Esporte

Olimpíadas de Paris: dinheiro é tudo?

Dando continuidade ao meu artigo anterior, em que projetei o quadro de medalhas com base na performance dos países nas 3 olimpíadas anteriores, vamos conferir o que aconteceu nos Jogos Olímpicos de Paris.

Relembrando, esta foi a tabela que projetei, considerando peso 3 para a Olimpíada de Tóquio, peso 2 para os Jogos do Rio e peso 1 para as Olimpíadas de Londres.

O resultado final vai na tabela a seguir:

Acrescentei Nova Zelândia e Cuba, que nas minhas projeções chegariam em 13º e 14º lugares, com 6 medalhas de ouro, após o Brasil, com 7.

O destaque positivo ficou para Japão, Austrália, Holanda e Nova Zelândia, que conquistaram muito mais medalhas de ouro e totais do que se poderia prever somente observando as últimas 3 olimpíadas. No caso do Japão, pode-se explicar esse fenômeno pelo fato de que os Jogos de Tóquio devem ter influenciado o nível de investimentos, o que acabou perdurando nessas olimpíadas. O mesmo fenômeno havíamos observado com o time Brasil, que conseguiu manter a sua performance nos Jogos de Tóquio.

A anfitriã França obteve mais medalhas de ouro e totais do que nas 3 olimpíadas anteriores, mas eu já havia feito a correção “casa”, de modo que quase acertei o número de ouros mas, ainda assim, subestimei o número total de medalhas dos anfitriões.

As decepções ocorreram na coluna das medalhas de ouro, uma vez que, em medalhas totais, as previsões se mostraram, de maneira geral, subestimadas. O destaque negativo ficou por conta da Grã-Bretanha (parece que o efeito “casa” de Londres 2021 já passou), que obteve 13 medalhas de ouro a menos do que na média de suas três olimpíadas anteriores, seguido de Estados Unidos, Brasil e Cuba.

E o Brasil?

Muito se cobro do time Brasil por ter frustrado as expectativas em termos de medalhas de ouro. Afinal, ficamos mal-acostumados, dado que havíamos conquistado 7 medalhas de ouro nos Jogos do Rio e de Tóquio. Trazer apenas 3, o mesmo número de Londres e Pequim parece ser andar para trás.

Análises supostamente mais realistas consideram que este número de medalhas é o normal a ser esperado de um país pobre. De fato, o primeiro país pobre que aparece no ranking de medalhas de ouro é o Uzbequistão, em 13º lugar com 8 medalhas. Mas esses países da antiga União Soviética e da órbita de Moscou têm uma tradição de décadas iniciada nos tempos da guerra fria. O primeiro país realmente comparável é o Quênia, que ficou em 17º lugar, com 4 medalhas de ouro e 11 no total, seguido do Brasil, com 3 de ouro e 20 no total, ainda que o Quênia tenha 1/3 da renda/capita brasileira.

Para fazer um estudo sistemático entre o que poderia se esperar dos países em termos de desempenho olímpico, considerando o tamanho de suas economias, fiz uma regressão simples entre o número de medalhas e o PIB de cada país, considerando o critério de PPP (Purchase Power Parity). Por que o PIB? Porque o PIB é uma mistura de duas coisas que deveriam influenciar os resultados olímpicos: o tamanho da população e a renda/capita. O PIB é a multiplicação dessas duas grandezas, o que nos permite avaliá-las simultaneamente.

O resultado da regressão está nos gráficos abaixo, com o total de medalhas de ouro e o total de medalhas:

Observe que em cada gráfico há uma equação, que determina o número de medalhas que cada país deveria ter conquistado se seguisse a linha pontilhada. Esse é o número de medalhas esperado, considerando a comparação de tamanho entre os diversos países.

De acordo com essa equação, podemos fazer uma tabela com o número de medalhas que cada país deveria ter conquistado, e comparar com o número que cada país conquistou. Na tabela a seguir, fazemos isso com as medalhas de ouro para países escolhidos.

Vamos fazer o mesmo para o total de medalhas:

Note como tanto no total de medalhas como nas medalhas de ouro, os países da Europa Ocidental, mais Estados Unidos, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia obtiveram mais medalhas do que proporcionalmente deveriam ganhar, considerando o seu PIB pelo critério PPP. Na outra ponta, temos países grandes e pobres, como Índia, China, Indonésia e os países da América Latina. No caso do Brasil, no total de medalhas ainda obtivemos um pouco mais do que sugeriria o nosso PIB, mas nas medalhas de ouro ganhamos menos.

Este resultado mudaria substancialmente para Estados Unidos e China se usássemos o PIB em dólares. Neste caso, o PIB americano é 55% maior que o PIB chinês, ao passo que se usarmos o critério PPP, o PIB americano passa a ser 18% menor que o PIB chinês. Essa diferença não é tão grande quando comparamos outros países, mas, neste caso, se usarmos o PIB em dólar, a China passa a estar alinhada com o número de medalhas esperado, enquanto os Estados Unidos passam a “dever” 9 medalhas de ouro e 16 no total. Eu particularmente acho o critério PPP mais justo para comparar o PIB de países, principalmente quando, o que importa, é o poder de compra local, mas não poderia deixar de fazer essa observação.

Esse exercício simples parece demonstrar que há algo mais do que dinheiro envolvido. Sim, dinheiro é importante, mas não é tudo. Os países mais ricos ganham desproporcionalmente mais medalhas do que faria supor a sua riqueza relativa aos outros países. Será tradição? Os juízes são tendenciosos? Há uma cultura olímpica nesses países? Enfim, cada um terá a sua teoria.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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