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Tenet: rebobinando o tempo e emaranhando nossa cabeça

Christopher Nolan volta a brincar de quebra-cabeças com o tempo e impressiona com seu novo espetáculo de cinema, daqueles para gente ver na telona e se permitir se perder, com prazer, em meio a seus enigmas

Quando eu era criança pequena lá em Anápolis, meu pai me deixava intrigado com algo conhecido como o Quadrado Sator, um palíndromo em latim que, de trás para a frente na horizontal, ou ainda na vertical em ambos os sentidos, é lido da mesma forma:

SATOR
AREPO
TENET
OPERA
ROTAS

Tenet, o mais recente filme de Christopher Nolan, começa em uma Ópera, tem um personagem chamado Sator, outro Arepo, além de uma empresa de segurança de nome Rotas e, claro, a organização de espionagem que dá o título ao filme. Ou seja, Nolan deixa claro que estamos em mais um de seus quebra-cabeças, como A Origem (Inception), Interestelar e Amnésia (Memento); como sempre, brincando com a relatividade do tempo.

O novo longa-metragem do diretor não deixa de ser sobre viagens no tempo, mas aqui o objeto não pula de uma época a outra instantaneamente, como estamos acostumados, mas vai voltando no relógio em tempo real, como se somente ele estivesse sofrendo um rewind (ou, na percepção dele, todo o resto é que estaria rebobinando). E se as boas obras de viagem no tempo, como De Volta para o Futuro, costumam dar um nó na cabeça para compreendermos certos paradoxos, esse dá logo uma maçaroca na massa cinzenta! Não dá, a gente perde bastante coisa e tive que, em casa, buscar por sites que explicassem enigmas pendentes. Mas isso não faz a gente se desligar da tela, pelo contrário, primeiro por se tratar de mais um show de cinema de Nolan, daqueles de cair o queixo, mas, principalmente, pelo fato das linhas gerais dos planos e motivações dos vilões e mocinhos e do roteiro serem fáceis de seguir.

Pois é, a trama pode se resumir naquele mote bem típico de James Bond ou de Missão Impossível: herói agente secreto que precisa evitar que dispositivos com poder de aniquilar o mundo caiam nas mãos erradas. No início do filme, esse é o foco, e as sequências de espionagem já são admiráveis. Tudo bem que carece do humor de suas matrizes. Aliás, essa é uma crítica comum a Nolan, cujos filmes são rotulados como frios, sem alma, por quase não ter humor (exceto na ironia de certas situações), nem sensualidade (que de fato poderia ter sido, sim, melhor aproveitada em Tenet). Acho que essas observações até procedem, porém isso é amplamente compensado pela inventividade do diretor e por seu espetáculo audiovisual.

Sobre isso, é curioso que o cineasta não seja adepto do 3D e só use efeitos digitais em último caso. Por outro lado, filma com câmeras IMAX, trazendo grandiosidade a todas as cenas, tornando palpável a impressão de que estamos mergulhando nelas. Só as tomadas esplendorosas da Costa Amalfitana em Tenet já valeriam o ingresso!

Aos poucos, no topo da trama de 007 começa a prevalecer o uso e o abuso de elementos da parte sci-fi, ou seja, do movimento reverso do tempo. E dá-lhe cenas de ação surreais (com pelo menos uma luta memorável) e inúmeras passagens que você deve prestar atenção pois, sim, aquela situação que pareceu estranha (ou apenas o detalhe de um berloquezinho na mochila) voltarão mais tarde! E aí, meu amigo, se não se perder todo na primeira vez que assistir ao filme, você é um supercomputador ambulante! Mas também é uma máquina fria quem não se deixe encantar com esse universo tão bem construído. E, no final, o roteiro ainda reserva algumas surpresas…

Soma-se a tudo isso atuações carismáticas de John David Washington (de Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman)), Robert Pattinson (de O Farol) e a excelente Elizabeth Debicky (de As Viúvas, e que desponta como uma grande atriz atual) e tive um filmaço que me fez matar a saudade do que representa para mim a verdadeira sétima arte.

E assim como aquele menino em Goiás era fascinado com o palíndromo em latim, a criança grande, ontem, ficou mesmerizada com Christopher Nolan, cineasta que tem uma rara consistência de qualidade em suas obras, nos enchendo os olhos e nos deixando a encaixar peças muito tempo depois.

Tenet
★ ★ ★ ★ ★

Vladimir Batista

Vladimir Batista é escritor, professor e cinéfilo. Após 25 anos trabalhando como engenheiro em multinacionais de tecnologia, resolveu abraçar sua paixão de infância pelas palavras e por contar histórias e segue carreira na área de Letras e Literatura. Gosta de filmes e livros de gêneros variados, atendeu a vários cursos e oficinas de roteiros de cinema, de série e de técnicas de romance e tem um livro publicado pela Amazon: “O Amor na Nuvem De Magalhães”. Vladimir é casado, vegetariano e “pai” de cachorros resgatados.

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