Economia

A Conta de Estabilização dos Preços dos Combustíveis: mais uma distorção na já distorcida economia brasileira

No dia 10/03, foi aprovado no Senado o PL 1472/2021, que dispõe, entre outras coisas sobre a criação da Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-C daqui em diante). A ideia de uma conta de estabilização desse tipo não é nova. Toda vez que o preço do petróleo sobe no mercado internacional, essa ideia é ressuscitada.

Neste artigo vamos, em primeiro lugar, entender o mecanismo de funcionamento da CEP-C. Em seguida, estudaremos as suas potenciais fontes de financiamento. E, por fim, vamos entender por que essa é uma ideia que não deve ir para frente.

A lei aprovada no Senado

A redação da lei é a seguinte (os grifos são meus):

Art. 68-J. É criada a Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis), com a finalidade de reduzir, observadas as regras fiscais e orçamentárias, o impacto da volatilidade dos preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, para o consumidor final.

O mecanismo utilizado está descrito no parágrafo primeiro:

§ 1º A CEP-Combustíveis:

III – utilizará os limites superior e inferior da banda de que trata o art. 68-I e os preços de referência, discriminados em regulamento por produto, considerando a seguinte sistemática, visando sua sustentabilidade financeira:

a) a diferença a mais entre o preço de referência e o limite superior será compensada em favor dos agentes produtores e importadores de combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, considerando as quantidades comercializadas;

b) a diferença a mais entre o limite inferior e o preço de referência será recolhida em favor da CEP-Combustíveis, considerando as quantidades comercializadas pelos agentes produtores e importadores de combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural.

O artigo 68-I, que define as “bandas” dos preços é o seguinte:

Art. 68-I. O Poder Executivo regulamentará, ouvida a ANP e observadas as regras fiscais e orçamentárias, a utilização de bandas móveis de preços com a finalidade de estabelecer limites para a variação de preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, definindo a frequência de reajustes e os mecanismos de compensação.

§ 1º Os mecanismos de compensação referidos no caput não devem inviabilizar a competitividade dos biocombustíveis.

§ 2º Os limites das bandas móveis serão definidos de maneira a refletir variações extraordinárias de preço.

Vamos a um exemplo para entender este mecanismo.

O mecanismo da Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis

A lógica da CEP-C é relativamente simples: quando o preço do petróleo sobe, o dinheiro acumulado no CEP-C é utilizado para compensar a Petrobrás por não subir os preços dos combustíveis. Ou seja, a empresa recebe a mesma remuneração que receberia se tivesse aumentado os preços. Desta forma, o lucro da Petrobrás não é penalizado pelo controle dos preços. Por outro lado, quando os preços internacionais do petróleo caem, ao invés de essa queda ser transmitida para os preços dos combustíveis, os preços permanecem mais altos, e a Petrobrás transfere essa arrecadação adicional para a CEP-C.

Antes de explorarmos um exemplo numérico, vamos lembrar que o preço no posto inclui impostos, a mistura de etanol e a margem do posto de gasolina, além do valor da gasolina cobrado pela Petrobrás na refinaria, conforme podemos observar na figura a seguir, retirado do site da Petrobrás:

Para o nosso exercício, digamos que se queira limitar o preço nas bombas em R$ 5,00 por litro (preço de referência), com uma banda de R$ 0,50 para cima e para baixo. Assim, temos:

Agora, digamos que o preço do petróleo no mercado internacional, que é a referência para a determinação do preço da gasolina, esteja em R$ 350 o barril (este preço é resultado do preço do barril em dólares multiplicado pelo câmbio). Para descobrir qual seria o preço da gasolina equivalente, vamos usar a relação histórica entre o preço da gasolina e o preço do barril de petróleo. Para tanto, usei os preços da gasolina e do petróleo (em reais) desde 2017, quando a Petrobrás inicia a nova política de preços, referenciada nos preços internacionais do petróleo. O resultado está no gráfico a seguir:

Cada ponto deste gráfico representa a relação entre o preço médio da gasolina no país e o preço do barril de petróleo (em reais) no final de cada mês, desde janeiro de 2017 até março de 2022. Este último ponto corresponde ao último aumento de combustíveis anunciado pela Petrobrás, e é representado pelo ponto mais à direita no gráfico.

