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Contrastes olímpicos

Em 2007, quando ainda vivia em Londres, eu e mais dois amigos brazucas resolvemos de última hora ir à reabertura oficial do estádio Wembley, marcada para a noite de uma quarta-feira, quando se enfrentariam a seleção Inglesa e a seleção Brasileira, então sob a batuta do ranzinza Dunga. Não sabíamos se conseguiríamos ingresso, tampouco se haveria cambistas nos arredores. ‘Será que cambista é privilégio dos jogos no Brasil? ‘, era a dúvida que tínhamos.

Não é. No trajeto de uns 400 metros entre a estação de metrô e o estádio, fomos abordados discretamente por alguns cambistas. A diferença para a versão tupiniquim é que em Londres eles demonstravam medo da polícia. Quando aceitamos conversar com um deles, que possuía três ingressos, fomos levados a uma transversal da rua que desembocava no estádio, e visivelmente nervoso, o sujeito nos vendeu os bilhetes o mais rápido possível. Deu tempo para dizer que era de Liverpool e se referir maldosamente aos londrinos. Senti falta das barraquinhas com os calóricos sanduíches de pernil, mas não estávamos nos trópicos. Se a fome batesse, dentro do estádio talvez encontrasse um ‘fish and chips’.

E fomos nós em direção ao estádio, com algum receio de que o ingresso fosse falso. Pagamos um pouco mais do que o preço normal, mas naquele momento valia a pena pelo evento em si. Afinal, estaríamos na reabertura de Wembley! Lá dentro, com a logística, avisos e infra-estruturas impecáveis, cada um de nós foi para um canto, pois o cambista não possuía três lugares próximos e fora do Brasil respeita-se a marcação dos mesmos.

Não esperava muito do espetáculo futebolístico que assistiria. Afinal, não é de hoje que os amistosos da Seleção Brasileira causam sono, pelo futebol burocrático apresentado em campo. E não seria diferente com o time do Dunga, que nos ofereceu um aperitivo do que seria o fiasco na África do Sul, em 2010. O placar final foi de 1×1, com o Brasil marcando no último minuto, gol do hoje esquecido Diego, outrora parceiro de Robinho. Ouso dizer que a maior colaboração da dupla ao futebol brasileiro foi ter derrotado o Corinthians, com direito a nove pedaladas, na final do Campeonato Brasileiro de 2002. Mas, jogo sonolento à parte, o evento fez com que eu presenciasse um interessantíssimo constraste cultural, que me salta aos olhos principalmente hoje, uma vez que teremos as próximas Olímpiadas sediadas em Londres e quatro anos depois no Rio de Janeiro.


Acabei ficando no espaço reservado à torcida brasileira, que estava praticamente lotado. Chegando ao meu assento, vi um papel com uma mensagem da Organização do evento, que dizia algo como: ‘Caro torcedor brasileiro, bem-vindo ao jogo de reabertura de Wembley. É uma honra para a Seleção Inglesa enfrentar o Brasil nessa data. Para abrilhantarmos o espetáculo e recepcionarmos bem as duas equipes, pedimos que à entrada da Seleção Brasileira em campo, você levante esse pequeno painel, com a bandeira do Brasil, que está localizado em seu assento. Muito obrigado e bom espetáculo. ‘ Achei aquilo o máximo. Afinal, eles se preocuparam em produzir 80.000 mensagens (certamente havia algo parecido para a Seleção Inglesa) e colocar a mesma quantidade de painéis nas cadeiras. É claro que esse esforço todo seria em vão, caso não houvesse a colaboração da torcida para seguir as instruções. E eu tinha um pressentimento de que pelo menos no caso brasileiro, a ideia não daria certo… E não deu.


Assim que o time do Brasil entrou em campo, uns 10 gatos pingados – entre eles eu – levantaram o painel, com a bandeira brasileira estampada. Ficamos nessa posição, com os braços estendidos, por uns 10 – 15 segundos. O restante da torcida simplesmente ignorou a mensagem. Devia haver mais de 1.000 brasileiros naquele espaço. Esforço em vão, baixamos o painel. A Organização do evento se esqueceu de levar em consideração que a torcida visitante era desprovida de disciplina para levar adiante seu plano. Enquanto isso, entrava em campo o ‘English Team’. Nesse momento, um imenso mosaico com mais de 70.000 pessoas surge no campo, um mar vermelho e branco cobre as cadeiras, destacando-se a frase em letras gigantescas vermelhas: ‘Welcome back home! ‘. Realmente muito bonito. Um dos meus amigos estava na torcida inglesa, e como eu , também levantou o painel. Mas lá, funcionou.

