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COVID-19: lockdown é o que nos resta?

Lockdown rapidamente chegou a lista dos temas mais polêmicos da galáxia.

Já escrevi aqui sobre o tema, mas como boa parte dos estados brasileiros estão fechando o comércio, alguns implantando o toque de recolher, e, em alguns casos, está se fechando mesmo mercados; é hora de voltar ao tema.

Esse tema já foi também abordado por outros aqui no Papo de Boteco, como aqui, nesse esse artigo instigante do Victor Loyola, que eu concordo em linhas gerais.

Da mesma forma que assuntos como o aborto, lockdown desperta intensas paixões nas pessoas, quer contra ou a favor.

Aqui encaro o lockdown no conceito mais restritivo, quando o poder público força estabelecimentos comerciais a fechar, de diferentes formas e/ou impõe toque de recolher.

Eu tendo a ser CONTRA essa linha mais radical e a FAVOR de medidas alternativas, mas não tenho uma posição rígida e nem uma opinião completamente formada, então esse artigo é um rascunho de ideias e questionamentos.

Afinal, é muito difícil dar uma palavra final sobre um tema tão novo e que ainda paira muito em áreas desconhecidas; ainda mais quando novas variantes de COVID-19 estão surgindo pelo mundo, com diferentes padrões de transmissão.

Minha posição tende a ser intermediária, longe dos extremos, como em praticamente todos os temas.

Fechamento deprime a economia

Sem dúvida, a depressão econômica imposta pelas autoridades, em prazos maiores, tende a causar pobreza, fome e aumento da concentração de renda.

A concentração de renda cresce porque, nessa hora, quem tem dinheiro se aproveita de oportunidades que surgem da bruma dos desastres que afligem os menos favorecidos.

Os pequenos negócios são duramente atingidos, e são os primeiros a fechar as portas em definitivo. Vi isso demais aqui no Rio. Os grandes negócios tem um colchão maior.

Tudo reflui no desemprego, engrossado pela falência de pequenos empreendedores, que se justam a aqueles que perderam o emprego, na busca de poucas e escassas vagas. Em suma, menos um empreendedor, mais um desempregado.

Com a demanda menor, não há espaço para tanta gente vendendo quentinha ou mais motoristas de aplicativo do que passageiros …

Tudo isso acontece, mesmo diante de programas de ajuda emergencial, especialmente em países com parcos recursos, como o Brasil.

Vários estudos, como esse, foram escritos sobre o tema, evidenciando os impactos e eu mesmo elaborei algumas ideias.

Lockdown diminui a transmissão?

Não acredito na posição extrema que o lockdown aumente a transmissão de COVID-19 ou mantenha ela estável. como algumas pessoas e até estudos afirmam.

Essa tese parte de uma afirmação que me parece correta.

Tudo indica, que tirando aglomerações em locais fechados, a contaminação dentro de casa é a mais fácil de todas

No entanto, como a COVID-19 não é um sistema fechado, a contaminação de dentro de casa, pressupõe a existência de alguém que pegue a COVID-19 fora de casa e que depois exponha o resto das pessoas com que ele conviva diariamente.

Se não fosse assim, a COVID-19 seria pega por geração espontânea…

Seguindo o item anterior, o lockdown estilo fique em casa, estimula as pessoas a não saírem da mesma, o que aumenta ainda mais o potencial de contaminação citado no item anterior.

No entanto, é lógico que aglomerações fora de casa, se não foram reduzidas de algum modo, terminam sendo um importante vetor de contágio, que terminam ultrapassando a contaminação caseira, porque o estopim (uma pessoa contaminada) torna-se um fato mais comum, o que mais do que neutraliza a maior presença de pessoas em casa em tempo de quarentena.

No entanto, descobrir que o fechamento dos negócios, mesmo imperfeito, reduz a transmissão (“Occurrence of backward bifurcation and prediction of disease transmission with imperfect lockdown: A case study on COVID-19 aqui” e “A fractional order SITR mathematical model for forecasting of transmission of COVID-19 of India with lockdown effect”), não quer dizer que essa é a única forma de se reduzir a transmissão, nem a melhor.

Há outras medidas, menos impactantes na vida das pessoas, que também reduzem a transmissão.

