Política

Twitter files

Como em todo imbróglio com o qual me deparo, neste que envolve Elon Musk e Alexandre de Moraes fui ver a origem na fonte, ou seja, os tais “twitter files”, troca de e-mails entre os advogados do Twitter no Brasil e, supostamente, na sede da empresa, revelados pelo jornalista Michael Shellenberger. Ao longo deste artigo há basicamente duas coisas: 1) a minha interpretação dos e-mails dos advogados e 2) a minha análise da interpretação do jornalista Michael Shellenberger a respeito desses mesmos e-mails. Veremos que essas duas interpretações nem sempre coincidirão.

Conclusão

Começo pela conclusão, para quem não tiver paciência de ler o artigo inteiro: trata-se de e-mails que descrevem basicamente o que já sabíamos de notícias de jornais, com um ou outro detalhe técnico. Não há, como quer fazer crer o jornalista, uma revelação bombástica que deixa o TSE ou Alexandre de Moraes pelados no meio da praça. Tudo o que está nos e-mails é, de maneira geral, público, a menos, como eu disse, de alguns detalhes que ficarão claros ao longo do artigo, mas que não mudam a percepção geral do caso.

De maneira geral, os advogados do Twitter entendem que estão em meio a uma guerra política, e mostram compreensão com as preocupações do TSE de manter a higidez do processo eleitoral. Vez por outra pontuam que, ou não têm os dados pedidos, ou a abertura dos dados contrariaria o Marco Civil da Internet. Mas sempre agem de acordo com a lei, ou obedecendo às intimações, ou apelando.

Veremos que, em todas as requisições do TSE (que ocupam apenas 6 dos 17 tuítes do jornalista, o restante se refere a outras instâncias da justiça), a preocupação sempre foi com a campanha contra as urnas eletrônicas e a disseminação da dúvida em relação aos resultados eleitorais. Este sempre foi o foco de todos as intimações do TSE. Não há censura de conteúdos relacionados a quaisquer outros assuntos. Portanto, entendo que, somente com base nesses e-mails, não é possível inferir que houve benefício a este ou àquele candidato. Se os apoiadores de Bolsonaro foram perseguidos, o foram porque colocaram em dúvida o processo eleitoral, e não porque apoiavam Bolsonaro.

A introdução do jornalista Michael Shellenberger

Shellenberger começa a sua série de tuítes fazendo um resumo do que virá a seguir. Ele afirma que os conteúdos irão demonstrar que Alexandre de Moraes e o TSE (meus comentários entre parêntesis):

1)      Demandou que o Twitter ilegalmente revelasse detalhes pessoais de usuários que usaram hashtags que ele não gostou (verdade, ainda que o “ilegalmente” possa ser disputado, uma vez que a liberdade de expressão, no Brasil, veda o anonimato);

2)      Demandou dados internos do Twitter, em violação à política da empresa (não entendo o que isso difere do item anterior. Além disso, nenhuma política de empresa pode se sobrepor à lei. Se o jornalista mencionasse a lei, estaria correto em sua afirmação);

3)      Procurou censurar, unilateralmente, posts de congressistas (há somente um caso nos e-mails, o de Marcel Van Hatten);

4)      Procurou usar as políticas de moderação do Twitter contra os apoiadores do então presidente Bolsonaro. (Sinceramente, não vi isso nos e-mails. Mas vocês poderão ver com seus próprios olhos ao longo desse artigo).

O jornalista acrescenta que os e-mails mostrarão as origens da demanda por poderes censórios por parte do judiciário brasileiro (meio exagerado esse negócio de “origens”, como se os e-mails tratassem organizadamente da história da censura do poder judiciário); o uso da censura para uma interferência antidemocrática nas eleições (em termos, a preocupação sempre foi com os ataques às urnas eletrônicas, não com as eleições em si) e o nascimento do Complexo Industrial da Censura no Brasil (meio grandiloquente demais, mas vamos debitar na conta do sensacionalismo do jornalista, que, como veremos, não falta).