Um pouco antes de começar a partida, outra situação também me chamou atenção. A torcida brasileira, já devidamente instalada nas cadeiras inferiores, começa a fazer a ‘ola’. No início, poucos aderiram, mas logo tínhamos toda a torcida no movimento de levantar-se e estender os braços, abaixando-se assim que o efeito da ‘ola’ passasse. Estava organizado, mas a ‘onda’ parava na divisão entre as torcidas brasileira e inglesa. Após algumas tentativas, os brasileiros sinalizavam aos ingleses para que aderissem, e continuassem com o movimento por todo o estádio. Pelo que vi do semblante dos britânicos, eles acharam tudo aquilo muito engraçado, mas não se prontificaram a entrar na ‘onda’. Como resultado, após algumas tentativas frustradas de fazer os ingleses se juntarem à festa, ela se esvaiu.

Terminado o joguinho meia-boca, estava curioso em saber como seria a saída do estádio, pois o transporte público eficiente, em um evento para onde convergem 80.000 pessoas, poderia trazer um efeito colateral complicado: a maioria o utiliza para chegar e sair e a estação de metrô ficaria abarrotada, faria a praça da Sé parecer um deserto! Enganara-me mais uma vez em meu receio: o oceano de gente que caminhava calmamente, sem balbúrdias, rumo à estação, era interrompido de tempos em tempos pela polícia (no caso, a cavalaria), e instruído a ficar parado por alguns minutos. E todos ficavam. A polícia recebia a sinalização de que a estação estava cheia e nesse momento interrompia o fluxo de pessoas na rua, até que os trens do metrô se encarregassem de esvaziar a estação. Assim que isso ocorresse, a cavalaria abria o caminho para o povaréu seguir sua caminhada. Acho que fomos parados umas duas ou três vezes no trajeto. Mas não recebemos cotoveladas, nem houve gritaria. Tudo transcorreu na maior tranqulidade. Um belo exemplo de organização.

Moral da história, que guardo comigo até hoje: Ingleses se organizam para tudo, menos para fazer festa. Brasileiros não se organizam para nada, a não ser para fazer festa.

Aliás, essa afirmação foi reforçada pela minha presença nas inúmeras festinhas de criança nas quais compareci ao longo da minha estadia em Londres. Via de regra, eram feitas em locais específicos para esse tipo de evento, que se comparados aos ‘mega-Buffets’ existentes no Brasil, não passam de ‘muquifinhos’. Aliás, nossa especialidade festiva começa na infância, segue na adolescência, com as festas de quinze anos – coisa nossa – sendo coroada ao final da juventude com as grandiosas festas de formatura. Nosso calendário tem carnaval, festa junina e as celebrações de final de ano, Natal e Ano Novo, que são para lá de animadas. O brasileiro é insuperável na capacidade de organizar boas festas.

Tenho de certeza de que as Olímpiadas de Londres serão as mais bem organizadas da história. O parque olímpico já está pronto, alguns meses antes de início dos jogos. Li que 65% da população desaprova o nível de gastos com o evento, na casa dos US$ 14 bilhões e que se preocupa muito com a mobilidade urbana durante os quinze dias olímpicos. Justo. No quesito animação, entretanto, Londres certamente será superada pelo evento seguinte, no Rio de Janeiro, que deverá ser reconhecido como o mais animado e festivo da história, apesar da provável esculhambação.

Londres gastou US$ 14 bilhões partindo de um estágio em infra-estrutura já bastante avançado. Me pergunto quanto nos custará o evento no Rio, quanto será roubado impunemente por corruptos e qual o legado que a cidade herdará. Espero que até 2016 consigamos nos tornar um pouco mais disciplinados como nação, sem perder o tradicional espírito alegre. Fazer festa é bacana, mas uma sociedade se desenvolve mesmo nos momentos de ‘seriedade’. O Rio tem uma oportunidade única de reverter sua atual trajetória de decadência charmosa, e não pode desperdiçá-la!

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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