Bilionários, uma radiografia
Desde quando Felipe Neto chamou a atenção para a diferença entre milionários (como ele) e BI-lionários (assim, mesmo, escandindo as sílabas – veja aqui), procurei mais dados sobre esse universo de pessoas que, segundo o influenciador, acumulam riqueza exageradamente.
Encontrei um relatório completo da consultoria Altrata, especializada em estreitar relacionamentos com indivíduos muito ricos. O relatório começa fazendo uma pequena radiografia do topo da pirâmide global da riqueza:
- 3323 pessoas são bilionárias, e suas fortunas somam cerca de US$ 12 trilhões, ou uma média de US$ 3,6 bilhões por indivíduo.
- 423 mil pessoas têm fortuna entre US$ 30 milhões e US$ 1 bilhão, totalizando ativos no valor de US$ 37 trilhões, ou uma média de US$ 87 milhões por pessoa. Esses são os chamados UHNWI – Ultra High Net Worth Individuals, ou pessoas ultra ricas.
- 3,9 milhões de pessoas têm fortuna entre US$ 5 e US$ 30 milhões, em um total de US$ 39,5 trilhões, o que resulta em uma média de US$ 10 milhões por pessoa. Esses são conhecidos como VHNWI – Very High Net Worth Individuals, ou pessoa muito ricas.
Note que, se sua fortuna é menor do que US$ 5 milhões (R$ 29 milhões ao câmbio de hoje), você não passa de um pé rapado que não vale o trabalho da consultoria de analisá-lo.
As três camadas acima são a ponta do iceberg, e já fica claro que a desigualdade não ocorre somente entre ricos e pobres, mas também entre os muitíssimos ricos, os muito ricos e os medianamente ricos. Olhando apenas para as médias, a fortuna da camada superior é 40 vezes maior do que a fortuna da faixa intermediária, enquanto esta é quase 9 vezes maior do que a fortuna da faixa menos rica. Provavelmente teríamos algo mais simétrico se fizéssemos um corte em, por exemplo, US$ 500 milhões ao invés de US$ 1 bilhão, mas esse limite de “bilhão” tem uma simbologia impossível de resistir.
E mesmo entre os bilionários, as diferenças de riqueza são brutais:
- 18 indivíduos têm uma riqueza superior a US$ 50 bilhões, totalizando US$ 2 trilhões em ativos, ou cerca de US$ 110 bilhões por indivíduo, na média.
- 176 pessoas possuem uma riqueza entre US$ 10 e 50 bilhões, totalizando US$ 2,9 trilhões, ou cerca de US$ 17 bilhões por indivíduo.
- 351 pessoas têm ativos entre US$ 5 e 10 bilhões, totalizando US$ 2,2 trilhões, ou US$ 6 bilhões por indivíduo.
- 1092 pessoas têm fortunas entre US$ 2 e 5 bilhões, totalizando US$ 3 trilhões em ativos, ou US$ 2,7 bilhões por pessoa.
- Finalmente, 1687 pessoas possuem fortunas entre US$ 1 e 2 bilhões, totalizando US$ 2,1 trilhões, ou US$ 1,2 bilhão por indivíduo.
Note que o topo tem fortuna em média 6,5 vezes superior à segunda camada, proporção que vai diminuindo ao longo da pirâmide. A diferença de riqueza entre a parte superior e a inferior desse topo de pirâmide é de quase 100 vezes! Sim, há muita desigualdade no topo da pirâmide também.
Distribuição geográfica dos bilionários
Como não poderia deixar de ser, os bilionários se concentram nos países mais ricos. Os líderes disparados são os Estados Unidos, com 1050 bilionários, ou cerca de 1/3 do total. A concentração de riqueza é ainda maior quando se considera o montante detido por esses bilionários norte-americanos: US$ 4,9 trilhões, ou 40% da riqueza de todos os bilionários do mundo. Considerando que o PIB dos EUA representa “apenas” 26% do PIB global, esses números parecem ainda mais impressionantes.
