Opinião

Se você acha eleição argentina complicada, tente fazer compras

Recentemente, meu amigo Marcelo Guterman escreveu neste espaço sobre as diferenças macroeconômicas entre Brasil e Argentina. Não repetirei aqui o assunto sobre o qual ele tão brilhantemente dissertou, mas depois de passar duas semanas no país onde nasci e fui criada, posso contar uma, digamos, peculiaridade que vivi. Notem, caros leitores, que escrevi “contar” por que não sou louca de tentar explicar nadinha, mesmo tendo o verdadeiro “lugar de fala” – uma expressão que detesto.

Como muitos sabem, há diversos tipos de câmbio no país vizinho – algo entre 13 e 16, pois já perdi a conta e até eu terminar de escrever estas não tão mal traçadas linhas poderão ter aparecido mais uns dois ou três ou, quem sabe, sumido outro tanto. Os que vem ao caso nesta história são o “blue” (o mais paralelo dos câmbios que existem por lá e, na prática, o que serve de referência para quase tudo), o oficial (totalmente fictício, algo só raríssimamente usado, como veremos a seguir) e o dólar tarjeta (“cartão”, usado para pagamentos com cartão de crédito ou débito). Apenas a título de comparação, no dia em que aconteceu o que vou contar, o dólar blue valia 1.010 pesos (mas não se fechavam operações por menos de 1.300), o oficial uns 365 pesos e o tarjeta 833 pesos, arredondando.

Quando nesta semana eu voltava para o Brasil dei uma passada pelo Duty Free de Ezeiza, pois na minha viagem priorizei visitas à família, que é enorme, a alguns lugares que queria muito rever e viajei a uma localidade remota e extremamente interessante, o pantanal argentino, os chamados “esteros del Iberá”. Por isso, trazia apenas meia dúzia de garrafas de vinho e meia dúzia de alfajores na mala, apesar de os preços serem extremamente tentadores e de ser ávida apreciadora de ambos. Em resumo, não deu tempo de comprar nada e não me preocupei com isso.

Havia adquirido algumas garrafas num supermercado que tem uma ótima seleção de vinhos menos comuns e os preços em dólar realmente estavam muito competitivos, mas me dediquei apenas àqueles que não acho nem nas importadoras brasileiras, por isso não tenho como comparar com os valores do free shop.

Por isso não achei caro quando encontrei um vinho que é geralmente pouco apreciado no Brasil, mas que é, na minha opinião, uma uva que deveria representar a Argentina talvez até mesmo mais do que o conhecidíssimo (e ótimo) Malbec: um Bonarda, da ótima vinícola Zuccardi, por apenas US$ 20 a garrafa. E aqui vai outros parênteses: o Torrontés também deveria ocupar lugar de honra ao lado do Bonarda (ou do Malbec) quando se fala de representar os vinhos argentinos por natureza.

Mas voltemos à história. Me estiquei toda, subi numa caixa (sou um pouco prejudicada verticalmente, vulgo baixinha) e consegui catar 3 garrafas misturadas entre muitas outras. Foi aí que vi um cartaz que dizia “4 garrafas pelo preço de 3”. Claro que fui buscar uma quarta unidade que achei no meio de um monte de Malbecs. Pronto, feitas as contas, cada garrafa em vez de US$ 20 ou R$ 100 (arredondando) sairia por US$ 15 (ou R$ 75, também arredondando). Pareceu um bom negócio, mesmo para mim que sou de Humanas.

Fui para a enorme fila para pagar e me encaminhar para o embarque e aí confirmei algo que já haviam me contado, mas que não deixa de ser uma doideira matemática. A moça do caixa me deu um novo desconto no vinho e passou quatro garrafas por US$ 15 cada uma e aplicou o desconto de US$ 15, ou seja, 4 garrafas pelo preço de 3. Mas isso só percebi quando cheguei ao Brasil.

Com isso, me passou o total em pesos argentinos e em dólares: as quatro garrafas custavam US$ 45 ou 16.447,36 pesos pelo câmbio oficial de 365 pesos, que é o usado no Duty Free. Mas eu fiz o pagamento com um cartão internacional de débito, então me foi aplicado à conta de 16.447,36 pesos o dólar “tarjeta” que naquela hora estava cotado a 833,19 pesos, o que redundou numa conta final de US$ 19,74.

Ou seja, com a promoção pague 3, leve 4, o desconto adicional de US$ 5 por garrafa que não sei como apareceu, mas estava registrado no sistema, pois foi concedido automaticamente, mais o dólar oficial como base de cálculo e a posterior aplicação do dólar tarjeta pelo pagamento com cartão no final das contas, cada garrafa de vinho das quatro que levei me custou US$ 5 ou uns R$ 25 e levei quatro pelo valor que eu estava disposta a pagar por somente uma garrafa.

Mas, como naquelas propagandas do “ligue tjá”, espere, pois ainda tem mais. Se a mercadoria tivesse sido paga em pesos que tivessem sido trocados com base no dólar blue, ficaria ainda mais barato. Sei lá, no limite, em algum momento acho que eu receberia dinheiro para levar os vinhos…

Fico imaginando como teria de fazer para explicar isto para um suíço, por exemplo. Não, não preciso imaginar. Provavelmente a conversa terminaria como quando, nos idos dos anos 1990 tive de explicar para um norte-americano o Plano Collor e que nós todos havíamos ficado com somente 50 cruzeiros. Lembro da cara de interrogação dele e eu, ingenuamente, perguntei: você está entendendo meu inglês? Resposta? Seu inglês é ótimo, não consigo entender é o conceito disso e como algo assim pode ter acontecido. Pois é, nem eu.

Nora Gonzalez

Nora Gonzalez é jornalista com pós-graduações em Comunicação Corporativa. Foi repórter e editora em jornais como Gazeta Mercantil e O Estado de S.Paulo e trabalhou em diversas multinacionais cuidando da Comunicação Interna e Externa no Brasil e na América Latina. Atualmente tem uma coluna no site Autoentusiastas.

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