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Quem manda no time, o Chatbox ou o Felipão?

Este é o segundo artigo da nossa série sobre Inteligência Artificial. A ideia é abordar o assunto de forma simples e didática.

Ao final do capítulo anterior, definimos o que seria IA “estreita” e “generalizada”. Recentemente surgiu um novo conceito, intermediário, da IA “generativa”, onde ela começa a botar as manguinhas de fora e já é capaz de gerar conteúdo. Neste time estão os “chatboxes”, que conseguem produzir textos coerentes e, de alguma forma, “conversam” com a gente.

Dando um exemplo prático, ontem vi em um programa de esportes que clubes europeus já estão usando este tipo de IA para ajudar na busca de jovens jogadores no mercado. A abordagem tradicional era; o clube tinha “observadores”, que avaliavam os jovens e, de alguma forma, criavam uma pontuação para cada item técnico (como fazem os videogames); chute, passe, velocidade, marcação e outros.

Ora, conforme vimos no texto anterior, tudo o que puder ser reduzido a uma planilha de dados será processado e executado de forma muito mais eficiente por uma máquina do que por um ser humano. Só que, na própria matéria, o repórter alertava que havia alguns itens “difíceis” para a máquina ponderar; se o cara é bom de grupo, se suporta pressão, sua estrutura pessoal e familiar e outros. No fim das contas, chegava à mesma conclusão que eu; a máquina pode ajudar, mas a decisão final ainda é prerrogativa dos humanos. Ainda…

Na mesma hora me passou pela cabeça que, num futebol em que as decisões por pênaltis são cada vez mais comuns, uma bela utilização da IA generativa seria na hora de escolher os batedores. Em segundos, um computador bem alimentado por dados avaliaria o aproveitamento de cada atleta nos treinos, nos jogos, nas decisões, e emitiria um relatório com a ordem dos batedores e até sugestão de como chutar, em função das qualidades do goleiro adversário (se tiver os dados sobre ele, é claro). Da mesma forma, o goleiro receberia informações atualizadas sobre a preferência e estilo dos batedores. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas realmente… como na velha canção do grande Evandro Mesquita, há momentos em que a IA não sabe nos amar. E lembrei da história (contada pelo próprio) de uma decisão sobre a batida de um pênalti decisivo na história do futebol brasileiro e do técnico Felipão. É um exemplo bem ilustrativo.

O ano é 2002, e o Brasil estreia na Copa contra a Turquia. Felipão comprou uma briga com o Brasil todo ao barrar Romário, e sua margem de erro é zero. Num jogo muito mais duro do que se esperava, estamos com 1×1 e, no finalzinho, o juiz nos presenteia com um pênalti que não passaria pelo VAR (a falta foi uns dois metros fora da área).

Tínhamos três batedores oficiais, definidos por Felipão e sua comissão técnica (provavelmente com base em alguns rabiscos feitos em uma folha de papel); 1) Ronaldo Fenômeno, 2) Ronaldinho Gaúcho e 3) Rivaldo. Só que o Fenômeno já tinha sido substituído, portanto a vez era do Gaúcho.

Felipão contou que, na beira do campo, tentou chamar Ronaldinho (que, diga-se, era o mais novo do grupo). Este se esquivou um pouco e, quando finalmente os olhares se cruzaram, o jogador apontou para si mesmo e perguntou, visivelmente preocupado; “Quem bate? Eu?”. Experiente em lidar com jogadores e decisões, Felipão não sentiu no garoto a firmeza necessária para um lance tão importante. Quase ao mesmo tempo, o veterano Rivaldo se aproximou, com a bola embaixo do braço, e perguntou; “Professor, posso bater?”. O resto é história; Felipão autorizou, Rivaldo fez o gol e o Brasil começou ali sua caminhada de sete vitórias até o penta. E a planilha que se exploda.

Resumindo; as máquinas são ótimas, mas, no momento de decisões que envolvem sentimentos e valores humanos, ainda levamos vantagem. E posso dizer, com minha bagagem de mais de vinte anos coordenando equipes, que estas são, quase sempre, as decisões mais difíceis e mais críticas para o sucesso de um projeto, seja de que área for.

Last but not the least, vale dizer que nada garante o sucesso. Rivaldo poderia ter errado. No recente jogo do São Paulo na Sulamericana, qualquer treinador (humano ou chatbox) colocaria o cracaço James Rodriguez para bater um dos pênaltis. E deu no que deu. Porque esta é a diferença entre a vida real e o videogame. E não vivemos em Matrix… ou será que sim?

Enfim, vamos em frente. Recebi tantas boas sugestões para temas dos próximos artigos que ainda não consegui decidir. Talvez eu faça uma planilha e peça para o ChatGPT escolher… É uma ideia.

Até lá!

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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