Os e-mails

O primeiro e-mail data de 14/02/2020. Neste e-mail, o então responsável pela área jurídica LATAM do então Twitter, Rafael Batista (que sairia da empresa em fevereiro de 2022) reporta pressão do Congresso brasileiro para que divulgasse conteúdo de mensagens diretas e informações de logins de certas contas. A Suprema Corte concedeu liminar ao Twitter para barrar esses pedidos.

O jornalista inicia cada tuíte com um título. Como sabemos, a maioria dos leitores normalmente têm preguiça de continuar a ler, e se contentam com o título, de modo que se pode manipular a opinião somente com um título maroto. É o caso aqui: Shellenberger usa o título “Nós estamos… apelando contra os pedidos…”. Para quem não lê o resto, parece que é o STF que está requisitando dados, quando, na verdade, é o Congresso, e o STF, no caso, se colocou ao lado do Twitter.

Neste mesmo e-mail, Rafael destaca o pedido do STF por informações dos perfis @Leitadas_Loen, @Lets_Dex e @_brasileirinhos, em um processo a respeito de fake news e ameaças a membros do STF. A resposta foi que o Twitter não recolhe esse tipo de informação, e que, se quisessem, poderiam obter informações no próprio perfil público dessas contas. Mas isso o jornalista incompreensivelmente não comenta.

O segundo e-mail já pula para o dia 27/01/2021, quase um ano depois. O mesmo Rafael Batista diz que a Procuradoria do Estado de São Paulo o está processando por desobediência a ordem judicial. Segundo Rafael, a Procuradoria teria dito que 1) as outras redes sociais teriam compartilhado dados pessoais de suas contas sem uma ordem judicial e 2) que a informação de que o Twitter não tem os dados pessoais (e-mail e telefone) é absurda. Rafael afirma que, segundo o Marco Civil da Internet, os únicos dados pessoais são o endereço físico, nome completo, estado marital e profissão, e estes dados não são coletados pelo Twitter. Outros dados, somente com ordem judicial. O caso refere-se a um perfil supostamente ligado ao crime organizado.

Interessante que Shellenberger tenha escolhido esse e-mail que não tem nada a ver com o TSE. Talvez tenha sido para mostrar que o judiciário todo brasileiro está “carcomido” pelo vírus do autoritarismo.

Em 18/02/2021, Rafael depõe no inquérito contra o Twitter, e reafirma aquilo que já está no e-mail anterior. Nenhuma novidade aqui. O título do e-mail escolhido pelo jornalista acrescenta dramaticidade: “É a primeira vez que uma investigação criminal é ajuizada contra um empregado do Twitter”. Talvez seja a isso que Shellenberger se refira quando diz sobre as “origens” da máquina de censura do judiciário brasileiro. Meio exagerado, né?

Em 18/03/2021, Rafael manda um e-mail exultante, em que descreve a decisão do juiz do caso, suspendendo os pedidos da Procuradoria do Estado de SP, e impedindo a continuidade desse tipo de requisição.

Uma colega, Regina Lima (que saiu do Twitter em dez/2022), e que na época desse e-mail era Head do Legal Internacional, responde ao e-mail do Rafael no mesmo dia, congratulando-o e afirmando que o Brasil estava vivendo “tempos estranhos”, por conta dos pedidos do judiciário brasileiro. A hora do e-mail de Regina é anterior ao do e-mail do Rafael, mas pode ser um problema de fuso horário, talvez estivessem em escritórios diferentes. Jim Baker, então o número 2 do departamento jurídico do Twitter, se junta à conversa agradecendo ao Rafael.

Shellenberger destaca a frase “tempos estranhos” no título do tuíte. Notemos que ainda não tem nada a ver com o TSE ou Alexandre de Moraes, trata-se apenas de uma investigação de um membro de quadrilha.

Doze dias depois, em 30/03/2021, Rafael volta a escrever, desta vez com notícias ruins: a Procuradoria de São Paulo, ignorando a decisão judicial, havia iniciado um processo criminal contra ele, alegando que o juiz era parcial em função de reclamações disciplinares contra ele.

Em 05/04/2021, seis dias depois, Rafael demonstra alívio, pois o novo juiz do caso rechaçou o início do processo criminal iniciado pela Procuradoria (desculpem-me os advogados se não estou sendo tecnicamente preciso aqui, não sou “do direito”), repetindo os mesmos argumentos legais dos e-mails anteriores.