Em primeiro lugar, podemos observar que, de fato, os preços da gasolina seguem de maneira bastante fiel os preços do petróleo. As pequenas distorções se devem a eventuais movimentos naturais dos preços entre os reajustes. A linha de regressão nos permite calcular o preço teórico da gasolina para cada patamar do preço do petróleo. A tabela abaixo nos dá os preços da gasolina para alguns preços selecionados do barril de petróleo (destacamos os preços que nos levam ao limite da política do preço de referência e suas bandas:

Observamos, então, que o preço da gasolina deveria ser de R$ 5,15 quando o preço do petróleo está em R$ 350. Portanto, neste ponto, a gasolina está um pouco acima do preço de referência definido pelo governo, que é de R$ 5,00, mas abaixo do teto da banda, que é de R$ 5,50. Como estamos dentro da banda definida, a CEP-C não é acionada.

Digamos, agora, que o preço do barril de petróleo dê um salto de R$ 50, para R$ 400. Neste caso, o preço da gasolina deveria ser elevado para R$ 5,64, segundo a tabela acima. No entanto, este preço está acima da banda superior do preço da gasolina definida pelo governo. Qual a solução? Simples: a CEP-C compensa a Petrobrás com a diferença. Assim, a Petrobrás cobra um preço que resulta em R$ 5,50 pelo combustível na bomba, e os outros R$ 0,14 são transferidos da CEP-C para a Petrobrás.

Por outro lado, se o preço do barril de petróleo cai para R$ 250, a Petrobrás poderia cobrar um preço pela gasolina que resultaria em R$ 4,18 por litro de gasolina na bomba, conforme a tabela acima. No entanto, a banda inferior é de R$ 4,50. Então, a Petrobrás cobra um preço que resulta em R$ 4,50 na bomba e transfere os R$ 0,32 adicionais para o CEP-C.

O esquema está ilustrado na figura a seguir:

O mecanismo é esse. Vamos agora colocar alguma realidade nesses números. Digamos que queiramos diminuir o preço do combustível na bomba dos atuais R$ 7,50 para o nosso preço de referência, R$ 5,00. Para calcular quanto a Petrobrás precisaria receber em compensação para manter o preço da gasolina em R$ 5,50 na bomba (topo da banda definida), precisamos saber o preço que a Petrobras cobra das distribuidoras. Lembre-se que o preço cobrado pela Petrobrás é apenas uma parte do preço da bomba, e é essa parte que precisa ser compensada. Para isso, vamos fazer uma correspondência entre o preço da gasolina na bomba e os preços da Petrobrás na tabela abaixo (essa correspondência foi calculada com base na proporção atual entre impostos, margem da distribuidora e preço de realização da Petrobrás):

Podemos observar que, para fazer essa redução, a Petrobrás precisaria reduzir o seu preço em aproximadamente R$ 1,25.

O mesmo vale para o diesel. Para fazer o mesmo cálculo que fizemos com a gasolina, precisamos do break-down do preço do diesel, também fornecido pela Petrobrás, conforme figura abaixo:

Fazemos a mesma regressão entre o preço do petróleo e o preço do diesel na bomba, considerando a atual configuração entre preço de realização da Petrobrás, margem do posto e impostos:

E, por fim, calculamos quanto precisaríamos reduzir o preço cobrado pela Petrobrás. Para tanto, vamos considerar que o preço de referência do diesel na bomba fosse determinado em R$ 4,25, também com bandas de R$ 0,50 para cima e para baixo, e que o preço atual do diesel na bomba seja de R$ 6,40. Temos então:

Portanto, precisamos de dinheiro suficiente no CEP-C para reduzir o preço do litro da gasolina em R$ 1,25 e o preço do litro do diesel em R$ 1,30 na refinaria. De acordo com o seu balanço do 4o trimestre, a Petrobras vendeu aproximadamente 400 mil barris/dia de gasolina e 800 mil barris/dia de diesel para o mercado doméstico em 2021, o que equivale a aproximadamente 63 milhões de litros de gasolina e 127 milhões de diesel por dia. Portanto, se fizesse um desconto de R$ 1,25 por litro de gasolina e R$ 1,30 por litro de diesel, a Petrobrás estaria deixando de arrecadar um total de R$ 244 milhões por dia. Ou R$ 7,3 bilhões por mês. Ou R$ 88 bilhões/ano.

De onde viria este dinheiro hoje? As fontes de recursos estão descritas no parágrafo segundo da lei aprovada.

