Filosofia de boteco

Quarenta




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A vida começa aos quarenta! Seria uma frase elaborada por alguém arrependido ao perceber que quatro décadas haviam escorrido por suas mãos? Por que as afirmações:  ‘a vida começa aos vinte, trinta, cinquenta, sessenta…’ nunca caíram no gosto popular? Por que os ‘quarenta’ se tornaram um ‘divisor de águas’?

A maior expectativa de vida do planeta é a japonesa, onde ela atinge 83 anos. Outros países desenvolvidos chegam perto disso. Sob a ótica dos mais ricos, quarenta seria aproximadamente metade do caminho. Mas o ditado existe faz muito tempo, lembro-me dele quando ainda estava a décadas de distância de atingir essa marca, em uma época em que a longevidade era bem inferior à atual.

quarenta2Após quatro décadas, o sujeito já acumula duas fases de experiência distintas:  a preparação para a vida, que abrange os vinte primeiros anos, e posteriormente outra que compreende as duas décadas seguintes, intensa em transformações de todos os tipos: acadêmica e profissional, matrimônio, paternidade ou maternidade, separação, sonhos possíveis e impossíveis (mas que nessa fase ainda não são reconhecidos como tal), realizados e desfeitos, perdas e ganhos. Empiricamente, é possível afirmar que o volume de ‘aprendizado’ cresce exponencialmente nessa segunda fase, principalmente a partir dos trinta anos.

Aí começa a terceira fase. Até chegar lá, qualquer um já errou bastante e passou por vários ‘perrengues’, e o conjunto de ambos lhes forneceu o que chamamos de experiência, razoável em diversos campos da vida aos quarenta, quando a pessoa não pode nem ser tarimbada como jovem, nem como velha. Está equidistante entre o início da maioridade (onde o jovem se transforma em cidadão) e o acesso à vagas reservadas em filas e estacionamentos.

Há grande possibilidade que a paternidade ou maternidade já tenham batido à sua porta, o que efetivamente lhe torna uma pessoa diferente, que necessariamente aprendeu o valor da ‘doação incondicional’, situação normalmente atípica antes desses eventos. Muito provavelmente, já deu com os ‘burros nágua’ em algumas ocasiões, experimentou sucessos e fracassos e descobriu que a ‘carreira’ ou a vida profissional não é ‘fim’, somente ‘meio’, e por isso mesmo não pode ser levada a ferro e fogo. Essa conclusão não é clara aos trinta.

Fosse um carro, o sujeito de quarenta teria alguns arranhões na lataria, um barulhinho aqui, outro ali, daqueles que ninguém descobre onde está, mas com grande credibilidade junto ao seu dono, pelos inúmeros momentos vividos e paragens visitadas e por ser ‘pau para toda obra’, encarando qualquer terrreno; pegando chuva, sol, lama, poeira.

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Já tem plena ciência de que seu corpo é uma máquina com prazo de validade, pois viu gente bem querida partir e perdeu muito da audácia dos vinte e poucos anos. Aliás, às vezes pensa que tem vinte e poucos anos, mas basta um ‘rachão’ de uma hora jogando bola, para sentir por alguns dias as consequências das quatro décadas de existência.

quarenta3Ainda carrega consigo um bom nível de ansiedade, pois via de regra está na plenitude da condição de responsável pela educação dos ‘serzinhos’ que colocou no mundo, atribuição que lhe enche de satisfação, obrigações e despesas, e que certamente lhe proporcionará os grandes momentos de apreensão e alegria do ‘segundo tempo da sua jornada’.

Aos quarenta, temos a certeza de que nunca saberemos tudo. Ou melhor, a forte suspeita de que sabemos é nada. Para termos a certeza disso, são necessários alguns anos a mais, talvez aos cinquenta. Já se viveu o suficiente para alimentar-se de ilusões e entristecer-se com desilusões, de tal maneira que hoje elas doem muito menos que há dez anos. Ambas fazem parte da paisagem da vida aos quarenta. Não é bem assim aos vinte. Experimenta-se a mistura única de juventude com experiência e maturidade com vitalidade.

Nessa fase, o sujeito ainda se permite sonhar, mas prefere realizar. O tempo já não é matéria-prima tão abundante quanto há vinte anos e precisa ser melhor aproveitado. Se a vida fosse um ciclo com quatro estações, esse seria o começo do Outono. Época boa…basta olhar pela janela e contemplar o seu dia típico: céu azul, sem nuvens, nem calor, nem frio. Quarenta…

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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2 Comentários

  1. Também ouço há tempos que a vida começa aos quarenta…..já fiz cinquenta!
    Penso que como, antigamente, era comum o casamento de jovens e ter filhos em seguida, vários deles….quando chegava aos quarenta anos com os filhos criados, havia sim uma significativa mudança na vida.
    Só quem tem filhos seguindo a vida sobre as próprias pernas saberá entender o que eu penso! Tenho dois filhos na universidade já seguindo um bom caminho! A minha vida mudou aos cinquenta….talvez de agora em diante mude aos sessenta, no caso da minha “teoria “!

  2. Victor, belo texto…apenas um ponto a ponderar sobre a estação do ano…aos 40 estamos na primavera, muita coisa a rolar – uma delícia de idade! Definitivamente entramos no outono aos 60 anos…caem as folhas, o frio ainda não é tão intenso, uma vontade de ficar recolhido, contemplando os nossos feitos e defeitos. É o momento em que se começa a pensar no inverno, última estação e estágio final da nossa existência. Neste momento as reflexões ganham maior espaço em seus pensamentos, você vê os seus amigos e familiares partindo numa velocidade nunca antes vivida e sabe que agora o tempo joga contra…logo, carpe diem! Abraços!

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