Esporte

John Textor abriu a Caixa de Pandora. Salve-se quem puder!

Segundo a mitologia grega, Pandora foi a primeira mulher da humanidade. Criada por Hefesto e Atena, recebe de Zeus uma caixa misteriosa, com a recomendação expressa de mantê-la fechada para sempre. É claro que ela não resiste à curiosidade e acaba abrindo. Dentro da caixa estavam presos todos os males do mundo, e eles fogem. Assustada, ela fecha a caixa, deixando presa a esperança, a única coisa boa que tinha lá dentro. Realmente, antes do advento da internet e do politicamente correto, o pessoal tinha imaginação para criar boas histórias. É interessante notar que, na versão cristã, Eva, a primeira mulher, se comporta de maneira similar. O que dá uma boa tese sobre a influência do machismo nas religiões, mas, felizmente, o papo aqui é outro. Vamos em frente.

John Textor é um homem muito inteligente, e entendeu rapidamente a cultura do Brasil. No ano passado, o time que ele patrocina perdeu o campeonato brasileiro de forma inacreditável. Ao invés de se ir chorar na cama, que é lugar quente, e se consolar com a máxima de que “há coisas que só acontecem ao Botafogo”, ele resolveu arrumar uma maneira de explicar o inexplicável. E fez um pacote de denúncias sobre supostas manipulações de jogos e coisas semelhantes.

Em qualquer país civilizado, Textor seria processado e, provavelmente, preso por calúnia e difamação. Suas “provas” são totalmente inconsistentes. Mas, conforme foi dito acima, ele sabia onde estava se metendo. O Brasil é o país da teoria conspiratória. E o gringo conseguiu levar seu conjunto de hipóteses desconexas até o Parlamento Nacional – coisa que seria totalmente impossível nos Estados Unidos ou na Europa, onde ele tem seus outros investimentos esportivos. Não tenho dúvidas que suas denúncias chegarão, brevemente, ao STF. Mas vamos por partes.

A raiz do problema é cultural. No imaginário do torcedor brasileiro médio, seu time nunca perde; é roubado. Os juízes não estão ali para aplicar as leis do jogo; seu objetivo é sempre prejudicar alguém. No fim, a crença de dez entre dez torcedores brasileiros é que os campeonatos são decididos por uma maçonaria que inclui a Globo, a CBF, alguns fabricantes de material esportivo e outros. E isto se estende às Copas do Mundo; “todo mundo sabe” que o Brasil entregou a final da Copa de 1998 em troca da vitória em 2002. Se você defender esta tese em público na Europa, corre o risco de ser internado como louco. Mas no Brasil “todo mundo sabe” que foi assim. Os jogadores são apenas coadjuvantes; os resultados dos jogos e campeonatos são determinados em reuniões secretas, de onde partem as ordens cumpridas fielmente por árbitros sem qualquer caráter.

Um efeito colateral perverso desta cultura é que, enquanto na Europa os jogadores se preocupam em pressionar o adversário, aqui é importante “pressionar o juiz”. Todo o jogador brasileiro, quando perde a bola, sai rolando pelo chão como se tivesse fraturado as duas pernas. Os técnicos têm crises histéricas por causa de um lateral mal marcado. O espetáculo fica muito prejudicado com isto, mas o torcedor brasileiro médio não quer saber de espetáculo; ele vai ao estádio prá ver seu time ganhar, seja de que jeito for. E existe a crença de que “ganhar roubado é mais gostoso” (quero ver explicar isto para um torcedor alemão. Em alemão).

Uma prova do desprezo dos brasileiros pelos árbitros é o famoso cântico “Ei, juiz, vai tomar no c(*)”, entoado entusiasticamente por homens, mulheres e crianças em todas as competições esportivas (já vi até em vôlei feminino). Veja bem, se você gritar “bicha!” para o goleiro adversário, corre risco de ser condenado a cem anos de cadeia, mas para falar mal do juiz vale qualquer coisa. Nunca vi uma entidade de direitos humanos se manifestar a favor deles. São ladrões, a escória da espécie humana, e merecem todo o castigo do mundo.

Enfim, Textor descobriu o caminho certo para se imortalizar no futebol brasileiro como “o homem que peitou a Máfia”. Acusa sem provas, mas “todo mundo sabe” que “há algo estranho” nas arbitragens, principalmente quando o nosso time perde. Reflexo de um país onde não há empatia, onde as pessoas, cada vez mais, se dividem e se odeiam. Daí a torcida única, por exemplo, coisa inadmissível em países civilizados.

O mais triste é que vejo alguns dirigentes com visão de futuro pensando em gerar dinheiro com o aperfeiçoamento do “produto” futebol brasileiro. Não tem como; vai contra a nossa cultura. Preferimos implodir o pouco de organização que conseguimos implantar, a muito custo. Uma simples mudança de atitudes e comportamentos poderia tornar o nosso “produto” valorizado, e chegarmos a números como os da Espanha, onde o futebol responde por 200 mil empregos e 1,15% do PIB (dados da ESPN). Não consegui obter dados sobre Inglaterra e Alemanha, mas acredito que os números sejam melhores ainda. Mas nós preferimos continuar pobres e agarrados às nossas crenças. Lembrando o velho e bom Nelson Rodrigues, “o subdesenvolvimento não se constrói da noite para o dia; é obra de séculos”.

John Textor é um gênio. Ganha dinheiro no futebol organizado dos Estados Unidos e Europa, e exercita seu lado fanfarrão nas terras de Macunaíma. Talvez peça dupla cidadania e se candidate a deputado ou senador, com grandes chances de ser eleito. E demonstra, na prática, que enquanto a cultura do torcedor não mudar, não tem SAF que dê jeito no futebol brasileiro. Dez anos depois dos 7×1 não aprendemos nada, nem dentro nem fora do campo. Parabéns aos envolvidos.

Vida que segue.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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