As fontes de recursos do CEP-C

Vejamos a redação da parte da lei que nos informa sobre as fontes de recursos:

§ 2º É autorizada a transferência para a CEP-Combustíveis, no caso de esgotamento ou inexistência do saldo oriundo da banda de que trata o art. 68-I, observadas a disponibilidade orçamentária e financeira e as regras fiscais, de recursos:

I – de participações governamentais relativas ao setor de petróleo e gás destinadas à União resultantes do regime de concessão e resultantes da comercialização do excedente em óleo no regime de partilha de produção, ressalvadas as vinculações estabelecidas na legislação;

II – de excesso de arrecadação, relativo à previsão da lei orçamentária anual, dos dividendos da Petrobrás pagos à União;

III – de receitas públicas não recorrentes relativas ao setor de petróleo e gás, em razão da evolução das cotações internacionais do petróleo bruto, desde que haja previsão em lei específica, observado como limite o valor que exceder ao previsto na lei orçamentária anual; e

IV – do superávit financeiro de fontes de livre aplicação disponíveis no balanço da União, em caráter extraordinário.

Comecemos pelo primeiro item, royalties. Em 2021, foram arrecadados com royalties o equivalente a R$ 74 bilhões, um recorde. Deste montante, cerca de 35% ficam livres para a União, ou R$ 26 bilhões. O resto é distribuído a Estados, municípios e para vinculações obrigatórias. Devemos ter em mente que este é um valor excepcional, muito acima da média, que foi de R$ 35 bilhões nos 5 anos anteriores.

O segundo item refere-se aos dividendos da Petrobrás. Também esse ano tivemos uma distribuição excepcional de dividendos. Foram quase R$ 73 bilhões desembolsados em 2021, e mais um dividendo suplementar a ser pago em maio deste ano, totalizando R$ 101 bilhões. Para termos uma ideia, a média dos dividendos pagos nos 5 anos anteriores totalizou menos de R$ 4 bilhões por ano. Daquele montante, cerca de R$ 29 bilhões foram ou virão para os cofres da União. Vamos considerar, para simplificação do raciocínio, que não houve nenhuma previsão orçamentária de recebimento de dividendos (a lei fala em usar para o CEP-C o excesso de arrecadação de dividendos). Portanto, seriam mais R$ 29 bilhões disponíveis para alimentar o CEP-C.

Os outros dois itens são incertos e de difícil estimativa, de modo que não consideraremos em nosso raciocínio.

Temos, então, um montante de R$ 55 bilhões (R$ 26 bilhões dos royalties e R$ 29 bilhões dos dividendos) para alimentar o CEP-C em um ano realmente excepcional. Podemos raciocinar de duas formas (sempre considerando estabilidade do consumo de combustíveis em relação a 2021. Se o consumo aumentar, as contas serão menos favoráveis):

  1. Este montante seria suficiente para bancar cerca de 7,5 meses do subsídio calculado acima. Depois disso, teríamos que rezar para o preço do petróleo ter recuado.
  2. Considerando 12 meses de subsídio, o preço do diesel poderia ser reduzido de R$ 6,40 para R$ 4,90 (um pouco acima do teto de R$ 4,75), sem qualquer redução do preço da gasolina. Ou, o preço da gasolina poderia ser reduzido para R$ 5,50 (o teto da banda), e o preço do diesel para R$ 5,65, abaixo dos atuais R$ 6,40, mas bem acima do teto de R$ 4,75.

Uma outra conta possível é a seguinte: quanto o CEP-C teria acumulado se tivesse sido estabelecido no início da vigência da nova política de preços da Petrobrás? A paridade internacional começou a ser adotada oficialmente em outubro de 2016. Digamos que o CEP-C tivesse entrado em vigor em janeiro de 2017. Vamos considerar um preço mínimo de R$ 4,50 para a gasolina e de R$ 3,75 para o diesel durante este período. Os gráficos a seguir mostram que, em grande parte desse tempo, os preços ficaram abaixo do limite mínimo.

Como os preços ficaram abaixo da banda mínima até o início de 2021, teria sido possível acumular um bom montante no CEP-C durante esse período. Considerando o mesmo consumo de 2021 nos anos anteriores apenas para fins do exercício, teríamos a seguinte evolução do montante acumulado no CEP-C:

Observe que o pico teria sido atingido no início de 2021, com aproximadamente R$ 155 bilhões na conta. A partir de 2021, com a disparada dos preços do petróleo e do dólar, a conta começaria a ser consumida, e teríamos hoje ainda algo como R$ 100 bilhões, montante mais do que suficiente para manter os preços na parte superior da banda por mais um ano pelo menos, se os preços do petróleo não subirem além do patamar atual.

