Memórias

O dia da saudade

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Você só descobre mesmo o que é saudade quando se dá conta que é simplesmente impossível acabar com ela.

‘ Saudade (substantivo): lembrança grata de pessoa ausente ou de alguma coisa de que alguém se vê privado’

O substantivo saudade só existe na língua portuguesa. Em inglês, teríamos que utilizar uma expressão inteira para traduzí-la: ‘ I miss you’. Colocamos uma frase toda em uma só palavra, capaz de representar um turbilhão de sentimentos e resgatar milhares de fragmentos de memórias.

Meu filho de 3 anos aprendeu outro dia o seu signficado. Agora é parte do seu vocabulário: ‘Estou com saudade da minha casa, do meu irmão, do meu brinquedo…’ e por aí vai. Ele a utiliza corretamente, mas no alvorecer da vida, não tem a menor noção da sua profundidade. O tempo tratará de lhe ensinar, como faz a todos nós.

Recordo-me que no auge da minha juventude, às vezes tinha saudade dos meus tempos de infância. Era apenas um sentimento de nostalgia, sinal de que tive bons momentos. Fui apresentado à dor aos 25 anos, quando perdi meu avô materno, de quem era muito próximo. Antes disso, já havia vivenciado a partida de gente querida, mas que não pertenciam à minha rotina de convivência. Nos treze anos seguintes, fui acumulando experiência: mais dois avós partiram e finalmente, de maneira avassaladora e repentina, meu pai, que hoje completaria 68 anos.

saudade2Já escrevi sobre o tema em outro texto (Lágrimas secas e o ciclo da saudade eterna), mas a quase 3 anos de distância do evento mais transformador da minha vida, estou mais calejado para tratar do assunto, tenho doutorado em saudade.

No começo é a dor da perda. Como se lhe arrancassem uma parte do corpo. Desesperador. Aos poucos, a saudade vai ocupando esse vazio, ela serve como uma espécie de tecido regenerativo da alma. A saudade é virtuosa, um ‘analgésico’. Mas nem sempre ela é vitoriosa em sua missão. Datas especiais, fotografias, filmes, cenários, eventos…tudo isso pode fazer com que a dor seja revigorada, inibindo a ‘anestesia’.

Quando ambas se misturam, temos a sensação de saudade dolorida. Em condições normais, ela não traz dor, mas alívio. Ela se apropria de música, cheiros, lugares, coisas e lhes transmite vida, ou melhor, memórias. Para mim, algumas canções do Roberto Carlos , Benito di Paula e Phil Collins tem um significado que vão muito além de uma simples melodia. O mesmo posso dizer quando avisto na rua um quase jurássico Maverick. Se alguém me visse derrubando uma lágrima pelo simples fato de passar na frente de uma Belina velha, poderia tirar conclusões um tanto estranhas a meu respeito…mas eu estaria apenas exercitando minha convivência diária com a saudade.

Até que temos um bom relacionamento. Mas o pensamento, esse rebelde quase indomável e usualmente traiçoeiro, às vezes nos brinda com recaídas intensas. Com o tempo, você aprende a fugir de algumas de suas armadilhas, mas nem sempre isso é possível e a saudade dolorida bate à nossa porta.

Ao longo desses quase 1.000 dias de ausência física, não houve um em que eu não tivesse meu pai em pensamento. O ‘rebelde quase indomável’ não pára um segundo. Nem que fosse por alguns instantes, ‘flashes’ de lembranças vem e vão. Saudade é bom, e uma convivência sadia com a ‘dita-cuja’ é muito importante para a nossa sanidade mental, pois cedo ou tarde ela será nossa companheira de jornada.

Se você tem saudade, mas é incapaz de acabar com ela, abrace-a. Hoje, 5 de Fevereiro, aniversário do meu pai, é meu dia especial da saudade. Um brinde a ela. E Feliz aniversário, pai!

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Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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