Na semana de 31/05/2021, Rafael manda uma mensagem (e-mail? Não dá para saber, não tem o cabeçalho), com 3 assuntos:

1) Informando que Gleisi Hoffman havia retirado um processo contra a empresa, por não liberar os dados de donos de contas que haviam “atacado a sua honra”.

2) Uma ordem judicial para abrir algumas contas em um processo de fraudes contra instituições financeiras. Ao verificar a natureza dessas contas, descobriram que se tratava de perfis com críticas a Fernando Capez, então responsável pelo Procon-SP. Shellenberger dá destaque a este ponto em um tuíte separado, intitulado como “revelar várias contas do Twitter…” Mais uma vez, o título serve para passar a ideia de invasão de privacidade como modus operandi do judiciário. Apesar de não ter nada a ver com o TSE ou com Alexandre de Moraes, o simples empilhamento de e-mails com essa temática vai criando a sensação de um grande complô que irá terminar no Darth Vader do STF, como se fosse tudo uma coisa só.

3) Lamenta o fato de o Google ter entregue 200 gigas de vídeos, que haviam sido deletados pelos seus autores, para o Senado, que, na época, estava em meio à CPI da Covid. Ele não sabe com base em que dispositivo legal o Google entregou esse material, mas, em sua avaliação, isso enfraquecia a base legal dos casos do Twitter, que sempre apelava contra entrega de dados. Aqui entra a minha interpretação: é diferente entregar vídeos deletados e entregar dados pessoais dos usuários. Mas, enfim, não sou advogado. Shellenberger dá destaque a essa entrega de dados do Google, como uma espécie de rendição à invasão de privacidade por parte do Congresso, no caso.

Em 11/06/2021, Rafael toca em dois assuntos:

1)      Aparentemente, uma corte inferior havia decidido por derrubar uma ou algumas contas (global removal). Tanto o STJ como o STF rejeitaram a decisão.

2)      O Twitter foi informado de uma investigação criminal a respeito de não cumprimento de ordem judicial durante as eleições municipais de 2020, e o pedido da justiça pelo nome da pessoa dentro da empresa que está conduzindo o processo. Rafael afirma que a ordem foi cumprida, depois de um apelo judicial e que, portanto, a nova investigação não teria objeto. Portanto, não haveria motivo para entregar qualquer nome, e estaria trabalhando com um advogado criminal para fazer a apelação.

Shellenberger ignora a primeira parte (que mostra o STF contra a derrubada de perfis) e comenta a segunda, dando ênfase para a parte em que Rafael afirma que “não vai entregar nenhum nome nesse estágio da investigação” (este é o título do tuíte, dando um tom bastante sinistro ao enredo, apesar deste assunto não ter nada a ver com o propósito da thread, que é expor o TSE e Alexandre de Moraes).

Em e-mail de 18/06/2021, Rafael aborda 3 assuntos:

1)      Uma ordem judicial para abrir os dados da conta @newrolas, que já estava suspensa por infringir normas do próprio Twitter.

2)      Uma investigação civil teve início contra o Twitter, mais como um fórum onde a empresa poderia ser “ouvida com relação às suas políticas de combate ao discurso de ódio”. Essa ação teve início após reclamação judicial de Djamila Ribeiro a respeito de ofensas racistas na rede social, em que ela pedia: i) medidas de monitoramento de trending topics para evitar conteúdo ofensivo a mulheres negras; ii) abertura de dados de usuários sem ordem judicial quando envolver crimes raciais; iii e iv) mensagens periódicas para os usuários antigos e novos informando sobre os parâmetros éticos da rede; v) pagamento de indenização por danos coletivos. Rafael obviamente afirma que alguns desses pedidos não são factíveis.

3)      Esse é interessante: Rafael está preocupado com a conta do blogueiro Allan dos Santos, que continuamente desrespeita as normas da rede (no caso, tuítes anti-vacina), e já teve vários dos seus tuítes derrubados. Ele defende que a conta seja suspensa, mas que essa suspensão deve ser muito bem embasada, pois as cortes brasileiras costumam estar do lado dos usuários, então é bem possível que deem ganho de causa ao blogueiro. Ou seja, o Twitter, neste caso, quer derrubar a conta, mas receia que os tribunais assumam o lado do usuário no caso.