Podemos testar outras bandas de preços. No gráfico abaixo, observamos o saldo do CEP-C para preços de referência da gasolina em R$ 4,50 e R$ 4,00, e do diesel em R$ 3,80 e R$ 3,40, respectivamente (sempre com as mesmas bandas de flutuação).

Observe como, nos dois casos em que os preços dos combustíveis são determinados mais para baixo, o CEP-C não é suficiente para manter os preços nesses patamares. No pior caso, estaríamos hoje devendo R$ 150 bilhões para o CEP-C. E a conta ainda estaria crescendo.

Este exercício nos será útil para entender por que o CEP-C não tem como dar certo.

O CEP-C é uma péssima ideia e eu vou provar

O CEP-C é uma ideia muito ruim em várias dimensões. Vejamos.

  1. Como determinar o preço de referência?

A determinação do preço de referência é um pepino político. Quando temos um preço determinado pelas forças do mercado, podemos espernear e nos revoltar, mas o preço é o preço, o culpado é o mercado. Quando o governo (ou o Congresso) trazem para si a responsabilidade de determinar o preço, qualquer critério será questionado.

Hoje o governo já é criticado pelo preço dos combustíveis porque o povo entende que o governo tem o poder de determinar os preços, dado que a Petrobrás é uma empresa estatal. Imagine quando o governo tiver realmente este poder, a pressão política que vai sofrer. Hoje, pelo menos, existe a desculpa (que não é uma desculpa, é a realidade) de que este é o preço de mercado e a Petrobrás precisa praticar preços de mercado.

Vimos acima que, para juntar um montante razoável de dinheiro na CEP-C, é preciso praticar preços muito mais altos do que os que tivemos até 2021. No caso da gasolina, por exemplo, o preço médio entre 2017 e 2020 foi de R$ 3,85, ao passo que, se houvesse o preço de referência de R$ 5,00, o preço médio teria sido de R$ 4,50 (limite inferior da banda), ou seja, 17% mais alto. E isso ao longo de 4 anos. Quando se trata de cortar preço todo mundo quer uma CEP-C. O problema é que isso significa preços mais altos ao longo do tempo. Isso nos leva ao segundo ponto, a seguir.

2. O problema não é a volatilidade. O problema é o preço alto.

Vou aqui recuperar o texto da lei:

Art. 68-J. É criada a Conta de Estabilização de Preços de Combustíveis (CEP-Combustíveis), com a finalidade de reduzir, observadas as regras fiscais e orçamentárias, o impacto da volatilidade dos preços dos combustíveis derivados de petróleo e GLP, inclusive o derivado de gás natural, para o consumidor final.

Note que a intenção declarada do legislador não é ter preços mais baixos dos combustíveis, mas menor volatilidade. O problema é que o consumidor não quer menor volatilidade. Ele quer menor preço mesmo. Ninguém realmente reclama quando o preço cai. O problema é quando o preço sobe. Não por outro motivo, ninguém falava de CEP-C quando os preços do petróleo estavam em US$ 40. Aquele era o momento de se pensar em uma conta de compensação, elevando o preço dos combustíveis para começar a montar um fundo de compensação. Mas quem é louco de propor um troço desses quando está todo mundo curtindo preços baixos de combustíveis?

Claro que, agora que sabemos a que altura pode subir o preço do petróleo, todo mundo quer colocar um trinco na porta arrombada. O problema é que não fizemos uma poupança precaucional para este momento. A questão é: quando o preço do petróleo ceder (se um dia ceder), vamos realmente segurar os preços? A questão é política (vide item 1 acima). Mas digamos que o governo/Congresso consigam esta proeza. O que pode acontecer?

3. Dinheiro na mão é vendaval

Imagine chegarmos em 2021 com uma conta de quase R$ 160 bilhões acumulados, ali, dando sopa. O que você acha que aconteceria?

Já consigo ouvir os discursos no Congresso: esse dinheiro é do povo brasileiro, deve ser usado para o seu benefício. A tentação de usar essa montanha de dinheiro para outras finalidades não é fácil de ser vencida. Na prática, funcionaria como um imposto sobre combustíveis: os combustíveis ficam mais caros do que deveriam, e a diferença seria usada para outros fins muito nobres.

Mas este é um problema teórico. O problema prático é o inverso.

4. Dinheiro não tem carimbo

Hoje, o nosso problema é arrumar dinheiro extra para subsidiar os combustíveis, dado que não usamos o período de bonança para montar o CEP-C. Como vimos acima, esse dinheiro viria dos royalties e dos dividendos da Petrobrás. Mas este dinheiro, se não houvesse o CEP-C, seria usado para outros fins. A grande questão não respondida é a seguinte: subsidiar combustíveis é o melhor uso possível para este dinheiro?

