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Oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo…

Alto calão na música brasileira: um Top10 cheio de píííííí!

Acho que muita gente em algum momento dessa quarentena teve vontade de abrir a janela e berrar ao mundo aqueles seus palavrões mais bonitchos, as pedradas verbais preferidas de seu repertório. Não se avexe não, mãinha! Não se acanhe não, meu rei! Como dizem os livros de autoajuda, liguem o F***-SE e sejam felizes! Libertem a Dercy dentro de vocês! Já foi o tempo em que a censura proibia palavras de “baixo calão”; hoje em dia, ao menos para fins pacíficos, a boca-suja tá liberada!

Pois é, mas mesmo por um tempo depois do fim do regime militar o palavrão era tão vetado, em especial na música, que a alegria da criançada dos anos 1970, como eu, era a (originalmente densa) canção Geni e o Zepelim, do Chico Buarque, por ter o singelo verso “Joga b**** na Geni!”. Pior foi o primeiro LP da banda Blitz que vinha com duas faixas literalmente todas arranhadas, só porque rolava um “ah, p*** que p****!” perdido numa letra.

O lado bom era que muitos artistas abusavam da criatividade para exprimir expressões proibidas. Caetano brincava: “eu como, eu como, eu como… / Você… / ….não está entendendo quase nada do que eu digo”. Rita Lee colocava classe e charme nos versos “Me deixa de quatro no ato / Me enche de amor”. Raul Seixas zoava que a “minha cobra quer comer sua aranha”. Os Garotos Podres chamavam o capitalista Papai Noel de “velho batuta”. Ultraje a Rigor dizia que a galinha Marylou “botava ovo pelo sul”.

E há até todo um gênero dedicado a esses disfarces: os forrós de duplo sentido. Quem não se lembra do Genival Lacerda (“Ele tá de olho é na butique dela”, “Ela deu o rádio”), ou da Clemilda (“Talco no salão”), ou do expert Sandro Becker (“Tico mia na sala / Tico mia no chão”, “Julieta-tá, tá me chamando / Eu vinha no caminho e encontrei um urubu / Pisei no rabo dele, ele mandou tomar cuidado / Julieta-tá, tá me chamando”)?

Aos poucos, as palavras chulas foram emergindo. Hoje a coisa está tão natural, que um verso como o da canção Me Adora da Pitty, “Que você me acha f***”, não ocasiona nem um levantar de sobrancelhas da vovó. Mas também há exageros, onde a sutileza vai pra p*** que p****, como nos palavrões do funk nacional. Há alguns que, de tanta baixaria, chegam a ser divertidos (o que é a tal da União Flasco? hahaha), mas grande parte carrega no sexismo e costuma ser, sim, de baixíssimo calão!

Aliás, por que se diz baixo calão? Será que há alto calão, significando o oposto, um falar pudico e elegante? E baixo calinho, existe? Seria talvez um palavrão infantil, como cocogento? Nada disso, segundo o Houaiss, a palavra calão por si já traz o sentido original de linguajar grosseiro. Isso significa que a expressão baixo calão é redundante. A censura poderia ter vetado músicas simplesmente por terem expressões de calão, não precisava humilhar rebaixando-as ainda mais!

Mas então vou fazer um desagravo a esses mal afamados vocábulos, com um Top10 aqui dos melhores usos de palavrões na música brasileira. Ou seja, dez canções onde há altíssimo calão, sim senhor!

Meu ranking inclui algumas das primeiras ocorrências de palavrão explícito no rock, como Faroeste Caboclo, da Legião Urbana. Chegou a ser editado no rádio, que transformava “olha pra cá, f**** da p*** sem vergonha” em “olha pra cá, olha pra cá seu sem vergonha”. Mas se nem todo mundo sabia a extensa letra de cor, eu percebia que trechos como o do “general de dez estrelas” “com o c* na mão” toda a galera cantava.

Também nos anos 80, Bichos Escrotos, dos Titãs, se tornou um clássico com esse título mesmo. Aliás, produção!, não sei se a terminologia anatômica escroto se qualifica como palavrão, confere? Bom, certamente o fofo “v** se f****!” aos bichinhos já cuidava de tornar a música proibida de reprodução nas rádios. Daí que, na dificuldade de se editar, muitas emissoras ligaram o f***-se e tocavam toda a música, pagando a multa estipulada. Valia a pena!

Na lista, também incluí, do Cazuza, O tempo não para, onde há os marcantes versos de desabafo: “Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro / Transformam o país inteiro num p******!”. Outro clássico, né, esse, talvez, de toda a MPB!