Shellenberger dá como título para o tuíte a seguinte frase, dita pelo advogado: “Ainda que a reclamação seja legítima, os pedidos não são razoáveis”. Quem não lê o resto, pensa que se trata da justiça não sendo razoável, mas é a parte que faz as requisições. Mais uma manipulaçãozinha… Além disso, nenhuma menção à conta de Allan dos Santos, que o próprio Twitter quer derrubar.

Na semana de 28/06/2021, Rafael reporta dois casos:

1)      A PF, suportada por uma ordem judicial, pediu dados da conta de Carlos Bolsonaro. Rafael responde com o de sempre: não há dados a serem compartilhados, dados entendidos no sentido do que o Marco Civil da Internet determina como sendo “dados pessoais”. Além disso, não há registro dos IPs dos tuítes solicitados e, mesmo que houvesse, o período de retenção (6 meses) já havia passado. Shellenberger usa o nome de Carlos Bolsonaro no título do tuíte, claro.

2)      Sobre um julgamento em uma corte inferior a respeito do pedido de abertura de IP de uma conta que está no exterior e, portanto, não possível de ser aberto. O processo está em andamento.

Agora, finalmente, depois de 10 tuítes, Michael Shullenberger vai iniciar a série de e-mails que mencionam diretamente o TSE. Ainda não Alexandre de Moraes, calma.

Há dois e-mails do dia 18/08/2021, aparentemente não relacionados. O primeiro (pelo horário) é de Diego de Lima Gualda, que havia entrado no Twitter em junho daquele ano e está na empresa até hoje. Segundo seu Linkedin, é Head do Legal Internacional. Diego relata a tentativa infrutífera de não comparecer a uma reunião presencial com o TSE no dia seguinte. Ele estressa o “caráter político” da investigação, mas não fica claro, no e-mail, qual seria essa investigação. Shullenberger afirma que este e-mail é resposta ao posterior que veremos a seguir, mas o horário é anterior, a não ser que Gualda esteja nos EUA. De qualquer modo, esses e-mails não parecem estar relacionados.

O segundo e-mail do dia é de Rafael Batista, informando que o TSE ordenou que o algoritmo das redes sociais não apontasse conteúdos questionando o processo eleitoral dos seguintes perfis: @ravoxbrasil, @vlogdolisboa2, @tercalivre, @allanldsantos, @AlanLopesRio, @taoquei1, @oswaldojor, @JornaDaCidadeO, @FolhaPolitica, @BoniCoverRei, @camila_abdo, @EmersonTeix, @albertosilva_BR, @drfrazaooficial e @nas_ruas.

Aqui, o jornalista extrapola o que está escrito no e-mail, dando a seguinte interpretação: “Estas demandas parecem politicamente motivadas para atingir o sentimento pró-Bolsonaro”. No entanto, basta ler o e-mail para descartar essa interpretação. Rafael é claro em afirmar que “o foco (dessas contas) é desacreditar o Sistema Eleitoral Nacional”. Este é o núcleo da atuação do TSE. “Coincidentemente” (as aspas são minhas), todos os perfis que colocam em dúvida as urnas eletrônicas são de bolsonaristas. Alguém poderia dizer que se houvesse petistas com as mesmas “dúvidas” sobre as urnas, não seriam molestados pelo TSE. Infelizmente, não poderemos fazer o tira-teima, pois não houve nenhum caso desse tipo.

Dois dias depois, em 20/08/2021, Rafael narra a reunião no TSE, em que tenta se inteirar sobre o conteúdo da investigação que o Twitter está sofrendo por parte da corte. Segundo o advogado, aparentemente o que o TSE quer é uma forma de evitar que o algoritmo aponte para certos perfis que fazem campanha contra o sistema de apuração. Neste e-mail, o diretor do Twitter descreve este processo.

