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Como criar o custo Brasil: um exemplo prático do cadastro positivo

 

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Um item ausente das manifestações Brasil afora e que acaba relacionado indiretamente às demandas populares diz respeito ao exorbitante custo Brasil, que muito prejudica nossa produtividade e competitividade, em um mundo onde esses são elementos essenciais para o desenvolvimento de uma nação, e para a melhoria do bem-estar de seus habitantes. No Brasil, já são bastante conhecidas a altíssima carga tributária, sem a devida contrapartida em serviços públicos e a baixíssima qualidade da nossa educação, ambos fatores que oneram o nosso ´custo de qualquer coisa´. Mas há também uma predisposição cultural à burocracia. O pragmatismo usualmente não corre em nossas veias.

Um exemplo prático disso é a lei que regulamenta o cadastro positivo que entrou em vigor em Agosto de 2013. Como se trata de uma ferramenta até então inexistente é fácil compará-lo com  similares em outros cantos do mundo. Previsivelmente, nós complicamos e encarecemos a sua utilização, além de adiarmos o seu benefício.

O cadastro positivo nada mais é que o conjunto de informações sobre pagamentos e linhas de crédito de uma pessoa física ou jurídica. Para cada CPF ou CNPJ, ele indicará o quanto de crédito a pessoa tem disponível e como o utiliza, além da sua assiduidade no pagamento das dívidas e das chamadas ´utilities´: conta de luz, água, telefone, etc. Hoje, os bureaus de crédito conseguem capturar somente as informações negativas a respeito de um indivíduo ou empresa, ou seja, tudo a respeito da inadimplência é compartilhado. A ameaça do nome constar no Serasa ou SPC e consequentemente privar-se do acesso a crédito ou mesmo ter problemas de empregabilidade é um incentivo relevante para manter as contas em ordem.

Do ponto de vista de quem concede o crédito, a informação positiva enriqueceria enormemente a decisão, permitindo diferenciar ainda mais os bons dos maus pagadores. Isso seria extremamente útil para segmentar as ofertas, permitindo às instituições melhorá-las para os primeiros. Hoje, na ausência da totalidade das informações, eles acabam subsidiando o crédito para os ‘maus’, pois a capacidade de diferenciação de risco no momento da concessão está longe de ser otimizada.

O cadastro positivo é algo saudável para consumidores e empresas. Os bons pagadores se beneficiam e nada muda para os usuais inadimplentes, pois eles já fazem parte do cadastro negativo. Tendo em vista esse cenário, esperava-se que sua implantação no Brasil ocorresse sem maiores delongas, pois se trata de um dos poucos casos onde existe uma genuína relação de ´ganha-ganha´ para todos.

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Não foi o caso. Após alguns anos de discussão, que contou com a participação de vários segmentos da sociedade, desde representantes dos órgãos de defesa do consumidor, bancos, bureaus de crédito, instituições não financeiras, até o Ministério da Justiça, entre outros, chegou-se a um modelo ineficiente, que irá gerar os benefícios esperados para um cadastro positivo em um prazo mais longo que o normal, a um custo bem maior.

Há dois entraves principais que atrapalham a maneira com a qual lidaremos com o cadastro positivo e que nos diferenciam do padrão normal em outros países. O primeiro deles é a necessidade de autorização formal do indivíduo para que tenha suas informações disponíveis e compartilhadas entre todos os usuários do sistema. Para que isso ocorra, o sujeito terá que ler, preencher e assinar um calhamaço de seis páginas, endossando-as. Se isso não ocorrer, ele não constará no cadastro. Convencer um consumidor a fazê-lo irá encarecer bastante qualquer processo comercial. Se for uma proposição remota, também uma possibilidade, cliente e operador gastarão dezenas de minutos ao telefone. É claro que o interesse dos bancos em arregimentar clientes para o cadastro positivo arrefece, pois a contrapartida em incrementar massivamente o seu custo de captação não é tangível. Então, grande parte da coleta das autorizações ficará sob responsabilidade dos bureaus de crédito, claramente interessados em guardá-las para desenvolver modelos estatísticos que melhorem a capacidade de decisão de seus clientes. Ocorre que tampouco os Bureaus possuem uma estrutura para obter essas autorizações em larga escala. Terão que criá-la, a um custo certamente elevado.

É o típico caso onde complicamos as coisas, ao invés de simplificar. Por que razão precisamos da autorização do consumidor para entrar em um sistema onde ele é beneficiado? Poderíamos buscar o exemplo americano, onde o crédito está arraigado na cultura, e veríamos que lá não é assim. Mesmo para aqueles que enxergam tudo que vem da América do Norte como ruim, temos exemplos na vizinhança (Argentina, Colômbia, Chile) que contrastam com o procedimento brasileiro. Seu frágil argumento de defesa está relacionado à privacidade das informações, pois  nem todo mundo desejaria que sua vida financeira estivesse exposta no sistema. Mesmo assim, seria mais lógico partir para a opção negativa. Quem não quisesse, formalizaria a sua posição e teria seu nome retirado do cadastro, tal qual ocorre para aqueles que não permitem ligações de telemarketing. Infelizmente, optamos pelo caminho mais burocrático e custoso.

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O segundo entrave diz respeito à responsabilidade solidária de quem consultar a informação, em caso de quaisquer problemas relacionados a ela. Apesar de não estar claro qual será a amplitude de possíveis custos legais aos usuários, em um país onde a indústria do litígio cobra pedágio em todos os setores da economia, essa cláusula tem os atributos necessários para deixar os participantes em alerta para potenciais perdas com causas cíveis.

Ambos os obstáculos foram colocados onde não havia nada. Fruto da mais pura criatividade brasileira, sob pretexto de proteger o consumidor, que está sendo beneficiado. Apesar de não significarem uma ‘pá de cal’ no cadastro positivo, atrasarão os frutos oriundos de sua implantação, que normalmente já levariam um par de anos para serem percebidos, pois é necessário um volume de informações relevante para que seja possível construir modelos estatísticos robustos. Hoje, decorrido quase um ano de sua implantação, pouco mais de 1 milhão de consumidores autorizaram sua entrada no cadastro. É muito pouco diante do tamanho da população economicamente ativa. Tivéssemos o pragmatismo em nosso DNA, no dia seguinte à implantação do cadastro, ele conteria praticamente uma centena de milhão de consumidores, e a essa altura a sociedade estaria em vias de experimentar seus benefícios. Infelizmente, não escolhemos o caminho mais eficiente. Diante desse cenário, é possível ainda que tenhamos que ouvir vozes leigas indignadas questionando a efetividade do cadastro, se o mesmo não produzir mudanças no curto prazo. Não me espantaria se fossem as mesmas vozes que fizeram coro pela sua ‘burocratização’.

No longo prazo, tudo vai dar certo. Dezenas de milhões de pessoas constarão no cadastro positivo e seus usuários terão acesso a informações que lhes permitirão identificar os melhores clientes e oferecer produtos em condições diferenciadas. O ‘spread’ bancário cairá e o nível de endividamento da população será controlado por um sistema de alarmes que dificultará a eclosão de bolhas de crédito. No longo prazo, o Brasil vai dar certo. É isso que ouvimos desde crianças, não é? Enquanto ele não chega, seguimos plantando burocracia e colhendo ineficiência. Quantos casos parecidos com esse existem por aí? O Brasil precisa é de um choque de pragmatismo…

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Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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