Livros

A saga de escrever um livro em um mundo digital

O mundo agora é mais digital do que nunca

Sendo alguém que já lançou 3 livros, me aventurei a voltar a escrever e lançar um novo livro.

No entanto, em 2023 o mundo é bem diferente do que era há 12 anos. Estamos em plena era digital, em que o analógico está sendo cada vez mais sendo passado para trás.

O mercado mudou muito. Muitos setores de varejo físico estão derretendo e as livrarias não são uma exceção.

Lembro-me de como fiquei chocado quando a gigantesca livraria Borders, que ocupava todo um quarteirão de São Francisco, fechou as portas, que depois culminou com a rede de livrarias Borders inteira falindo em 2011.

A rede de livrarias norte-americana Barnes & Noble, pelo menos, está se recuperando um pouco, depois de sua venda em 2019 pela metade do seu valor de mercado. Seu novo CEO focou quase totalmente em livros de papel, que teve um certo ressurgimento na pandemia.

Antigamente, exceto se quiser pagar pela publicação do livro, você tinha que procurar uma editora (costumeiramente muitas delas), depois a editora tinha que aceitar a submissão do livro, e, finalmente, a obra tinha que passar pelo conselho editorial, para então iniciar um longo processo de transformação do texto em um livro, movido a embates ou não com a pessoa responsável pelo seu livro na editora.  

Agora, muitos autores autopublicam, sem a interveniência de uma editora. Os únicos serviços que o autor não faz são os que ele terceirizam. O destino do livro não é mais uma editora, mas, sim, uma empresa que imprime, exibe no site e/ou organiza a distribuição do livro para diferentes marketplaces. Não há nada similar a um conselho editorial e a impressão, muitas vezes, é por demanda, i.e., vendeu, imprimiu. Estoque zero.

No caso da Amazon, você só não consegue publicar um livro que ensina a fabricar bombas caseiras, porque, provavelmente o conteúdo não passaria no crivo do programa de inteligência artificial que examina o conteúdo do livro, antes de sua publicação.  

O início de uma jornada maior do que eu imaginava

No meu caso, tudo começou quando fui ajudar um amigo que estava fazendo TCC para conclusão do seu curso de graduação em odontologia. Ele não tem boa base matemática, assim seria muito doloroso tentar entender sozinho os números e alguns termos dos artigos científicos, que ele precisava para realizar a sua tarefa.

Primeiro, ele pediu para indicar um livro fácil e bom de estatística. O problema é que não havia absolutamente nada voltado para o problema dele.

Qualquer livro de estatística básica tem muito mais fórmulas do que o necessário e ainda não diz o que é preciso saber para ler artigos. Para a minha surpresa, o mesmo se dá em inglês, apesar da imensidão de títulos de uma livraria como a Amazon. Foi uma pesquisa árdua, turbinada pelo pouco conhecido modo de pesquisa avançada da Amazon.

Assim, comecei a preparar um material para dar aulas para ele, que terminou ficando muito interessante. Deu certo, mas o material ficou em um canto pegando poeira (metaforicamente).

Por que minhas anotações não podem virar um livro?

Depois eu pensei: poxa, tenho quase um livro, vou esquecer o meu projeto mãe (um app de multicalculadoras) por um tempo e me debruçar nisso.

Um amigo médico muito querido e professor da UFF, Dr. Salim Kanaan , já tinha me dado a ideia de escrever um livro de estatística visando justamente a facilitar o acesso a pesquisas por médicos, muitos dos quais já esqueceram quase tudo de matemática. Declinei por falta de tempo.

O fato é que toda empreitada na vida que vale à pena (e aqui nem estou falando em ganhar dinheiro) dá mais trabalho do que se imagina: No caso, texto, ilustrações (todas feitas por mim), revisão, revisão e mais revisões. Fiz tudo. Do trabalho de porteiro do livro a CEO.

O título e a capa é a vitrine de um livro

O título de um livro é sempre um desafio. Quase todos os bons nomes já estão sendo usados por outros livros. Fechei em “Desvendando a Estatística em Artigos”. “Desvendar” invoca um ar de mistério e curiosidade, que aqui evolve tornar o difícil algo fácil. Quanto ao pedaço “Estatística em Artigos”, ele é super focado naquilo que o livro entrega. Em inglês, gostei mais ainda de “Unveiling Statistics in Articles” porque “unveiling” reforça esse ar de segredo revelado, mais do que a palavra “desvendando“.

