Brasil

O fim…de um capítulo

Haverá os que posam de democratas e defensores da Constituição para justificar o recente retrocesso do Supremo Tribunal da Insegurança Jurídica, que revisou seu entendimento sobre prisâo em segunda instância, fato que culminará com a soltura de milhares de presos condenados.
Vamos aos fatos: é pose mesmo.

Desde a promulgação Constituição de 1988, a prisão em segunda instância prevaleceu até 2009, quando foi instituída a nova interpretação para salvação de mensaleiros e afins, que caiu em 2016. Acuado com os recentes avanços das operações anti corrupção, que colocou na cadeia, de maneira inédita, gente muito graúda, entre milionários, empresários, ex-senadores, governadores e presidentes, o ‘establishment’ contra atacou e obteve um 6×5 do STF com o obejtivo de impedir a prisão, mesmo após decisão colegiada de um tribunal.

Não irei me alongar tecnicamente sobre o assunto, pois os cinco ministros que votaram contra a impunidade me representam e entendem muito mais de direito do que eu, um reles leitor com senso crítico. A questão aqui não é técnica, mas politica, como é o caso da maioria dos assuntos tratados pela corte suprema.

Aliás, se explorarmos a Constituição brasileira, um verdadeiro livro de muitos direitos e poucos deveres, encontraremos artigos que emanam contradições e interpretações diversas, e podem pender tanto para um lado, como para outro, ao sabor do vento e das circunstâncias.

E o livreto complexo, à mercê do efeito do tempo que transformou o planeta nas últimas décadas, muitas vezes não acompanha as mudanças ocorridas na sociedade brasileira no mesmo período. A função do Supremo é interpretar o espírito da carta conforme os anseios e valores atuais da população que ele serve. Não se trata, nem de longe, de uma ciência exata. Fosse assim, teríamos sempre o placar de 11×0.

Isso posto, a discussão sobre prisão em segunda instância, medida adotada sem confusão em 190 países do mundo, acaba refletindo como iremos moldar o Brasil do futuro, se com a cara secular da impunidade, que sempre reinou soberana por essas bandas, ou com a face da esperança em combater a praga da corrupção que assola o país desde seu nascimento.

O STF optou pela primeira alternativa. A partir de agora, qualquer criminoso, até mesmo um réu confesso, somente será preso após o transitado e julgado, evento que pode levar décadas, dada a quantidade de embargos, recursos, protelações sem fim, acessíveis a quem tem recursos para bancar advogados caros. Nos próximos dias assistiremos ao vexatório espetáculo de libertação de um sem número de corruptos condenados, um tapa na cara do cidadão comum cumpridor das leis. Há a prisão preventiva, argumentarão alguns. Essa só pode ser usada em situações bastante específicas, ainda mais agora que juízes tem a lei do abuso de autoridade que pode lhes tolher inclusive a liberdade…

Seis dos nossos verborrágicos ministros demonstram estar completamente desconectados dos novos tempos, parecem viver encastelados em seus suntuosos gabinetes apinhados de bajuladores e mordomias, incapazes de prever o caos em que lançaram o país com sua falta de bom senso.

Além da epidemia de desalento que tomará conta da maioria da população que não nutre simpatia ou idolatria por bandidos, é difícil prever as consequências da desgraçada decisão. Apesar da possibilidade de pressão popular assombrar nossos políticos, o desânimo pode prevalecer sobre a vontade de sair às ruas e mais uma vez reclamar. Afinal, o estrago já está feito. Em que país do mundo um réu confesso pode desfrutar de liberdade até sabe-se lá quando, mesmo condenado???

Quando faz a opção pela impunidade e se esconde atrás da defesa constitucional, o STF dissemina a hipocrisia, já que a interpretação literal da carta magna seria combatida pelos mesmos que hoje a aplaudem, em situações distintas. Penso inclusive que fossem os presos famosos proeminentes representantes de outras cores ideológicas, muitos dos que hoje celebram a liberdade de presidiários estariam a difamar a decisão.

A ideologia jâ contaminou os princípios éticos mesmo daqueles que a rigor são cidadãos idôneos. Nesse caso, o horizonte nos oferece a inevitável intensificação da polarização. No meio da guerra de narrativas, bandidos darão gargalhadas de todos nós, pois com o endosso do STF eles seguirão livres e ‘embargados’. Enquanto muitos riem, outros enriquecerão. O segmento dos abonados acusados de corrupção é um dos mais rentáveis aos advogados, razão pela qual sua entidade de classe lutou tanto para derrubar a interpretação previamente em voga.

A corrupção, afinal, é uma indústria que movimenta bilhões em propinas para servidores públicos, políticos, em receitas super faturadas para empresas corruptoras e bancas de advogados. Trata-se de uma engrenagem diabólica que parasita o estado brasileiro, protegida pelo impunidade agora oficializada pelo STF.

No longo prazo, a tendência é melhorar. Mas até lá, eu serei um ancião, e talvez nem por aqui esteja mais. Frustra-me não poder desfrutar de um país melhor agora, no presente. A esperança de que tenhamos um futuro promissor acalenta sonhos de gerações desde que me entendo por gente, apesar de nunca se materializar na prática. Desesperança explica.

O STF deveria ir a júri popular por aniquilar aquilo que é umas das características inatas do brasileiro: o otimismo. Estamos nos transformando em cínicos pessimistas, roubados na pretensão de viver em um lugar civilizado, onde de fato todos sejam iguais perante a lei.

O fim prisão em segunda instância marca o crepúsculo da era da esperança e o retorno à realidade da vida como ela é. O Brasil experimentou espasmos de moralidade, mas foi só isso. Somos um país tolerante com pequenos e grandes delitos e conformados com nosso destino. Por muito menos, fez-se a revolução em lugares mais ‘abrasivos’. Por aquí, aguarda-se pelas festas de final de ano, férias de verão e Carnaval.

Mas não há mal que dure para sempre. Até o fim de 2023, quatro ministros defensores do ‘status quo’ serão aposentados pelo tempo e logo a corte reinterpretará o assunto, não sem antes ter causado um gigantesco prejuízo ao país.

Eis que temos o fim….de um capítulo. A história continua, e o tempo estará do nosso lado. Uma eternidade aos mais ansiosos, mas ele passa…

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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