saúde é cumprida sem que seja precedida por uma crise, na maioria das vezes um eufemismo elegante para erros crassos, impensáveis para quem, até agora, era incensado como uma autoridade em logística.

Quando questionado, o ministro mente como se não soubesse que o mundo contemporâneo vive sob a égide da internet – presente nas tarefas mais comezinhas, e isso inclui o registro de atividades e atitudes de pessoas públicas. Isso significa que qualquer movimento realizado é de fácil acesso, permitindo que as mentiras sejam desmentidas quase que em tempo real.

Esse cenário demonstra que o presidente optou por falar essencialmente com e para seu curral eleitoral, como se os demais brasileiros não existissem ou precisassem, de fato, serem punidos por suas escolhas.

A opinião individual pode ser contestada, afinal vivemos – ainda – sob regime democrático. Reforço no advérbio porque o PR, numa de suas incursões mais recentes pelo autoritarismo, disse que são as Forças Armadas que escolhem pelo regime democrático ou ditatorial. Foi um lapso, evidentemente, porque ele sabe que existe uma Constituição Federal que normatiza esse princípio, seguido, inclusive, pelas próprias Forças Armadas.

O general Pazuello tem se mostrado um verdadeiro desastre, numa área onde não pode haver desastres. Se o ministério da Economia promove um desastre, perdemos dinheiro; se a infraestrutura comete um desastre, perdemos obras, empregos e desenvolvimento. Na Saúde, os desastres perdem vidas.

Vidas que são o amor da vida de alguém, o pai da vida de alguém, o irmão, o marido, o filho.

Pazuello movimenta-se na pasta da Saúde como um paquiderme: lentamente, erraticamente, displicentemente sem o sentido de urgência que a circunstância exige.

As duas milhões de doses que a Índia enviaria ao Brasil não passou de mais um blefe do ministério. Há, sim, um acordo, pelo qual o Laboratório deve enviar as doses “até abril”, mas esse dado foi omitido das comunicações oficiais.

Ancorado no apoio que obtém do PR, Eduardo Pazuello tem elevado o tom durante as coletivas de imprensa, onde trata muito mal jornalistas mulheres, despeja mentiras e proselitismos, e continua afirmando que, em alguns dias a Índia enviará a remessa, mesmo que a empresa tenha divulgado a lista de países para os quais vai iniciar exportação, sem citar, em nenhum momento, o Brasil.

Pazuello gosta de tecnologia. Providenciou um aplicativo que exibiu com orgulho em Manaus, no qual a indicação de “tratamento precoce” figurava com destaque. Porém, se esqueceu de encomendar o sistema para cadastrar os vacinados.

Alguém falou em Manaus? É dispensável repetir a cantilena dos erros que governos do Estado e Federal promoveram no Amazonas. Dúvidas, basta acessar o Google.

Se a aprovação da vacina pela Anvisa trouxe o alívio que tantos milhões de brasileiros esperavam, um novo dilema pousou sobre as nossas cabeças: a importação de insumos produzidos na China, para produção das vacinas Coronavac e Fiocruz.

Fontes do Planalto e fora dele afirmam categoricamente que o entrave está justamente naquilo que se tornou a marca da gestão Bolsonaro: agressões gratuitas e grosseiras desferidas pelo filho, Eduardo Bolsonaro, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, contra o governo chinês, curiosamente nosso maior parceiro comercial, o que mantém a nossa balança comercial com um mínimo de equilíbrio para não quebrarmos.

Repetidor contumaz das travessuras dos filhos do presidente, Ernesto Araújo criou o impasse que está segurando os lotes de insumos da China. Não há perspectiva de se colocar um negociador neutro, a fim de estancar a crise diplomática. Afinal, a opção de Bolsonaro foi governar pelo conflito.

Uma vergonha fragorosa para um país com as dimensões do nosso, do nosso potencial produtivo, e tantos outros atributos que têm tudo para fazer deste país uma Nação gigantesca.

Em outubro, Ernesto Araújo afirmou que se a atuação da diplomacia do país “faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”. Hoje, representantes do governo brasileiro estão sentindo na pele os efeitos da escolha de Araújo.

Infelizmente, nos colocar como “pária internacional” tem um custo que só os mais pobres, desvalidos e desassistidos estão experimentando. Ernesto Araújo é um pária político.

Diante das pressões para que se estabeleça um ambiente minimamente estável, seguro e pacífico, uma Nota Pública do chefe da Procuradoria Geral da República-PGR chamou atenção dos demais poderes.

Alinhadíssimo ao presidente e suas diretrizes, Aras finaliza sua mensagem dizendo que “….precisamos estar atentos para que uma calamidade pública não evolua para modelo de estado de defesa ou de sítio, porque a história revela que nesses momentos podem surgir oportunistas em busca de locupletamento a partir da miséria e da perda da paz que podem resultar em graves comoções sociais”.

Essa mensagem foi interpretada por muitos analistas e alguns juristas como uma preparação para um enfrentamento radical de Bolsonaro e seu grupo de apoio, evidentemente negado por Aras. Apesar da negativa, algumas luzinhas foram acesas em Brasília.

Hoje, é fundamental que as instituições sejam fortalecidas, que a saúde seja prioridade para os três Poderes, em consonância. Chega de mortes evitáveis, chega de beligerância, chega de discursos cifrados. O País precisa de paz para enterrar os seus mortos.

Silvana Destro

Silvana Destro é jornalista, voltada à comunicação corporativa há quase três décadas, atualmente com forte atuação em gerenciamento de crises de imagem e reputação. Mãe do Pedro, do João e avó de Maria Clara.

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