Um dos que eram mais cotados para o Oscar de Melhor Ator esse ano, acabou não emplacando nem indicação: Adam Sandler, pelo filme da Netflix Joias Brutas (Uncut Gems). Assisti só agora a esse thriller dramático, sobre um megaendividado dono de joalheria, no fio da navalha entre cobradores e sua mania por apostas em esportes. Adorei, o filme é de tirar o fôlego, mas o dono da coisa toda é Sandler.
O ator americano é famoso por seus papéis de sujeitos meio bobões em comédias quase sempre esquecíveis. Vai estrear uma nova agora, na mesma Netflix: O Halloween do Hubie. Tem cara de bomba. Mas ao menos uma delas eu me amarro de verdade: Como se Fosse a Primeira Vez (50 First Dates), cuja fascinante premissa, da garota que sempre se esquece do dia anterior, é muito bem explorada, e ainda fecha sem soluções mágicas. E, mesmo com sua boca mole, Sandler tem uma ótima química com Drew Barrymore e merecia ao menos uma indicação ao Globo de Ouro na categoria comédia. Por Joias Brutas, então, em um papel dramático, considero que ele fazia jus sim a uma lembrança do Oscar.
É sabido que a Academia de Hollywood torce o nariz para filmes cômicos e, por extensão, para intérpretes com carreira no humor. Uma injustiça: acho comédia tão nobre e complexa quanto drama. Daí que, muitas vezes, comediantes caçam papéis sérios visando o prêmio ou um reconhecimento “mais nobre”.
Em 1939, Ginger Rogers deu um tempo em suas icônicas comédias musicais com Fred Astaire e, no ano seguinte, conseguiu ganhar um Oscar pelo ótimo drama Kitty Foyle. Já Fred Astaire continuou brilhando nos seus sapateados mágicos e só teria uma indicação em 1974, por um pequeno papel dramático no filme-catástrofe O Inferno na Torre (sem levar o prêmio). Antes disso, ganhou um Oscar honorário em 1950, um jeitinho da Academia compensar suas esnobadas a intérpretes considerados “não-sérios”.
Charles Chaplin, por exemplo, outro gênio do cinema, só levaria o mesmo prêmio honorário em 1972 (no ano seguinte, sacaram-lhe um outro de trilha sonora também). Jerry Lewis, um ator de comédia nunca mais igualado no cinema, nem Oscar honorário teve. Somente Woody Allen, completando o trio de brilhantes do gênero, conseguiu vários prêmios para seus filmes, principalmente de roteiro (como no ótimo Meia Noite em Paris) e para seus atores (como o da poderosa Cate Blanchett em Blue Jasmine), mas não como ator ele mesmo e sempre pelos seus longas mais dramáticos.
Assim como Ginger, outros atores com destaque na comédia fizeram papéis sérios e também ganharam o Oscar, como Robin Williams (levando pelo interessante Gênio Indomável (Good Will Hunting)) ou Tom Hanks (que, sim, era conhecido por comédias leves, como Splash, e cuja primeira estatueta foi pelo drama sobre AIDS Philadelphia).
O sempre divertido Jim Carrey, de O Mentiroso (Liar Liar), que poderia ser um sucessor de Jerry Lewis mas que decaiu ultimamente, merecia (mas não levou) pelos papéis densos em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e O Show de Truman. O mesmo para Will Smith, o eterno Fresh Prince, por À Procura da Felicidade.
Ok, Whoopi Goldberg levou por um papel com viés cômico, mas o filme, o megassucesso Ghost, era mais de lágrimas que de risos, né? O mesmo para Roberto Benigni, no inesperado reconhecimento do bom A Vida é Bela. Lembro-me só de um caso onde um intérprete de humor ganhou o Oscar atuando em uma comédia de fato: o ótimo Kevin Kline (por onde anda?) no hilariante Um Peixe Chamado Wanda.
Mas é raro. “Bater um sério” é o movimento mais comum desses intérpretes e, recentemente, tivemos mais algumas tentativas. Como a da impagável Melissa McCarthy, que estrelou algumas das mais engraçadas comédias da última década, como As Bem Armadas (The Heat) e A Espiã que Sabia de Menos (Spy), mas que ainda a trago na memória como a cozinheira Sookie da série Gilmore Girls. Ela já havia tido uma indicação ao Oscar por Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids) e, no ano passado, foi indicada novamente, por um papel sério, no bom e curioso Poderia me Perdoar?. Já Eddie Murphy, nosso Tira da Pesada favorito, que tinha abiscoitado uma indicação pelo musical Dreamgirls, tentou em vão novamente esse ano com o bom Meu Nome é Dolemite.
Falando nas premiações desse ano, voltamos a Adam Sandler, que também não conseguiu indicação nem ao Globo de Ouro. Injusto, ele tinha faturado alguns prêmios de críticos e está muito bem em Joias Brutas. Seu personagem faz tudo errado, chega a ser detestável, mas o carisma do ator mantém nosso interesse e até torcida por ele, em meio a seus rolos do tipo “cobertor curto”, ou seja, quando ele cobre a dívida de um cobrador ao arriscar sua pele com outro. É bem empolgante e o final é ótimo!
Tomara que Sandler encare mais papéis de qualidade. E que a Academia preste mais atenção a esses artistas do humor, estejam eles nos fazendo rir ou chorar.
Joias Brutas (Uncut Gems) (Netflix)
★ ★ ★ ★ ✩
Bem legal, Vlad!
50 First Dates é um dos meus favoritos também.
E Só lembrando de um ator “sério” que ganhou Oscar fazendo um papel “cômico”:
Jack Nicholson, no “Melhor é Impossível”
Verdade, Guilherme! Jack Nicholson está ótimo, praticamente criou um padrão para esse tipo de personagem cheio de TOCs e sem sociabilidade que veríamos outras versões depois, como o Monk, da série homônima.