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Covid-19: o medo nos faz exagerar.

Riscos não são fáceis de assumir

A filosofia geral de muitas pessoas diante de um risco é exagerar sua chance de acontecer e isso as levarem a tomar atitudes e decisões ruins.

Isso se vê em todos os setores da vida.

Se uma mulher tem nódulos em um seio e faz uma mamografia, é comum que ela tema pelo pior e fique ansiosa e preocupada, até dar o suspiro de alívio quando descobre que não é nada, o que é, de longe, o mais provável.

A maioria da população que tem economias deixa todo o seu dinheiro em renda fixa porque não quer assumir qualquer risco, mesmo que a aplicação líquida de imposto de renda esteja rendendo menos que a inflação.

Cansei de ver mães apavoradas com o risco de um filho ser sequestrado em pleno shopping center. E não se trata de uma criança famosa. Na prática, o risco disso acontecer é extremamente baixo, mas vai explicar isso para uma mãe neurótica….

Quando a casa de um vizinho é assaltada, temos a percepção que o risco de assalto à nossa casa aumenta, o que quase sempre é uma visão equivocada.

Outras temem em deixar um emprego ruim, estável, pela incerteza resultante em mudar de vida.

Eu, por exemplo, larguei dois empregos públicos concursados para seguir na minha vida. Muitos me taxaram de louco.

Os exemplos disso podem se estender ao infinito.

Quando se refere a risco de vida, piora

Muitos não querem tomar a vacina da AstraZeneca em virtude dos raros relatos de trombose, mesmo quando não é difícil mostrar que o risco de pegar e morrer de COVID-19 é bem maior que a vacina, sendo que a AstraZeneca quase zera as mortes de COVID-19

Várias pessoas que têm medo de andar de avião comercial pilotam suas motos tranquilamente. Só que o risco de morte associado a moto é cerca de 65 vezes maior por km deslocado que o avião comercial. Por que há essa percepção equivocada? Ah, as pessoas querem sentir que estão em terra firme…

Novamente, os exemplos são intermináveis e estão em toda a parte.

COVID-19 junta o desconhecido com o risco de morte

Surge uma doença que ninguém sabe nada sobre ela.

E é uma doença que pode matar.

Isso é um prato cheio para criar um ambiente de pânico na população.

De fato, é uma doença que ainda gera poucas certezas e muitas dúvidas. Em função disso, muitos preferem pecar por excesso do que por falta. E isso termina limitando muito a vidas dessas pessoas.

Eu mesmo conheço diversas pessoas que, podendo se dar ao luxo disso, quase pararam a vida.

Até hoje.

Transmissão via superfícies: um tema controverso

Um tema muito debatido desde o início é a tal contaminação via superfícies.

Eu, a partir de diversas leituras desde o início da pandemia, sempre achei que isso era algo que apareceu para a população de forma extremamente exagerada. Sendo assim, sempre fui menos cuidadoso nesse quesito que a maioria.

Conheço diversas pessoas, especialmente no início, que seguiam um ritual muito estrito, incluindo lavar todas as compras e sacolas, tirar os sapatos e as roupas quando chega em casa e lavá-los, fora a questão da carteira e o cartão de crédito, além de tomar banho toda vez que entra em casa, uma obsessão absoluta com álcool gel etc

Eu uso álcool gel moderadamente e lavo as mãos com mais frequência, mas nunca fiz nada além disso.

A verdade é que não há consenso científico nessa questão. artigos que acreditam nisso, outros colocaram esse vetor como sendo de baixo risco, como um artigo na The Lancet e o CDC norte-americano (que, em geral, é assumidamente cauteloso).

Lógico que sempre irá se detectar vírus vivo em superfícies por horas e até dias depois da contaminação, dependendo do contexto. A questão é que pegar COVID-19 demanda que se ultrapasse uma dada carga viral de entrada (infection dose), que é um valor que varia de pessoa para pessoa.

Obviamente não é impossível isso acontecer, mesmo se referindo à pessoa mais imunocompetente: se alguém contaminado tosse em uma maçaneta e alguém toca-a pouco tempo depois e depois leva a alguma mucosa; a chance de algo acontecer não é baixa.

