Opinião

Como se preparar para a COP-26: algumas sugestões

As discussões sobre o clima tomarão o noticiário e as redes sociais com o início da COP-26 e gostaria de compartilhar com os colegas e leitores do #papodeboteco alguns pontos que me chamaram à atenção ao ler algumas publicações nos últimos dias. Assumirei que os leitores já têm conhecimento básico sobre a COP26, se não recomendo o artigo “Tudo que você não sabia que queria saber sobre a COP26”, publicado recentemente pelo colega de boteco Guilherme Moraes.

Começarei me valendo da experiência de mercado financeiro. Como muitos sabem, é comum o uso de modelos estatísticos para estimar cenários futuros, tanto macroeconômicos como sobre ativos específicos. Eles são úteis, até para disciplinar a investigação de quais variáveis têm influência sobre o que se está querendo projetar, mas todos estão alertas sobre a existência de uma margem de erro e que o melhor que se pode chegar é numa estimativa provável, acompanhada por uma faixa de resultados dentro de um desvio-padrão. Algumas vezes os erros são catastróficos, como a notória falência do fundo LTCM em 1998 (clique aqui para “Quando os Gênios Falham”), mas nem por isso se cogita abandonar o uso de modelos em favor da intuição ou outras metodologias.

Bem, o que tem isso a ver com a COP26? As projeções organizadas pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) são modelos da mesma forma. Muito mais sofisticados, mas sujeitos às mesmas regras de estatística, testes de robustez e margens de erro. Portanto, se referir a qualquer das conclusões como certeza absoluta não é correto e nem o próprio IPCC o faz. Vejamos o que ele diz no seu último relatório e alguns exemplos de conclusões (clique aqui para o relatório completo).

Each finding is grounded in an evaluation of underlying evidence and agreement. A level of confidence is expressed using five qualifiers: very low, low, medium, high and very high, and typeset in italics, for example, medium confidence. The following terms have been used to indicate the assessed likelihood of an outcome or a result: virtually certain 99–100% probability, very likely 90–100%, likely 66–100%, about as likely as not 33–66%, unlikely 0–33%, very unlikely 0–10%, exceptionally unlikely 0–1%. Additional terms (extremely likely 95–100%, more likely than not >50–100%, and extremely unlikely 0–5%) may also be used when appropriate. Assessed likelihood is typeset in italics, for example, very likely. This is consistent with AR5. In this Report, unless stated otherwise, square brackets [x to y] are used to provide the assessed very likely range, or 90% interval.”

Como modelos em geral, essas projeções são baseadas em premissas e sujeitas a todo tipo de impacto causados pela forma que os dados foram coletados, portanto é saudável um certo ceticismo. Novos dados e o contínuo desafio da comunidade acadêmica, dos decisores políticos e do público em geral servem para melhorar o modelo, num processo sem fim.

Entretanto, há que se tomar cuidado com a qualidade dos desafios, principalmente vindos de acadêmicos. Um exemplo: recentemente vi uma matéria onde dois professores contestavam a conclusão que o aquecimento extraordinário observado nas últimas décadas derivava da ação humana (clique aqui para a matéria). A matéria cita trechos como “Ambos têm uma opinião diferente”; “salienta que ‘a variabilidade é intrínseca ao clima’…, sendo verdade que nos últimos 40 a 50 anos se está a tornar ‘mais impulsivo’..” e, pior, “As conferências da ONU baseiam-se em milhares de estudos, […], mas ‘não está quantificado o peso da atividade humana’, diz o professor” e “Mas, aponta, a verdade, científica, é que há outros mecanismos que influenciam o clima. Um deles o movimento de nutação (oscilação periódica do eixo de rotação da Terra com um ciclo de 18,6 anos, resultante da força gravitacional da Lua sobre a Terra)”.

Ora, os relatórios do IPCC estimam claramente o peso da atividade humana (vide gráfico acima), parece que não viram, e se acreditam que o tal movimento de nutação não foi considerado, por que ele não afetou o clima antes como estaria afetando agora? Afinal os professores têm uma opinião ou fizeram estudos que demonstram que o modelo do IPCC demanda uma correção? Arrisco pela matéria que eles têm uma opinião (por favor, quem tiver alguma outra informação, coloque-a nos comentários). No entanto, diferente de nós, botequeiros, que temos a licença “poética” para exercer a “tudologia”, como verdadeiros especialistas em “assuntos aleatórios”, eles são acadêmicos, sujeitos a seguir o método científico para comprovar suas hipóteses, sem o que suas afirmações deveriam ter o mesmo valor das de um leigo curioso numa mesa de bar. Infelizmente, suas credenciais dão acesso à mídia como especialistas, enganando uma série de pessoas. Aos leitores fica a lição: verifiquem o suporte de afirmações como essas para não comprá-las como verdadeiras.

Ainda nesse exemplo, os professores pedem “que se evitem discursos alarmistas”. É a famosa “histeria” que pode ferir as almas mais sensíveis. Quando li isso logo me lembrei do clássico Modelo de Kotter de gestão de mudanças – qualquer pessoa com exposição ao mundo corporativo já o viu, já é meio antigo (vide figura abaixo).

As pessoas parecem esquecer o primeiro passo, criar a percepção de importância e urgência, sem as quais não se mobilizará os esforços e recursos para qualquer projeto de mudança de grandes proporções, ainda mais um que é custoso no curto prazo e que as pessoas só se engajarão se acreditarem que há um benefício, ou risco, grande o suficiente no futuro que compense o desconforto e custos imediatos. Reclamações desse tipo são, portanto, um contrassenso para a estratégia de mobilização. Se fosse um “nice to have” porque impor esse custo à sociedade?

Finalmente, como estamos em um bar, qual é a minha posição nisso tudo, do alto da minha autoridade de leigo?

  1. Não vi até agora contestações críveis ao modelo do IPCC e, por isso, parto do princípio de que ele está direcionalmente correto, considerando as margens de erro publicadas e a capacidade de qualquer acadêmico verificar os cálculos de forma independente. As críticas que vi até agora sobre as estimativas e as relações com causas humanas são primordialmente ideológicas e achismos dignos de mesas de bar. Estou aberto a mudar de visão, mas não será com “opiniões” como a desses dois professores;
  2. Os países têm empurrado com a barriga o problema, o que significa que não há ainda senso de urgência suficiente, logo a acusação de histeria não se sustenta. Os políticos reagem à opinião pública e como os custos de conversão da matriz energética são vultosos, só se moverão quando uma maioria relevante perceber o problema como grave e que não há jeito de evitar a dor no curto prazo. A COP26 faz parte desse processo, mas acho que ainda não chegamos lá;
  3. Prefiro que as discussões foquem no que fazer ao invés de ficar voltando ao questionamento do modelo de projeção com o disfarce de memes sobre a Greta e similares. Quem não confia que seja explícito quanto a isso e mostre as evidências. Quanto às soluções, o ideal é que sejam por investimentos em tecnologia, nova capacidade produtiva e uso consciente e sustentável de produtos e matérias-primas do que por restrições compulsórias – i.e., que se façam novos investimentos em fontes de energia do que se proíbam os ar-condicionados. Entretanto, isso só será possível se começarem logo, pois se formos esperar por uma maior confiabilidade dos modelos com a passagem do tempo, será tarde demais e aí não haverá alternativa do que agir na mitigação desesperada.

Já vimos pela pandemia que sentar em cima das mãos é a pior estratégia. Espero que tenhamos aprendido a lição.

Alberto Ferreira

Paulistano adotivo desde 1984, nasceu no Rio de Janeiro em 1961, de onde trouxe a torcida pelo Fluminense. Leitor inveterado de jornais, economia e negócios descansa lendo romances, assistindo futebol e ouvindo MPB. Casado desde 1985 com duas filhas adultas já independentes, foi cfo e controller no mercado financeiro e agora divide o tempo entre um mestrado em administração, acolhimento familiar, administração de bens e consultoria.

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