Bem, há um elemento do livro que não dá para fazer, a não ser que você seja um bom designer ou aceita um rascunho feio. É a capa. Então pesquisei, pesquisei e achei o maravilhoso site Fiverr, que é um site que conecta clientes a designers do mundo todo, que, em troca, pagam uma comissão ao Fiverr.

Lá achei uma jovem paquistanesa, extremamente bem avaliada, que terminou fazendo a capa dos meus sonhos por um preço ótimo. Esse design, até mesmo pelo preço cobrado, usa imagens já licenciadas de um portal de imagens, no caso, o Shutterstock. Um designer, diferentemente do usuário final, em geral, tem algum plano mensal de assinatura, que torna as imagens bem acessíveis para ele.

A designer gerou uma primeira proposta em cima de uma imagem com a temática estatística e uma lupa por cima. Aí, ainda não totalmente satisfeito, busquei no Shutterstock e achei a figura de um artigo médico em um celular (sinalizador de modernidade) e ela, muito competente, inseriu perfeitamente a imagem do artigo usando um efeito 3D, que deu veracidade à cena. Bingo: a capa, no meu modo de pensar, passou a conversar com o título do livro.

Revisão: uma tarefa interminável que precisa terminar

Algo muito importante em qualquer livro, em especial em uma obra de não ficção: um aguçado espírito crítico em relação à sua própria escrita. Você não pode ser condescendente com você mesmo. O tempo todo é preciso achar que o texto pode melhorar, mas tem uma hora, infelizmente, que você fica meio cego.  

Em devo ter lido o livro inteiro mais de 30 vezes. Meu Deus. Daqui a pouco decoraria todas as palavras do livro. Cada vez eu alterava algo. Com certeza, o livro ainda deve conter passagens que eu mexeria. Este pode ser um processo quase infinito, se uma hora você não dá um basta.

Quis encarar dois tipos de teste externo de conteúdo: a facilidade de comunicação e a questão técnica.

Primeiro submeti os originais a pessoas de nível alto, mas fora da área de estatística. No caso, o meu irmão (coautor do meu livro “Negócios S/A – Administração na Prática”) e, também, o Dr. Salim Kanaan, autor do prefácio.

Isso motivou vários pontos de melhoria. Um exemplo engraçado foi na explicação da média aritmética. Eu usava reticências, subscrito e enésimo. Foram escolhas ruins, porque pessoas avessas à matemática odeiam isso. Então, no final, usei um exemplo de média com apenas 4 valores, com 1º valor, 2º valor etc. Mais fácil, mais fluído.

Este livro não deveria conter nem 1 mm a mais do que o leitor precisa para ele conseguir seus objetivos, que é facilitar a leitura de artigos. Assim, retirar conteúdos desnecessários fazia parte do processo de revisão.

No quesito científico, eu tinha um problema. Não conheço pessoalmente ninguém realmente proficiente em estatística para fazer uma revisão técnica. Então contatei o professor Daniel Tausk da USP, PhD em matemática, bastante versado em estatística que, quando mais jovem, foi trimedalhista da Olimpíada de Matemática (ouro e prata no Brasil e medalha de bronze na competição mundial).

Eu o conhecia de algumas conversas virtuais pelo Facebook. Inicialmente gostaria que ele fizesse o prefácio, mas com o tempo totalmente tomado, ele declinou, mas foi gentil em fazer uma revisão rápida do livro, endereçando algumas imprecisões minhas.  E isso foi muito relevante para tornar o livro mais acurado, também fazendo com que eu pesquisasse ainda mais, no desafio de explicar o difícil de maneira fácil e útil para o leitor.

Tradução feita aqui é OK, mas precisa um toque nativo

O maior problema de todos se avizinhou: traduzir o livro para o inglês. Meu inglês não é perfeito nem nativo.

Está aí outro ponto que mudou muito. Antigamente, você precisava contratar um tradutor e não era uma empreitada barata, se você quisesse um trabalho de qualidade.

No entanto, os tempos mudaram.

Entrei com o arquivo do texto no Google Translate e me debrucei sobre o original e a tradução, com apoio do Google, do Bing Translate, do ChatGPT e de sites de gramática inglesa.

O ChatGPT, ainda que cometa erros (porque, em geral, ele é “orgulhoso” demais para admitir que não sabe), é bem interessante, porque, por vezes, ele dá boas respostas fora do previsível, mas é preciso sempre dar uma conferida.

