Opinião

Armas e homicídios: em busca de uma correlação

Pode ser uma imagem de texto que diz "Com mais armas e tensão com polícias, homicídios voltam a subir no Brasil"

Com mais armas, homicídios voltam a subir no Brasil.

Esta é a correlação defendida pela manchete da reportagem do Estadão, com base nos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Na matéria, ficamos sabendo que foram registrados 186 mil novas armas no Brasil em 2020, 97% a mais do que em 2019. Então, mais armas, mais homicídios, correto?

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Seria assim se fosse assim.

Primeiro, porque não se faz análise de série temporal com 2 pontos.

Segundo, porque o número de armas registradas já havia aumentado de maneira significativa em 2019. De acordo com outra reportagem, da BBC News, em 2019 o número de armas registradas havia aumentado 84% em relação aos registros de 2018. E, no ano de 2019, o número de homicídios havia diminuído. Além disso, se esta correlação fosse verdadeira, deveria valer no nível de cada unidade da federação. Plotei um gráfico simples, com base nos dados do Anuário, relacionando variação de homicídios com variação do número de armas, por unidade da federação. O resultado pode ser observado no gráfico abaixo.

Pode ser uma imagem de texto que diz "Homicídios vs. Armas (Variação 2019-20) 2,000 ordld 1,500 1,000 de 500 Ceará y=-0.0097x+ 117.83 R2=0.0066 Bahia DistritoFederal D0 -500 1,000 1,500 -10,000 Pará MinasGerais Rio deJaneiro -5,000 0 5,000 10,000 Variação do número de armas registradas 15,000"

A correlação é virtualmente zero. Há estados, como o Ceará, onde o número de homicídios aumentou de maneira significativa sem aumento significativo do número de armas, ao mesmo tempo em que observamos estados como Minas Gerais, onde o número de armas aumentou de maneira significativa sem aumento do número de homicídios.

Claro que há outros fatores que explicam o aumento do número de homicídios. A desestruturação da Polícia Militar no Ceará deve explicar boa parte do aumento de homicídios naquele estado, o que, por sua vez, explica 78% do aumento de homicídios no país em 2020 (aliás, esta deveria ter sido a manchete).

Por outro lado, se o número de armas fosse outro fator relevante, deveria aparecer em uma análise cross-sectional simples como a do gráfico acima. Aliás, mesmo que aparecesse alguma correlação, esta poderia ser espúria, devida a outros fatores não considerados. Mas o oposto não ocorre: haver correlação e não aparecer em uma regressão como a que foi feita acima.

Resumindo: o aumento do número de homicídios pode até ter alguma correlação com o aumento do número de armas em posse dos cidadãos. Mas não são as estatísticas do Anuário da Segurança Pública 2020 que provam a tese.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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