Shullenberger escreve em negrito: “Isto representa uma escalada significativa nos esforços anti-democráticos da corte”. Bem, depende da interpretação de democracia. Alguém pode achar que atacar o sistema eleitoral sem provas é uma forma de tumultuar o processo eleitoral para tirar vantagem. Isto sim seria anti-democrático, e este parece ser o posicionamento da Corte. Assim, a interpretação de Shullenberger não é a única possível. Note que sempre estamos falando do desafio ao sistema de apuração de votos, não há nenhuma outra dimensão envolvida na intervenção do TSE, e isto é sempre destacado nos e-mails, como foi o caso deste.

Na semana de 25/10/2021, Rafael Batista aborda 4 assuntos:

1)  O Twitter foi novamente intimado pelo TSE para que abrisse os dados de contas com determinados hashtags. Rafael afirma que irá apelar, dado que este procedimento não está previsto no Marco Civil da Internet, além de caracterizar violação de privacidade e outras garantias constitucionais. Shullenberger comenta somente este primeiro assunto, e introduz “de Moraes” no meio, dizendo que este “controla o TSE”, ainda que, nesta data, o TSE fosse presidido por Fachin, sendo “de Moraes” o vice-presidente. Mas a vontade é muita de já entronizar “de Moraes” como o Darth Vader do STF.

2)  A justiça deu ganho de causa para o Twitter contra o prefeito de Ubatuba, em um processo não especificado no e-mail.

3)  Um processo em que um litigante não identificado entrou na justiça contra o Twitter, que havia derrubado as suas contas.

4)  O TSE cassou o mandato de Francisco Francischini por ter espalhado informação falsa sobre o sistema de votação. Apesar de não ter o Twitter envolvido, o diretor achou por bem reportar o fato, talvez para dar ciência de que o TSE não estava pra brincadeiras nesse assunto.

Três assuntos no e-mail da semana de 22/11/2021:

1)      Trata-se de uma ação do professor Clóvis de Barros Filho para a retirada global de conteúdo do ar. Rafael lamenta que tenham perdido em 2ª instância, e diz que vai até o STF com o caso, mas a multa diária é de R$1,3 milhões. A questão do Twitter, novamente, é que entende que a retirada não está contemplada no Marco Civil da Internet.

Aqui Shullenberger se supera. O título do seu tuíte é “as cortes no Brasil emitem demandas de censura”. Só que quem demandou a retirada de conteúdo foi o professor Clóvis de Barros Filho, e as instâncias inferiores deferiram o pedido. Rafael afirma que vai recorrer às cortes superiores. Do jeito que o título foi feito, parece que foram as cortes que tomaram a iniciativa, em um movimento irresistível de censura judicial no Brasil.

2)      Rafael afirma que vai entrar com uma apelação contra uma ordem judicial que ordena a abertura dos IPs de 62 contas que retuitaram um conteúdo considerado ilegal, inclusive 8 não localizados no Brasil.

3)      Sobre uma ação contra a conta do Twitter de uma famosa cervejaria, que estaria espalhando conteúdos proibidos para menores.

Pulamos para 21/03/2022. Rafael Batista havia saído do Twitter no mês anterior. Diego de Lima Gualda é quem descreve uma reunião no TSE. Michael Shullenberger afirma que a reunião foi com Alexandre de Moraes, mas o diretor cita o “juiz”. Não há como saber, por este e-mail, então o jornalista deve ter tido alguma informação adicional por parte de quem participou da reunião. Na época, Alexandre de Moraes era o vice-presidente do TSE.

No todo, o diretor do Twitter entende ter sido uma reunião, dadas as circunstâncias, positiva. O TSE e a PF (que participou da reunião) pedem colaboração do Twitter na investigação de potenciais disseminadores de fake news. Diego relaciona as limitações técnicas da plataforma, mas o TSE insiste que se trata de “circunstâncias excepcionais” e espera colaboração.

Shullenberger afirma que o TSE queria que o Twitter funcionasse como uma espécie de “máquina de previsão de crimes” para “antecipar potenciais atividades ilegais”. Bem, não é isso que está escrito no e-mail. O que o diretor jurídico do Twitter disse foi, textualmente, “… a corte está tentando antecipar atividades potencialmente ilegais que podem ameaçar as próximas eleições de acontecerem”. É a corte que está tentando antecipar, através de “informações que sejam relevantes para a investigação” repassadas pelo Twitter, segundo palavras do diretor.