Um apoio importante são corpus (grandes depósitos de textos pré-processados) de língua para podermos medir a frequência de uso. O maior é o “Corpus of Contemporary American English“. O próprio Google funciona como um corpus informal quando se pesquisa trechos entre aspas e/ou usando o operador * (proximidade) dentro de aspas, que dá uma boa evidência se uma expressão é efetivamente usada em inglês.

Também usei os fóruns da empresa digital StackOverflow, especializada em fóruns de perguntas e respostas nos mais variados assuntos. No caso, usei English Language & Use e English Language Learners.

Em um processo de tradução semimecanizada, algo muito importante a ser feito para se ter certeza que não se perdeu o conteúdo original, é inverter a tradução, que precisar gerar o mesmo significado do texto da origem. Se houver problemas, o texto original é que precisa ser alterado.

Com esta técnica, aplicada cuidadosamente, dá para fazer traduções razoáveis, mesmo que o destino seja um idioma que você não conhece (aliás, eu já fiz isto em alemão).

Depois dessa extenuante tradução, o resultado ficou OK e inteligível, mas ainda não era o inglês nativo que eu precisava.

A partir daí, existem aplicativos de correção de Inglês. O mais famoso e reconhecido é o Grammarly, que usa até ferramentas de AI, mas, pelo que eu pesquisei, ainda não dá conta do recado a contento.

Sabendo disso, contratei um serviço de revisão humana na empresa holandesa Scribbd (com ótima avaliação no reputado site Truspilot) por um preço bem razoável e aí mandei o original já em inglês.

No final, a qualidade do trabalho ficou ótima, permitindo que eu acompanhasse e aprovasse alteração por alteração

Editoração: a batalha contra os bugs

Existem muita regrinhas para a editoração de um livro funcionar no mundo virtual, assim como tinha no mundo físico. Só que antigamente isto era trabalho da editora. No caso, o editor sou eu!

A capa do livro em papel é cheia de truques:  Tem a lombada, a capa de frente e a capa de trás e a área de sangria em torno do livro (porque o corte não é 100% preciso) e tudo é milimetrado. A largura da lombada depende do tipo de papel e do número de páginas. Além disso, existe as margens de segurança.

O próprio miolo do livro também deve obedecer a um vasto conjunto de regras.

Eu um certo momento, eu tinha 4 cópias. A cópia para o Kindle em português e inglês e a versão de papel em português e inglês. E teve revisões, em que cada alteração tinha que se desdobrar em 4 alterações.

Para o Kindle, a escolha da fonte não é um problema, porque a Amazon licenciou o uso de fontes como Bookerly e outras.

Entretanto, para o livro em papel pode rolar uma pegadinha: as principais fontes que ficam boas em livros são pagas e você pode vir a ser processado por violação de direitos autorais! Terminei escolhendo a família IBM Plex, da IBM, que é bonita, simples, tem boa legibilidade e o melhor: é gratuita.

O livro em papel em inglês funciona muito bem para muitos países, com um preço de impressão por demanda muito em conta, mas, infelizmente, a Amazon ainda não imprime no Brasil. Assim a compra de um livro em papel por demanda via Amazon para ser entregue no Brasil fica cara e demorada.

Para o livro em papel por demanda em português, decidi pela UiClap, o melhor custo-benefício do Brasil, que usa a loja deles mesmos e também a Amazon, mas esta como marketplace. No Clube dos Autores, o maior concorrente, a impressão é bem cara. E a recém-chegada BookWire só trabalha para editoras.

Preparar o manuscrito para papel na UiClap foi fácil comparado com o sistema da Amazon, a ferramenta deles é boa. Entretanto, quando a Amazon decidir começar a imprimir no Brasil, a existência deles ficará ameaçada.

A ferramenta da Amazon para criar livros digitais a partir de manuscritos é o Kindle Create. Só que esta ferramenta é um completo pesadelo. Carregar um arquivo Word pré-pronto era motivo certeiro de desespero.

Fora isso, é possível fazer o livro 100% em Word (opção muito melhor) e usar a outra ferramenta da Amazon, o Kindle Previewer, que simula como o livro irá aparecer no Kindle, no celular ou no tablet, mas não permite alterá-lo.

Mesmo esta ferramenta, infelizmente, também tem seus bugs.  Se alguém converte um arquivo Word para o formato ePub, via a ferramenta gratuita Calibre, ainda que a Amazon diga que suporta o formato ePub, o arquivo fica todo bagunçado no Kindle Previewer. Assim é melhor carregar o livro no Kindle Previewer direto do Word.

Ainda assim, as tabelas do livro ficaram todas bagunçadas no Kindle Previewer e tive que converter todas as tabelas em imagens, usando a linguagem VBA, nativa do Word.