Em segundo lugar temos a China, com 304 bilionários, que acumulam algo como US$ 1,2 trilhão em riqueza. Apesar de ter uma renda/capita baixa, a China tem uma população muito grande (1,4 bilhão de pessoas), então qualquer coisa na China é grande, e o mesmo ocorre com o número de bilionários. O mesmo acontece com a Índia, país paupérrimo, que detém o 4º maior número de bilionários (131), justamente porque a sua população é muito grande. Mesmo o Brasil, com 55 bilionários, aparece na lista dos 15 maiores países em número de bilionários, em 14º lugar.
Países pequenos, como Singapura, Suíça e Hong Kong (este último, analisado de maneira independente da China), aparecem na lista com, respectivamente, 58, 116 e 107 bilionários. São regiões muito ricas, e centros financeiros de destaque, o que atrai bilionários do mundo inteiro.
Na lista, temos também os produtores de petróleo Arábia Saudita e Emirados Árabes, com 68 e 48 bilionários, respectivamente. Aqui, devem fazer parte todos das respectivas famílias reais.
Por fim, chama a atenção o Japão, o único país do G7 ausente da lista dos 15 países com mais bilionários. Trata-se do 4º maior PIB do mundo e uma população relativamente grande (120 milhões de habitantes), o que certamente habilitaria o país a um lugar nessa lista. No entanto, provavelmente por ter uma distribuição de renda melhor, o Japão deve ter menos bilionários do que países comparáveis.
A seguir, a lista completa:
Temos também a lista das 15 cidades que mais têm bilionários. São Paulo, com 34 bilionários, é a única brasileira na lista. Cabe notar que moram na capital paulista 62% de todos os bilionários brasileiros. Não é à toa que dizem que é aqui onde verdadeiramente rola o dinheiro.
A líder da lista é Nova York, com 144 bilionários. Se fosse um país, a Big Apple estaria em 4º lugar. No entanto, Nova York tem “apenas” 14% dos bilionários norte-americanos, o que demonstra uma maior distribuição espacial dos muito ricos nos Estados Unidos. Aparecem ainda na lista São Francisco (87 bilionários) e Los Angeles (62 bilionários). Moram nessas três cidades 28% dos bilionários norte-americanos, mais uma medida da distribuição espacial da riqueza nos Estados Unidos.
Na lista estão 3 cidades da China continental (Beijing, Shenzen e Hangzhou), além de Hong Kong. Essas 3 cidades têm 44% dos bilionários chineses. Apesar de mais concentrado que os EUA, é muito menos concentrado espacialmente do que o Brasil. Mesmo a Índia tem uma distribuição melhor: Mumbai, a única cidade indiana que aparece na lista, tem 40 bilionários, ou 30% do total. O único caso semelhante ao de São Paulo é Moscou, que tem 77 bilionários, ou 65% do total da Rússia. Lá, aparentemente, os oligarcas precisam ficar próximos do poder.
A seguir, a lista completa:
Herança e riqueza
Os críticos da meritocracia costumam dizer que os bilionários são bilionários simplesmente porque herdaram a sua riqueza, ou porque já nasceram ricos e só fizeram multiplicar essa riqueza. Até que ponto isso é verdade? O relatório aborda essa questão também.
Segundo a pesquisa, nada menos do que 60% dos bilionários fizeram a sua fortuna sozinhos, 31% herdaram, mas multiplicaram a fortuna, e apenas 9% são bilionários somente porque herdaram a fortuna.
Esses números parecem desmistificar a questão. Aliás, em qualquer lista de bilionários, encontraremos um percentual muito maior de self made men do que de herdeiros.
Ainda segundo o relatório, apenas 9% dos bilionários têm menos do que 50 anos de idade, 46% têm entre 50 e 70 anos, e 45% têm acima de 70 anos de idade. Essa distribuição parece corroborar os números anteriores, ou seja, para ser bilionário antes dos 50 anos de idade, só se for por herança.