Dois meses depois, segundo o jornalista (o e-mail anexado, ao contrário dos outros, não tem data), o mesmo diretor afirma que a PF vem pressionando pelos dados, estando ela mesma sob pressão. A opinião do diretor é que o Twitter deveria colaborar, dado que o cenário atual (em que impossibilidades técnicas foram explicadas e entendidas) é melhor do que o inicial. Ele entende que fazer uma apelação seria pior, porque poderia piorar um cenário que ele entende ser favorável à empresa.

Voltamos para 30/03/2022 (lembre-se que o e-mail anterior é de “dois meses depois”, mas sem data). O jornalista afirma que esta é a data em que Alexandre de Moraes assume como presidente do TSE. Não é verdade. Aqui podemos conferir que Moraes só vai assumir o cargo em 16/08/2022. Esta “fake news” do jornalista pode ter sido só um engano. Ou não.

O e-mail descreve uma ordem judicial para prover:

i)  estatísticas da progressão mensal de tuítes com as hashtags #VotoImpressoNao, #VotoDemocraticoAuditavel e #Barrosonacadeia (lembrando que Luis Roberto Barroso era o presidente do TSE nas eleições de 2020 e vice-presidente nas eleições de 2018).

ii) IPs dos computadores que usaram a hashtag #VotoDemocraticoAuditavel entre os dias 27 e 28/07/2021

iii) Progressão da hashtag #VotoDemocraticoAuditavel entre os dias 27 e 31/07/2021

iv) Todos os dados do perfil @cassiagontijo e dados do IP usado antes do seu tuíte de 27/07/2021. Esse foi o perfil identificado como o primeiro a usar a hashtag #VotoDemocraticoAuditavel

Agora, damos um salto até a semana de 31/10/2022, para um e-mail sem autoria, identificado pelo jornalista como “um advogado do Twitter”. Imagino que os nomes que foram revelados tenham sido autorizados, porque senão não faria sentido esconder este.

Neste e-mail, o advogado relata três casos:

1)  Que o ministro Alexandre de Moraes solicitou a remoção da conta do pastor @andrevaladao. O próprio advogado reconhece que o aliado de Bolsonaro espalhou fake news, mas que avaliava que derrubar a conta seria uma ação desproporcional. Por isso, planejava recorrer da decisão.

2)  Que o Conselho Nacional de Justiça pediu a suspenção das contas de dois juízes, que haviam feito propaganda política em seus perfis. O advogado diz que cumpriu a ordem, mas que fez uma apelação, pois avaliou que se tratava de medida desproporcional, uma vez que os juízes poderiam remover o conteúdo eles mesmos.

3)  Uma notificação do Ministério Público, pedindo esclarecimentos sobre uma ferramenta da plataforma chamada “Report Feature”, e como este instrumento poderia ferir a privacidade dos dados dos usuários, segundo o MP. A questão estava sendo discutida com o MP.

Ainda no mesmo e-mail, o advogado endereça mais três assuntos:

1) Uma intimação para a suspensão da conta @zambelli2210 porque, nas palavras do advogado, “a senhora Zambelli estava espalhando desinformação sobre o processo eleitoral e encorajando desordem e insurreição”. O advogado ainda informa que o
presidente incumbente (Bolsonaro) não reconheceu a derrota, então o TSE parece preocupado em minimizar a desordem no Brasil. A empresa obedeceu, mas respondeu perguntando qual seria o período de suspensão.

2) Outra intimação para suspensão de conta, desta vez de @zambellicarla2, pois o TSE achou que se tratava da mesma pessoa tentando evadir da ordem de suspensão (item anterior). A empresa cumpriu a determinação, mas alertou o TSE de que essa conta havia sido criada em set/2022 e apenas mudara o seu nome para @zambellicarla2 em 02/11/2022, o que poderia ser um indício de que a conta pertenceria a outra pessoa, que apenas aproveitou a suspensão de Zambelli para incorporar o seu nome. (Também a conta @zambellicarla22 foi suspensa por ordem judicial.)