Contaminação pelo ar, mesmo longe de pessoas

Outro medo recorrente, especialmente no início, é que, em tese, pessoas contaminadas expelem o vírus para o ar, e ele pode ficar vivo flutuando como aerossol por bastante tempo, mesmo quando não há mais ninguém ali.

Baseado nisso, uma grande galera aterrorizada se prendeu em casa de forma voluntária, com medo desse tipo de coisa.

Imagine alguém correndo contaminado em um parque, aí você passa meia hora depois e se contamina. Terror puro!

As pessoas se esquecem que, quer morando em casa ou apartamento, o mesmo pode acontecer pela janela ou até no corredor do prédio.

Se isso fosse verdade, as pessoas teriam que ficar dentro de bolhas, com geração de ar independente do exterior.

Por que eu nunca entrei nessa neura?

Porque logo no início, com total falta de informação fiável sobre a COVID-19, entendi que, mesmo que a doença seja completamente inédita nas suas manifestações, a dispersão do vírus pelo ambiente segue padrões conhecidos e já bastante estudados.

Dessa forma, eu li diversos papers anteriores a 2020 sobre outros vírus de RNA, como “Aerosol transmission of influenza A virus: a review of new studies“, dentre outros.

Há ainda um vídeo bastante didático que explica bem esses mecanismos.

Portanto, eu nunca comprei isso e nunca me senti inibido de andar na rua. A minha precaução era estar de máscara quando estava perto de pessoas.

No final, eu ainda não peguei COVID-19. Isso prova alguma coisa? Não, eventualmente posso ter um sistema imune muito bom ou até ter pego a doença de forma assintomática.

Artigo põe o pingo nos is sobre transmissão pelo ar.

Abaixo traduzo de forma livre, uma matéria que saiu 11 de maio no New York Times.

Na verdade, a transmissão ao ar livre seria bastante rara e, usualmente, não acontece entre 2 pessoas se cruzando, mesmo sem máscaras, embora máscaras são indicadas, pela chance real de pessoas falarem, espirrar ou tossir nesse exato momento.

Torna-se perigoso em ambiente fechado, em especial sem máscaras, principalmente em lugares lotados ou com problemas de ventilação, em contatos mais prolongados. (Como acontece em parte dos restaurantes, uma vez que estar sem máscara por tempo prolongado é o modelo)

Obviamente, tosse, espirro e até falar alto, de forma direta e próxima, são pontos fora da curva, podem gerar problemas (ainda que raros), mesmo em ambientes externos.

Ou seja, aquelas concentrações de gente sem máscara do lado de fora do barzinho, rindo, bebendo, falando alto, sem máscaras, não me parece uma boa ideia.

Vamos à tradução:

Um número de CDC enganoso

Quando o CDC norte-americano divulgou novas diretrizes no mês passado para o uso de máscaras, eles anunciaram que “menos de 10%” da transmissão de Covid-19 estava ocorrendo ao ar livre.

As mídias pelo mundo repetiram a estatística e ela rapidamente se tornou uma descrição padrão da frequência de transmissão ao ar livre.

Mas o número é quase certamente enganoso.

Parece ser baseado em parte em uma classificação incorreta de alguma transmissão de Covid-19 que realmente ocorreu em espaços fechados (como detalhado abaixo).

Um problema ainda maior foi a extrema cautela dos funcionários do CDC, que escolheram um valor de referência – 10 por cento – tão alto que ninguém poderia contestá-lo razoavelmente.

Essa referência “parece ser um grande exagero”, como disse o Dr. Muge Cevik, virologista da Universidade de St. Andrews.

Na verdade, a proporção de transmissão que ocorreu ao ar livre parece estar abaixo de 1% e pode estar abaixo de 0,1% , disseram-me vários epidemiologistas.

A rara transmissão externa que aconteceu parece quase toda parece ter envolvido lugares abarrotados ou conversas entre pessoas próximas.

Dizer que menos de 10 por cento da transmissão de COVID-19 ocorre ao ar livre é o mesmo que dizer que os tubarões atacam menos de 20.000 nadadores por ano. (O número mundial real é cerca de 150.) É verdade e engana.

Este não é apenas um problema de pegadinha de matemática

É um exemplo de como o CDC , apesar de está lutando para se comunicar com eficácia, está deixando muitas pessoas confusas sobre o que é realmente arriscado. Os funcionários do CDC deram tão alta prioridade à cautela que muitos americanos estão perplexos com a longa lista de recomendações da agência.

Zeynep Tufekci, da University of North Carolina, escrevendo no The Atlantic , chamou essas recomendações de “simultaneamente muito tímidas e muito complicadas”.

Eles continuam a tratar a transmissão ao ar livre como um grande risco. O CDC diz que as pessoas não vacinadas devem usar máscaras na maioria dos ambientes externos e as pessoas vacinadas devem usá-las em “grandes locais públicos”; os acampamentos de verão devem exigir que as crianças usem máscaras praticamente “o tempo todo”.

Essas recomendações seriam mais científicas se em algum lugar perto de 10 por cento da transmissão de Covid-19 ocorresse em ambientes externos.

No entanto, não é assim.

Não há uma única infecção por Covid-19 documentada em qualquer lugar do mundo devido a interações casuais ao ar livre , como passar por alguém na rua ou comer em uma mesa próxima.

O boletim de hoje será um pouco mais longo do que o normal, então posso explicar como o CDC acabou promovendo um número enganoso.

O mistério de Cingapura

Se você ler a pesquisa acadêmica que o CDC citou em defesa da referência de 10 por cento, notará algo estranho. Uma grande parte dos supostos casos de transmissão externa ocorreu em um único ambiente: canteiros de obras em Cingapura.

Em um estudo , 95 de 10.926 ocorrências mundiais de transmissão foram classificadas como externas; todos os 95 são de canteiros de obras de Cingapura. Em outro estudo , quatro das 103 ocorrências são classificadas como externas; novamente, todos os quatro são de canteiros de obras em Cingapura.

Obviamente, isso não faz muito sentido. Em vez disso, parece ser um mal-entendido que se assemelha à brincadeira do telefone sem fio, em que uma mensagem fica distorcida ao passar de uma pessoa para outra.

Os dados de Cingapura vêm originalmente de um banco de dados do governo local. Esse banco de dados não classifica os casos de canteiro de obras como transmissão externa, disse Yap Wei Qiang, porta-voz do Ministério da Saúde, ao meu colega Shashank Bengali . “Não o classificamos de acordo com o exterior ou interior”, disse Yap. “Pode ter sido a transmissão no local de trabalho, onde ocorre ao ar livre no local, ou também pode ter acontecido dentro do canteiro de obras”.

Conforme Shashank fazia relatórios adicionais, ele descobriu razões para pensar que muitas das infecções podem ter ocorrido em ambientes fechados. Em alguns dos locais de construção individuais onde Covid-19 se espalhou – como um complexo para a firma financeira UBS e um projeto de arranha-céu chamado Projeto Glory – as conchas de concreto para os edifícios estavam praticamente concluídas antes do início da pandemia. ( Este vídeo do Projeto Glory foi filmado mais de quatro meses antes do primeiro caso Covid relatado em Cingapura.)

Como Cingapura é quente o ano todo, os trabalhadores teriam procurado a sombra de espaços fechados para realizar reuniões e almoçar juntos, disse Alex Au do Transient Workers Count Too, um grupo de defesa, a Shashank. Eletricistas e encanadores teriam trabalhado em contato particularmente próximo.”

As escolas ficam ao ar livre?

Como, então, os casos de Cingapura foram classificados dessa forma?

Quando os pesquisadores acadêmicos começaram a coletar dados da Covid-19 em todo o mundo, muitos optaram por definir os espaços ao ar livre de forma muito ampla. Eles consideraram quase todos os ambientes que eram uma mistura de ambientes externos e internos como externos.

“Tivemos que decidir por uma classificação para canteiros de obras”, disse-me Quentin Leclerc, pesquisador francês e coautor de um dos artigos que analisavam Cingapura, “e finalmente decidimos por uma definição conservadora de exteriores”.

Outro artigo , publicado no Journal of Infection and Public Health, contou apenas dois ambientes como internos: “acomodação em massa e instalações residenciais”. Ele definiu todas essas configurações como ao ar livre: “local de trabalho, saúde, educação, eventos sociais, viagens, alimentação, lazer e compras”.

Eu entendo porque os pesquisadores preferiram uma definição ampla. Eles queriam evitar casos perdidos de transmissão externa e sugerir erroneamente que o ambiente externo era mais seguro do que realmente era.

Mas a abordagem teve uma grande desvantagem. Isso significa que os pesquisadores contaram muitas ocorrências de transmissão interna como externa.

Mesmo assim, mesmo com essa abordagem, eles descobriram que uma parcela minúscula da transmissão total ocorreu em ambientes externos.

No artigo referente aos 95 casos supostamente externos de Cingapura, esses, no entanto, representaram menos de 1% do total!

Um estudo da Irlanda, que parece ter sido mais preciso sobre a definição de ao ar livre, estima a participação dessa transmissão em 0,1 por cento .

Um estudo de 7.324 casos da China encontrou um único caso de transmissão ao ar livre, envolvendo uma conversa entre duas pessoas.

“Tenho certeza de que é possível que a transmissão ocorra ao ar livre nas circunstâncias certas”, disse-me o Dr. Aaron Richterman, da Universidade da Pensilvânia, “mas se tivéssemos que colocar um número, eu diria muito menos de 1 por cento . ”

Abordagem científica da Grã-Bretanha

Eu perguntei ao CDC como ele poderia justificar a referência de 10 por cento, e um funcionário enviou esta declaração:

“Existem dados limitados sobre a transmissão ao ar livre. Os dados que temos suportam a hipótese de que o risco de transmissão ao ar livre é baixo. 10 por cento é uma estimativa conservadora de uma recente revisão sistemática de artigos revisados ​​por pares. O CDC não pode fornecer o nível de risco específico para cada atividade em cada comunidade e erra ao lado da proteção quando se trata de recomendar medidas para proteger a saúde. É importante que as pessoas e as comunidades considerem suas próprias situações e riscos e tomem as medidas adequadas para proteger sua saúde.”

Errar no lado da proteção – exagerando os riscos da transmissão ao ar livre – pode parecer ter poucas desvantagens. Mas contribuiu para a confusão pública generalizada sobre o que realmente importa.

Alguns americanos estão ignorando as diretrizes elaboradas do CDC e abandonando suas máscaras , mesmo em ambientes fechados, enquanto outros continuam a assediar as pessoas que andam ao ar livre sem máscara.

Ao mesmo tempo, as evidências científicas apontam para uma conclusão que é muito mais simples do que a mensagem do CDC: as máscaras fazem uma enorme diferença em ambientes fechados e raramente importam em ambientes externos.

As autoridades de saúde na Grã-Bretanha, notavelmente, parecem ter descoberto isso.

Eles têm sido mais agressivos ao restringir o comportamento em locais fechados, fechando muitos negócios novamente no ano passado e exigindo máscaras em locais fechados, embora a maior parte do país esteja vacinada. Ao ar livre, no entanto, as máscaras permanecem raras .

Certamente não parece estar causando problemas. Desde janeiro, as mortes diárias de Covid na Grã-Bretanha diminuíram mais de 99 por cento.

O autor é David Leonhardt, que escreve o boletim informativo The Morning todos os dias da semana e também contribui para a seção Sunday Review). Ele é jornalista de negócios, ganhador do prêmio Pulitzer e formado em Matemática aplicada em Yale

Epílogo

Enfim, cada um é livre para seguir seu curso e fazer suas escolhas. Não condeno ninguém.

Só acho que excesso de restrições induzidas pelo medo pode ser extremamente limitante e fazer da vida uma jornada miserável e, como sobremesa, contribuir para piorar ainda mais a economia.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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8 Comentários

  1. E sobre a possível contaminação via ocular? Uso PFF2 em locais de aglomeração, como supermercados, mas sinto muito medo com relação a informação de que é possível se contaminar por via ocular. Você tem alguma informação sobre isso? Obrigada

    1. Maria Silva, de fato, os olhos é uma grande lacuna na proteção, em parte porque os olhos desprotegidos não ameaçam outras pessoas, mas ameaça a si mesmo. Não tem solução muito boa, porque a vista, em geral ficaria embaçada. É bem possível que muitas transmissões para pessoa que estavam de máscara, na verdade aconteceu via ocular…. Uma solução razoável seria usar face shield sobre a máscara.

      Fontes:
      https://bit.ly/3vmR8Y4
      https://bit.ly/3pWBH7U

  2. Adorei o texto Paulo, muito esclarecedor. Me identifiquei com a mãe neurótica do shooping: sou ela…rs…

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