Gênero e riqueza
O relatório da Altrata dedica-se a fazer uma radiografia da riqueza no topo da cadeia alimentar com base em gênero.
Dos 3323 bilionários, apenas 13% são mulheres. Mas a coisa é ainda pior.
Entre as mulheres, nada menos do que 38% herdaram a sua riqueza, ao passo que este número, entre os homens, é de apenas 5%. Portanto, além de serem em muito menor número, poucas mulheres, de fato, construíram o seu patrimônio do nada (24% contra 65% no caso dos homens).
O relatório não entra nos motivos para essa distribuição, que podemos observar no gráfico a seguir:
Riqueza e setores econômicos
E de onde vem a fortuna dos bilionários? De longe, o setor financeiro é o que mais cria bilionários ao redor do mundo: nada menos do que 22% de todos os bilionários vêm dessa área. Em um distante segundo lugar temos os conglomerados industriais, com 9%, e o setor imobiliário, com 6,9%. O setor de tecnologia, onde estão os bilionários que mais chamam a atenção da mídia, vem em 4º lugar, com 6,7% dos bilionários ao redor do mundo.
6,9% dos bilionários dedicam os seus esforços profissionais exclusivamente em ONGs. Aqui, a diferença de gênero se faz notar: esse percentual é de 17% para as mulheres e apenas 5,4% para os homens. Essa distribuição, o relatório sugere, está ligada ao fato de que as mulheres bilionárias herdam a sua riqueza mais do que os homens. Ou seja, aqueles que herdam costumam dedicar-se mais ao trabalho em ONGs, ao passo que os que constroem a sua fortuna, obviamente, dedicam mais o seu tempo às suas empresas.
Onde a riqueza está investida
Sempre que se fala em “impostos sobre grandes fortunas”, um contra-argumento comum é que a fortuna dos bilionários não é líquida, ou seja, os bilionários não teriam condições de pagar o imposto, a não ser se desfazendo de seu patrimônio em mercados pouco líquidos. Ou seja, essa riqueza, de verdade, não estaria acessível. Será?
O relatório traz dados sobre onde está a riqueza dos bilionários. Nada menos do que 31% dessa riqueza está investida em ativos líquidos, prontos para serem usados. Só perde para ações de companhias abertas, com 37,5%. Ativos pouco líquidos, como participações em empresas e imóveis, totalizam 31,5%.
Ou seja, um imposto sobre grandes fortunas pode ter outros senões, eu mesmo acho ineficaz, mas o argumento de que não haveria liquidez para pagar não se sustenta.
Onde os bilionários se divertem?
O relatório da Altrata chega ao ponto de pesquisar os hobbies dos bilionários. Afinal, quais são os seus hobbies, enquanto não se dedicam a ganhar dinheiro?
A prática de esportes domina, com 65% dos bilionários se dedicando a algum tipo de esporte, seguido de perto da filantropia, com 58% (os números somam mais do que 100% porque os pesquisados podem se dedicar a mais de um hobby). Aviação aparece em terceiro lugar, com 33%, seguido de atividades ao ar livre (23%), Arte (20%) e Política (18%). Este último ponto me chamou a atenção: quase 20% dos bilionários se dedicam, de uma forma ou de outra, à política. Alô Elon Musk, é você?
A diferença entre os gêneros se faz notar aqui também: enquanto 71% dos homens bilionários se dedicam a praticar esportes, esse número cai para apenas 29% no caso das mulheres. Já no caso da filantropia, a coisa inverte: enquanto 71% das mulheres se dedicam a boas causas, esse número é de 56% entre os homens.
As self made women
Por fim, o relatório faz um raio-x das mulheres que alcançaram mais de um bilhão de dólares em patrimônio através de seus próprios esforços. São 104 no total ao redor do mundo, e estão principalmente nos setores financeiro e de tecnologia. O relatório destaca alguns casos conhecidos, e que reproduzo no quadro a seguir.
E, com isso, encerro este pequeno artigo. Espero que tenha sido útil para conhecer um pouco mais sobre este misterioso mundo dos bilionários.