Excesso de regras oprimem as pessoas

Penso que muitas regras terminam virando várzea (zona), porque as pessoas não aguentam ser tuteladas em excesso por um tempo prolongado.

Não há braços para vigiar todo mundo.

Mesmo aqui na Barra da Tijuca, um bairro nobre do Rio de Janeiro, observei agora e antes vários estabelecimentos abrindo, com portas semi-cerradas ou até de forma escancarada, quer se arriscando, ou a partir de algum “acordo” com as eventuais fiscalizações.

Um ambulante, por exemplo, não tem reservas para aguentar o recesso por muito tempo. A ajuda emergencial não dá nem para pagar o aluguel na comunidade, em muitos casos., onde muitos vezes ele mora.

Se as regras fossem em menor número e mais flexíveis, teria mais chance da pessoa segui-las, porque não seria algo tão limitante.

Quando você diz para um jovem “fique em casa” e isso dura 1, 2 meses, muitos terminam mandando todas as regras para o ar e fazendo tudo. E não são apenas os jovens…

Lembra aquela placa de 40 km por hora no meio de uma rodovia federal? Se não tem radar, ela é solenemente ignorada. Por quê? porque não há uma razão lógica para um limite tão baixo, só porque tem uma curva mais acentuada ou 2 a 5 casas.

Em países tipo Brasil, lockdown é meia-boca

Mesmo que se adote um lockdown rígido, existem importantes furos no esquema, especialmente em países menos desenvolvidos como o nosso.

Na prática, por falta de recursos, o lockdown termina sendo algo mais restrito a locais da classe média para cima, mesmo com a rebeldia relatada acima.

Não tem como o poder público ter acesso a ambientes rurais, comunidades, bairros pobres ou pequenas cidades do interior.

Em muitos lugares, mesmo no município do Rio, o lockdown é apenas uma peça de ficção.

O problema é que as pessoas que vivem nesses locais, trabalham na casa de pessoas, prestando diversos tipos de serviço (faxina, manicure, cabelo, manutenção, obras etc) e também em locais dos chamados serviços essenciais.

Desse modo, seria preciso fazer uma modelagem complexa de como esses furos afetam na prático o resultado efetivo do lockdown em reduzir a contaminação. No final, termina sendo muito menos efetivo do que no papel.

Fique em casa traz múltiplos impactos

Os diferentes impactos do lockdown associado podem ser algo bem mais radical do que muitos supõem.

Há uma pressão subjacente para a pessoa ficar em casa quase todo o tempo, sempre que possível, como se fosse uma prisão domiciliar.

Só que o ser humano não foi feito para ficar enjaulado.

Imagine então uma habitação de um cômodo com 10 pessoas: bem complicado, na prática.

Fica fácil celebridades em belas casas aparecerem na TV defendendo o slogan fique em casa.

Além da questão econômica, citada acima, há grandes impactos psiquiátricos, falta de atenção a cuidados de saúde e prevenção, falta de vacinas, aumento do nível stress, maior sedentarismo, aumento da obesidade, mais brigas, violência doméstica etc.

E o stress ampliado, a falta de vitamina D, a alimentação ruim, o sedentarismo por sua vez aumenta a chance da pessoa ser pega pela COVID-19 com a imunidade mais baixa.

O que pode ser feito para diminuir a transmissão?

Onde as pessoas aprendem sobre COVID-19?

Hoje o indivíduo é doutrinado pelas redes sociais ou pela grande mídia.

A maioria da grande mídia prima por instilar o pânico, mostrar as mortes, anunciar o colapso, divulgar o desastre e quase que o fim do mundo. Isso dá mais público, infelizmente.

Ver hoje um Jornal Nacional da TV Globo e não ficar deprimido é um desafio…

Já as redes sociais, há muitas postagens que transitam entre 2 extremos:

A) Está tudo bem, temos o tratamento precoce, máscaras não funcionam e vacinas são suspeitas.

B) O fim do mundo está do outro lado da porta, fique em casa. Tratamento precoce foi, e sempre será inexistente.

Na maior parte dos casos, isso leva uma pessoa para um desses dois lados.

De um ângulo, o medo excessivo insuflado pelos pandeminions tem um efeito paralisante e que leva à infelicidade, ao stress e ao pânico.