No entanto, ô seu minino, eu quero é rock!, e a palavrita meiga no verso do Cazuza foi parar até em um título da banda Raimundos, a memorável P****** em João Pessoa. Aí já estávamos nos anos 1990, e essa banda libertava a língua ferina do rock, com várias músicas cheias de palavrões, muitas inspiradas nos forrós de duplo sentido. Só que aqui não havia disfarces: em O pão da minha prima, mandava logo um “eu disse: não dê a b***** / pro xoxo pão”.

Pudera essa liberdade: na mesma época, um sucesso estrondoso entre as inocentes criancinhas, os saudosos Mamonas Assassinas, até (mal) disfarçavam alguns vocábulos sujos, mas em Uma Arlinda Mulher, por exemplo, soltavam a pérola: “Eu disse isso pra rimar com a soma dos quadrados dos catetos / Que é igual à p**** da hipotenusa”. Impagáveis!

Nesse tempo áureo para o rock, emissoras jovens, como a 89FM, de SP, ou a MTV não só não censuravam, como até faziam bordões a partir dos palavrões. O que qualificou o Sepultura para entrar no ranking, pois apesar de cantarem em inglês, mandaram um “vamo’ detonar essa p****” no petardo Ratamahatta, o que virou uma espécie de meme da época.

Mais tarde, os palavrões foram rareando. Incluí na lista o supracitado Me adora da Pitty e o Eu não uso sapato do Charlie Brown, que berrava a quatro ventos: “Mas que se f***!”. O Ultraje a Rigor, depois de Marylou, ainda se divertia com o assunto, fez uma Filha da p***, em que mandava a letra para os que usurpavam a nação, com direito ao famoso píííí apitando em cima da palavra chula (na mesma vibe, Titãs mandaria depois o seu Vossa Excelência, que não amenizava: “Filha da p***! Bandido! Corrupto! Ladrão!”. Essas são boas pra gente berrar na janela nessa pandemia, heim?!). E depois, numa ironia (ou autoironia), Ultraje fez outra com os hilários versos “Só pra garantir esse refrão / Eu vou enfiar um palavrão: c*!” Hahahaha, mandei essa para a lista. Talvez esse pequeno, porém expressivo, monossílabo terminado em “u” (portanto, sem acento, por favor) seja o tal baixo calinho que conjecturei antes, né?

Mas o grande campeão do meu ranking, não é do rock, são os gênios do rap brazuca Racionais MC’s, de quem pincei O Homem na Estrada. Colocando o personagem do ex-presidiário para insultar a polícia discriminatória com sentenças como “f***** da p*** comedores de carniça” e “não confio na polícia, raça do c******!”, o grupo cometeu uma das melhores faixas brasileiras de todos os tempos. Chegaram a ser detidos no palco por causa desses versos, hahaha, RESPECT! Somando-se ao fato de que até o então senador Eduardo Suplicy entoou essa letra em pleno congresso nacional, não dá pra não dar logo o Troféu Alto Calão para eles! Cabras bons da p****!

Bom, sem mais, segue logo meu ranking final, antes que a censura volte e mande eu fechar o bico:

Top10 Melhores Presenças de Palavrões na Música Brasileira

  1. Homem na estrada – Racionais MC’s
  2. P****** em João Pessoa – Raimundos
  3. Bichos escrotos – Titãs
  4. Ratamahatta – Sepultura
  5. Faroeste caboclo – Legião Urbana
  6. O Tempo não para – Cazuza
  7. Uma Arlinda Mulher – Mamonas Assassinas
  8. Nada a declarar – Ultraje a Rigor
  9. Eu não uso sapato – Charlie Brown
  10. Me adora – Pitty

E aí? Concordam? Esqueci de algum? Gostaram? Não? Odiaram? Muita baixaria? Ah, quer saber, amigos? Se não gostaram, também, FODA-SE!

Vladimir Batista

Vladimir Batista é escritor, professor e cinéfilo. Após 25 anos trabalhando como engenheiro em multinacionais de tecnologia, resolveu abraçar sua paixão de infância pelas palavras e por contar histórias e segue carreira na área de Letras e Literatura. Gosta de filmes e livros de gêneros variados, atendeu a vários cursos e oficinas de roteiros de cinema, de série e de técnicas de romance e tem um livro publicado pela Amazon: “O Amor na Nuvem De Magalhães”. Vladimir é casado, vegetariano e “pai” de cachorros resgatados.

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