Dinheiro não tem carimbo. Não é porque o dinheiro veio da alta dos preços do petróleo no mercado internacional que deve ser usado necessariamente para compensar os efeitos dessa mesma alta. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A alta dos preços do petróleo pode ser uma benção: o governo brasileiro arrecadou R$ 55 bilhões adicionais (como vimos mais acima) e pode usar esse dinheiro extra na área social, ao invés de subsidiar os custos de indivíduos e empresas com combustíveis. Alguns dirão que esses custos acabam nas costas dos mais pobres, na forma de preços mais altos dos produtos. Ao que eu respondo que existem muitas linhas no balanço das empresas entre o preço do combustível e o preço final do produto, e nada garante que subsídios terminarão lá nos preços. Nunca há essa garantia para os subsídios concedidos, a bem da verdade.

O fato é que controlar preços com recursos orçamentários não parece ser uma boa ideia. Na verdade, controlar preços de qualquer maneira não parece ser uma boa ideia. Preços são a forma de o sistema capitalista se autoajustar. É o que veremos a seguir, no ponto de argumentação que considero o mais importante.

5. A intervenção nos preços sempre envia uma sinalização errada para os agentes econômicos

Quando o preço de uma mercadoria sobe, isso significa que há mais demanda do que oferta por aquele produto. Pode ser que a demanda tenha subido ou a oferta tenha se reduzido, e então o preço se ajusta para cima em um novo equilíbrio entre oferta e demanda. O novo preço mais acima diminui a propensão das pessoas em consumir aquela mercadoria, reduzindo a demanda, ao passo que atrai novos produtores, aumentando a oferta.

Claro que há mercados em que esses ajustes são mais ou menos imediatos. No caso dos combustíveis, a demanda tem uma certa inelasticidade (sensibilidade ao preço), pois as pessoas precisam continuar a se movimentar, e reduzem seu consumo de outros produtos em um primeiro momento para acomodar o aumento do preço dos combustíveis. No entanto, em um segundo momento, mudam hábitos e encontram alternativas. Além disso, a diminuição do seu poder de compra de outros produtos acaba por levar a uma desaceleração da atividade econômica, o que, por si, já diminui a demanda por combustíveis. No lado da oferta é a mesma coisa: é difícil aumentar a produção do dia para a noite, e normalmente o que ocorre é o uso de estoques reguladores. Em um segundo momento, no entanto, produtores menos eficientes são atraídos pelos preços mais altos da mercadoria, ajustando a oferta.

Ao intervir nos preços, o governo está destruindo este delicado balanço. Os indivíduos e empresas não procuram reduzir a sua demanda, e novos produtores não são atraídos para normalizar a oferta. A tendência é termos uma demanda estruturalmente maior do que a oferta ao longo do tempo, o que pressionará os preços para cima cada vez mais, exigindo montantes cada vez maiores de subsídios. Este é um mecanismo, portanto, de retroalimentação, que exige cada vez mais recursos orçamentários para ser mantido. Obviamente, como todo processo artificial, esse modelo tem um limite, e a sua saída costuma ser caótica, como em toda manutenção de preços em níveis artificiais durante muito tempo.

Por fim, em tempos de substituição de energias sujas por limpas, o preço alto do petróleo é uma benção, pois viabiliza a adoção de fontes alternativas de energia. Não deixa de ser interessante que mesmo governos que se dizem defensores da agenda ambiental estejam, neste exato momento, procurando meios de reduzir os preços dos combustíveis. As boas intenções sempre terminam na próxima campanha eleitoral.

Conclusão

A ideia da CEP-C parece ser boa em princípio, pois não intervém diretamente na política de preços da Petrobrás, usando recursos orçamentários para reduzir os preços dos combustíveis. Mas é sintomático que este tipo de ideia somente seja discutida quando os preços estão nas alturas, e não quando temos eventualmente espaço para construir o lastro da conta de compensação. Hoje, este projeto parece mais um cala-boca da classe política diante do clamor popular diante dos preços dos combustíveis, um preço simbólico determinado por uma empresa simbólica.

Parece pouco provável que este projeto vá para frente, dadas as dificuldades técnicas apontadas acima e porque, até ser aprovado e regulamentado, o preço do petróleo terá recuado, tirando a pressão política por sua implementação. E não será ruim que este projeto seja esquecido. Não precisamos de mais um artificialismo em nossa economia já repleta deles.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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