Economia

CPMF: um estelionato eleitoral

Entre o final de setembro e o início de outubro de 2018, na reta final da campanha eleitoral, o Posto Ipiranga deu com a língua nos dentes e avisou que estava pensando em um imposto com rabo de CPMF, focinho de CPMF e boca de CPMF, mas não era a CPMF, taokey?

Como o então candidato do PSL sabia do teor tóxico da proposta, a negou veementemente, como se pode ver nos tuítes a seguir.

Lembro que todas as páginas bolsonaristas saíram em defesa do candidato, classificando a notícia como “fake news”. No máximo, havia sido uma “trapalhada” do Posto Ipiranga, que confundira IVA com CPMF, como pode ser visto na matéria a seguir. Muito compreensível.

Obviamente, olhando em perspectiva, fica claro que a única proposta tributária do Posto Ipiranga sempre foi a CPMF. É o samba de um imposto só. Marcos Cintra foi convidado para ser o secretário da Receita com um único objetivo: a implantação do seu projeto de vida, o imposto único. Em entrevista à Veja desta semana, o ex-secretário considera uma vitória pessoal o fato de Bolsonaro ter desinterditado o debate sobre a volta da CPMF. Sem dúvida.

Não consigo dizer se isto estava claro para Bolsonaro desde o início, ou se o Posto Ipiranga contava com o tempo para convencê-lo do seu projeto. O fato é que, hoje, Bolsonaro quer emplacar a CPMF, mesmo sendo um claro estelionato eleitoral.

Em sua mensagem na abertura dos trabalhos do Congresso em 2016, a então presidente Dilma Rousseff defendeu a aprovação da CPMF. Foi o único momento durante aquele discurso em que foi vaiada. Certamente o então deputado Jair Bolsonaro engrossou o coro.

Diz o governo que não vai aumentar a carga tributária, vai apenas substituir os impostos sobre a folha de pagamentos pela CPMF. Bem, o mesmo efeito poderia ser atingido pelo aumento da alíquota do futuro IVA, que vai substituir outros impostos. Por que não o faz? Ora, porque a alíquota do IVA já é grotescamente alta, e aumentá-la ainda mais é inviável. Então, vamos inventar um novo imposto com alíquota pequena pra fazer de conta que não estamos cobrando nada. É a confissão de que é preciso continuar escondendo a derrama a que é submetido o cidadão brasileiro.

E qual teria que ser o tamanho da alíquota? Vamos lá. Em 2007, último ano de cobrança da CPMF, a arrecadação foi de R$ 37 bilhões, o que daria, a valores corrigidos, R$ 73 bilhões. Isso com uma alíquota de 0,38%. O orçamento recém-enviado pelo governo prevê uma arrecadação de INSS (principal imposto sobre a folha) de R$ 417 bilhões, grande parte paga pelo empregador. Só para compensar este imposto, a alíquota teria que ser de 2,17%. Isso com uma taxa de juros de 2%. Uma alíquota de 0,38% pagaria cerca de 1/5 das despesas com INSS. Faltariam o FGTS e o PIS/PASEP. Dá para perceber que a coisa não é tão simples.

Na época da eleição, escrevi um post no Facebook em que lembrava que eu havia testemunhado o nascimento de muitos impostos e contribuições, mas a morte de somente dois: a CPMF em 2007 e o imposto sindical em 2017. Os dois são, para mim, linhas vermelhas. Voto no Cabo Daciolo, mas não voto no cidadão que recriar um desses dois impostos. Está avisado.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

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