3) Outra intimação, desta vez para eliminar conteúdos específicos da conta @marcelovanhatten, por disseminação de fake news a respeito do processo eleitoral e dos resultados das eleições. A empresa respondeu que não recebeu URLs específicas e que, portanto, não seria possível cumprir a ordem. Além disso, por se tratar de uma conta identificada, o próprio usuário poderia ser demandado a retirar o conteúdo.

O jornalista aproveita um dos pedidos do Twitter em sua apelação para dar o título do tuíte: “não há motivo para que o processo permaneça em segredo de justiça”. Essa é uma opinião do advogado do Twitter, mas foi guindada a evidência de discricionariedade da justiça por Shullenberger.

Mais um e-mail sem data, e que o jornalista informa ser do dia 17/08/2022, portanto, anterior ao e-mail anterior. Este e-mail começa fazendo uma recapitulação do inquérito da PF sobre fake news eleitorais, e faz referência à requisição de dados de usuários ligados a hashtags #VotoImpressoNão, #VotoDemocraticoAuditavel e #BarrosoNaCadeia. Lembrando que já vimos este mesmo assunto no e-mail do dia 30/03/2022.

Agora, o TSE estava pedindo os dados relacionados a usuários que postaram tuítes com as seguintes hashtags:

1)      #BarrosoNaCadeia entre 00h00 e 15h59 do dia 03/08/2022;

2)      #VotoDemocraticoAuditavel, entre 14h00 e 19h59 do dia 03/08/2022 e

3)      #VotoDemocracitoAuditavel, entre 22h00 e 22h59 do dia 10/08/2022

O restante do e-mail é para estressar a importância do assunto para a equipe técnica que teria que providenciar os dados.

Isso é tudo. De 17 tuítes contendo os “Twitter files”, somente 6 referem-se a ações do TSE e, supostamente, de Alexandre de Moraes. O restante serve para montar a cena dramática.

Michael Shullenberger encerra sua série de tuítes com algumas conclusões. Ele afirma que “a Suprema Corte do Brasil e o Twitter removeram discurso político e penalizaram usuários por debater políticas. Nesse sentido, a corte aparentemente interferiu em uma eleição presidencial”.

Bem, isso simplesmente não corresponde à realidade mostrada nos e-mails. A preocupação do TSE sempre foi com ataques ao processo de apuração de votos em si, o que poderia levar os eleitores a dúvidas não razoáveis sobre os resultados eleitorais. Se isto é democrático ou não, é uma questão de debate. O que parece fora de dúvida é que os usuários não foram penalizados por “discutir políticas”, assim, genericamente. Do jeito que o jornalista põe a coisa, parece que o apoio a Bolsonaro era penalizado, o que simplesmente não é verdade, pelo menos do que se depreende dos e-mails. Portanto, concluir que houve interferência no resultado eleitoral, ou seja, as pessoas deixaram de votar em Bolsonaro porque algumas contas foram suspensas por espalharem dúvidas sobre as urnas eletrônicas, parece ser uma conclusão a priori que, essa sim, tem uma agenda.

Shullenberger defende algo parecido com a 1ª emenda para o Brasil, em que as pessoas pudessem livremente reclamar e duvidar dos resultados eleitorais sem serem censuradas. Concordo com isso. Minha discordância é sobre o efeito dessa censura específica no resultado eleitoral.

O jornalista afirma que enviou todos esses e-mails para Alexandre de Moraes e o TSE, mas não obteve resposta até o momento. E nem obterá, porque não há nada nesses e-mails que já não se saiba, e os ministros entendem que estão absolutamente certos em procurar manter a higidez do sistema eleitoral brasileiro, nem que seja pela censura “em tempos excepcionais”, como afirmou a inefável Carmen Lúcia. Portanto, como já afirmei em posts anteriores, esses “Twitter files” só servirão para cristalizar ainda mais as posições dos atores dessa ópera bufa.


Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Marcelo Guterman.

Marcelo Guterman

Engenheiro que virou suco no mercado financeiro, tem mestrado em Economia e foi professor do MBA de finanças do IBMEC. Suas áreas de interesse são economia, história e, claro, política, onde tudo se decide. Foi convidado a participar deste espaço por compartilhar suas mal traçadas linhas no Facebook, o que, sabe-se lá por qual misteriosa razão, chamou a atenção do organizador do blog.

Artigos relacionados

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo