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Jogamos como sempre e perdemos como nunca

Lula, ex-presidiário, ex-duplamente presidente, ex-duplamente condenado, e atual dublê de presidenciável, é o político brasileiro com melhor capacidade de comunicação com seu eleitorado. Não por acaso, ele frequentemente insere, em seus discursos, analogias com o futebol, porque sabe, intuitivamente, o poder de entendimento e penetração de metáforas usando este esporte junto aos corações e mentes das pessoas, como já foi brilhantemente descrito por 2 pessoas, em frases marcantes:

Os acontecimentos de domingo passado na Neo Química Arena, durante a partida de Brasil x Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo FIFA Qatar2022®, entram neste rol de metáforas que resume à perfeição as atitudes dos países sulamericanos no enfrentamento da pandemia de Covid19 e o porquê do nosso sub-continente ser a região do mundo mais afetada pela doença. Basicamente, foi uma coletânea de tudo de errado que vêm sendo feito.

Resumindo, para quem estava em Marte no domingo e não sabe sobre o que estou falando, o jogo foi interrompido aos 5 minutos do 1º tempo, com a entrada de fiscais da ANVISA acompanhados por agentes da Polícia Federal, que foram cumprir as medidas sanitárias decorrentes do fato de 4 jogadores argentinos terem descumprido normas vigentes desde junho, que estabelece que viajantes estrangeiros que tenham estado na Inglaterra nos 14 dias anteriores ao desembarque no Brasil , necessitam passar por um período de quarentena ao entrar no país. Estes jogadores, que atuam na Premier League, omitiram este fato na declaração de imigração quando desembarcaram em Cumbica e, aparentemente, entre sexta-feira, data da chegada ao país, e as 16:05 de domingo, quando o jogo foi interrompido, a delegação albi-celeste procurou “fugir” da notificação oficial, avisando que não entrariam em campo para disputar a partida se os 4 fossem impedidos.

A reportagem abaixo, detalha melhor os eventos, para quem quiser assistir.

Farei um breve apanhado de tudo que ocorreu de errado neste episódio.

Controle de aeroporto:

Se há esta determinação, como os 4 jogadores não foram barrados já no aeroporto, visto que seus passaportes indicavam que eles estavam na Inglaterra a menos de 14 dias?

Este é um exemplo de uma das maiores falhas brasileiras desde março de 2020: o péssimo controle de imigração de viajantes vindos de países em que os números da pandemia estavam piores que os brasileiros, ou com o surgimento de novas cepas. Quase todas as atitudes tomadas nesta que é a porta de entrada de mais fácil controle que temos no Brasil foram atrasadas ou mal feitas ( lembrando que o Brasil tem limites terrestres numa extensão da ordem de 16.886 quilômetros com nove países da América do Sul: Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, e Venezuela) . Outra incoerência: cidadãos brasileiros estão dispensados de cumprir esta quarentena (como se o vírus reconhecesse nacionalidades…)

Testagem:

Este é outro problema que complementa o anterior. Testar, testar, testar é o principal instrumento de todos os países do mundo que melhor controlaram a pandemia. No caso da delegação argentina, um “atenuante” teria sido tanto a exigência de testes RT-PCR negativos para TODA a delegação como também uma nova testagem realizada logo ao chegarem no aeroporto. A testagem teria que englobar toda a delegação, não apenas os 4 jogadores “ingleses”, já que estavam em contato direto com os demais membros da equipe. Gastar dinheiro no maior número possível de testes é a aplicação mais barata e eficiente para se controlar a pandemia em qualquer país, mas o Brasil, em 18 meses, não aprendeu ainda a lição.

Copa América 2020:

Alguns eventos esportivos podem e foram realizados, durante os piores momentos da pandemia, através do recurso da “bolha de segurança”: os play-offs da NBA, o Superbowl, campeonatos de tênis, a Olimpíada de Tóquio e, de certo modo, a Eurocopa. No caso da improvisada Copa América que o Brasil hospedou, foram abertas exceções, montaram protocolos de segurança excepcionais e tocaram o barco. O mesmo poderia ter sido feito para este jogo da eliminatória mas, o que rolou, foi a gambiarra e jeitinho brasileiro. O que nos leva ao erro seguinte…

Fama de “país da impunidade”:

Me perdoem os brasileiros mais patriotas, mas o fato é que esta é a fama internacional de nosso país, que já não vêm de agora, e constantemente fornecemos novas provas que não é injustificada (retorne ao 1º parágrafo deste texto, se pensa diferente).

Somos o país do “direitos adquiridos“, dos “privilégios“, do “furar a fila“, da “Lei de Gérson“, do “sabe com quem está falando?“, do ” todo mundo é igual, mas alguns são mais iguais do que outros“, do “meu pai é fulano, meu avô é sicrano“, do “não pode falar mal de ministros do STF”, do “quem questiona a opinião dos cientistas é negacionista”.

Neste contexto, a delegação da seleção argentina de futebol, relembrando a era de ouro da Libertadores da América, em que eles ganhavam quase sempre na base da catimba, provavelmente acharam que, como é normal por aqui, existe “leis que pegam e leis que não pegam”, e que daria para bypassar a restrição para viajantes. E, realmente deu certo por um tempo: passaram pelo aeroporto, passaram pelos dias até o início do jogo, e boatos dizem que rolou todo um acordo de bastidores, para que ocorresse o jogo com a presença dos 4 atletas, e que após a partida eles levariam um puxão de orelhas, pagariam alguma multa e ficaria tudo por isso mesmo.

Só que, subestimaram uma cláusula pétrea, não-escrita, da Constituição brasileira:

Fazendo um paralelo com a pandemia, é o que vimos recentemente, com as pessoas que furaram a fila da vacina, com aqueles que receberam atestados médicos de “comorbidades” que nunca tinham sido diagnosticadas antes, de profissionais que tiraram a poeira de diplomas da área da saúde que nunca exerceram para serem vacinados na frente ou, em nível mais sofisticado, de categorias profissionais que tiveram lobby forte o bastante para serem elegíveis como “essenciais’.

Covid na América do Sul:

Por tudo isso que, no final do dia, se nos debruçarmos sobre alguns indicadores numéricos da pandemia, sem entrar nos aspectos políticos ou econômicos, apenas nas métricas, entenderemos porque a America do Sul em geral, e o Brasil em particular, estão em péssimas posições no ranking de desempenho na pandemia.

Os 3 gráficos acima, com os casos confirmados, óbitos acumulados e taxa de mortalidade, mostram que o continente sulamericano é o pior do planeta. Olhando com uma lupa, para os países do bloco, observamos que o Brasil é o segundo país mais afetado da região, apenas abaixo do Peru, em termos relativos, mas que pela sua população mais elevada que os demais é o responsável por puxar o ranking do continente.

Se formos analisar aquela que é a métrica mais importante no futuro, quando observarmos a pandemia pelo retrovisor , que é o excedente de óbitos, veremos o real impacto da doença em cada país. No Brasil, desde o início da pandemia, este valor esteve sempre acima de 20% do esperado, que já é um número elevado, atingindo até mesmo pico de quase 90%, que é uma absoluta calamidade pública.

Finalmente, os indicadores que são os mais importantes no momento atual, que são os que mostram a quantas anda a vacinação, nos dão o otimismo de que o pior deve ter ficado para trás e dias melhores nos aguardam. O continente está em nível comparável aos da América do Norte e Europa.

Mas, se este prognóstico traz otimismo pro futuro, não passa a borracha no histórico sulamericano:

Peru, Brasil e Argentina são os 3 países com maior número de óbitos por milhão entre aqueles com população acima de 11 milhões de habitantes!

PaísÓbitos / milhãomorto:habitantesTotal de ÓbitosPopulação
1) Peru5.9241:169198.52333.513.398
2) Hungria3.1231:32030.0749.631.357
3) Bósnia Herzegovina3.0461:3289.9193.256.688
4) Macedônia do Norte2.9421:3406.1292.083.273
5) Gibraltar2.8801:3472.88033.679
6) Republica Tcheca2.83335330.40810.732.451
7) Montenegro2.8241:3541.774628.160
8) Bulgária2,7811:36019.1496.886.584
9) Brasil2.7241:367583.866214.343.003
10) San Marino2.6461:3789034.015
11) Argentina2.4661:405112.67345.685.167
12) Colombia2.4331:411125.33151.522.715
13) Eslováquia2.2981:43512.5525.462.767
14) Paraguai2.1951:45615.8837.235.870

5 dos 7 países com maior número de óbitos por milhão entre aqueles com população acima de 7 milhões de habitantes são sulamericanos!

Conclusão:

A América do Sul não é o continente mais pobre do mundo, como a África, nem o mais populoso ou densamente povoado, como a Ásia, que justificasse esta performance tão ruim na pandemia.

Acredito que fatores políticos e culturais são os maiores responsáveis por isso.

Mas, para não ficarmos apenas em más notícias, nem fechar com baixo astral, deixo pra vocês um exemplo de algo que nós mandamos muito bem: a música!

Gui

Sou o Gui. Fiz arquitetura, pós em marketing, MBA em comércio eletrônico. Desde criança , quando adorava ler Julio Verne, eu gosto de explorar, descobrir novidades. Aqui no Papodeboteco vou conversar contigo sobre descobrir como podemos explorar nosso tempo livre.

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