Só que a coisa piora. No Word dá para garantir que as legendas das imagens e das tabelas fiquem na mesma página que a imagem ou tabela, mas isso não é respeitado no Kindle, de acordo com o que o Kindle Previewer mostra.

Então eu tinha um desafio de incorporar as legendas dentro das imagens da tabelas e figuras, de forma que a fonte e o tamanho ficassem iguais ao texto do livro.

Para esta empreitada só havia duas alternativas, ou optava por ter um trabalho braçal bizarro ou descobria um modo de fazer isso de forma automatizada.

O ideal era usar o Python pela sua versatilidade. Ele consegue manipular bem o ambiente Word e Excel e ainda criar e manipular imagens. Fiz isso e , para me apoiar, contei com a ajuda do ChatGPT para codificar. Aos trancos e barrancos o ChatGPT me ajudou, mas tive que complementar com bastante trabalho, já que o ChatGPT acerta, mas também erra e chuta.

Enfim, uma novela que quase rima com tragédia.

Marketing é quase tudo

A maioria dos livros não é um produto de massa, assim não compensa gastar muito dinheiro com marketing.

Lá fora, existem sites como NetGalley, que oferece serviços pagos. Nada que, no final, eu achei que valesse muito à pena.

Anunciar no Instagram, YouTube, Facebook, TikTok, ou Google, neste caso, me parece ser puro e simples desperdício de capital. Meu nome não é Stephen King…

A única ação paga que farei é usar o site Goodreads (comprado pela Amazon há algum tempo), que é o maior site de leitores de livros do mundo.

Lá autores pode fazer um trabalho, incluindo disponibilizar exemplares (que o autor paga) do seu livro para sorteio, o que pode ser um ótima e barata opção ($ 119 na versão básica por ação) de divulgação.

Fora isso, para mim, o marketing tem que ser basicamente orgânico.

Existe uma batalha para conseguir avaliações. Isso pode envolver leitores, mas também autores de outros livros.

Além disso, estou preparando uma grande lista de influencers no Brasil e lá fora (youtubers, blogueiras etc.), nas áreas de divulgação científica e nas diversas áreas de ciências não exatas (Medicina, Nutrição, Odontologia, Psicologia etc.) para motivar que alguém divulgue, quer através de suas redes sociais ou citando-o em algum contexto, usando, quem sabe, os links patrocinados da Amazon (que dão 4% no Kindle e 4,5% no livro impresso).

Epílogo

Para mim existe muita gente no mundo que encontraria real utilidade em “Desvendando a Estatística em Artigos”

Eu creio de verdade que este pequeno livro (126 páginas em português, com índice, bibliografia etc.) possa representar uma grande utilidade para muitos profissionais, pesquisadores e estudantes (em áreas como medicina, nutrição, fitness, sociologia, finanças, psicologia, informática etc.) que consomem artigos científicos e precisam ter uma base suficiente para entender os números que esses artigos exibem

Antes era preciso tirar a poeira de compêndios de estatística e ainda aguentar o tranco que isso representa. Neste livro, ele obtém este embasamento, mas em uma linguagem simples, conversacional, intuitiva e com raras fórmulas.

Como bônus o livro apresenta diversos vieses e questões práticas que fazem com que um artigo não possa ser tomado como verdade absoluta, estimulando o leitor a ser mais questionador.

No entanto, apesar desta descrição abranger muitas pessoas com esse perfil de necessidade, existe o grande problema, que é uma das questões centrais do marketing: o público-alvo precisa descobrir que este livro existe e que ele pode atender a uma necessidade real delas.

Não é um desafio fácil.

***

O livro está em português na Amazon Brasil, em Kindle e livro físico, sendo que é mais barato na UiClap. Em inglês, foi publicado na Amazon em Kindle e livro físico.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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4 Comentários

  1. Meu amigo, passei por tudo isso aí na minha recém publicação. Me vi em cada passo desses. Parabéns por mais essa conquista!

      1. Parabéns Paulo! Escrever um livro e todo o processo é uma jornada. Bacana sua inciativa em ajudar profissionais de diferentes áreas. Que seu livro venda muito. Sucesso!
        Paulo o Site não está enviando meu comentário, então usei esse recurso e escrevi também no Face.

  2. Parabéns Paulo! Escrever um livro e todo o processo é uma jornada. Bacana sua inciativa em ajudar profissionais de diferentes áreas. Que seu livro venda muito. Sucesso!

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