Na outra ponta, temos o negacionismo, que pode até matar, pela falta de visão da gravidade potencial da doença, por ignorar o distanciamento social, por rechaçar as máscaras mesmo perto de aglomerações e por achar que o remédio X o deixa com o corpo fechado.

Para mim, ambos os lados estão equivocados.

Medidas menos duras podem ser tão efetivas quanto

Um artigo, revisto por pares, publicado esse ano, de pesquisadores de Stanford (incluindo o famoso médico e pesquisador John Ionnadis) dá uma luz nessa questão espinhosa.

O artigo concluiu que a implementação de medidas restritivas foi associada a reduções significativas no crescimento de casos em 9 de 10 países do estudo

No entanto, quando se compara medidas menos restritivas (lrNPIs) com medidas mais restritivas (mrNPIs), eles concluem que não há diferenças estatisticamente relevante nas taxas de transmissão de COVID-19.

Só que as igualmente eficientes medidas menos restritivas não causam todos os danos listados acima.

O desejo do lockdown moderado é egoísmo da elite?

Alguém poderia retrucar aqui, via o contraditório: o estudo acima foi feito em países desenvolvidos e não no Brasil.

Aqui quando a loja fica aberta, as pessoas que trabalham nela têm que usar nosso precário transporte coletivo. Assim o lockdown restrito funcionaria nesse caso.

Só que tem dois pontos para levantar aqui:

  1. Provavelmente esse indivíduo mora em uma comunidade ou bairro pobre. Lá, culturalmente não existe lockdown e nem sequer o distanciamento social. Máscara é um artigo raro. Eu já vi pessoalmente isso em mais de uma ocasião. Parece que estamos em outro planeta! Ou seja, o transporte público não é, nem de longe, o maior dos problemas dessas pessoas… Provavelmente, a loja será o local menos insalubre que os funcionários irão passar, durante toda a sua rotina diária.
  2. Quando tempo esse emprego vai durar com o lockdown rigoroso? Talvez não muito. Hoje certos bairros do Rio que parecem hoje esqueletos, pelo número de lojas abandonadas e arriadas. Aí eles não têm mais que pegar mais ônibus, mas conseguir sobreviver será o novo desafio…

Ou seja, é possível que tudo fique na mesma em termos de transmissão da COVID-19 (restrições fortes versus restrições moderadas), mas com restrições moderadas teremos mais empregos e menos pobreza!

Conscientização é necessária

A conscientização constante, mas sem instilar o pânico, poderia ser uma ferramenta muito importante.

Um governo sério, teria que atuar em todos os lugares onde está a população: redes sociais, TVs etc.

O tom deveria ser razoável, lógico e factível. Fique em casa é tão radical, que é mais fácil alguém mandar tudo às favas, como aquele regime de emagrecimento, sempre adiado para amanhá.

Restrições podem ser importantes

Especialmente em caso de ameaça de lotação dos hospitais por pacientes com COVID-19, urge adotar medidas. Só que existem alternativas mais inteligentes do que radicalismos como toque de recolher, proibição de praias e fechamento do comércio.

As pessoas precisam poder sair, respirar um ar, praticar esportes etc. Isso faz bem em todos os sentidos. A nova variante é desconhecida, mas até agora o ar livre e mesmo áreas fechadas não apinhadas com boa filtragem e renovação de ar, não são zonas de especial perigo.

Quando se está perto de alguém na rua, máscaras são muito importantes, mesmo as de pano ou descartáveis.

Tudo indica que a maioria das pessoas precisa de uma carga viral razoável para pegar COVID-19, não basta um contato de segundos com um contaminado, a não ser que ele grite, espirre ou tussa em cima de você.

O pior cenário são aglomerações em lugares fechados e mesmo em lugares abertos, se o local está muito apinhado. Esse é o caso de bares da moda com centenas de pessoas de pé, muitos cultos, festas particulares, festas privadas com ingresso, bailes funks.

Assim, não funciona nem ao ar livre. É muita gente.

Então se TODOS conhecessem e acreditassem no perigo da doença, isso aconteceria muito menos, mas infelizmente, conscientização sozinha não é suficiente.

Assim, esses cenários têm que ser enfrentados. E nunca será perfeito, porque é impossível coibir 100%.

Medidas possíveis

  • Conscientização realista, intensa, mas não apocalíptica. As pessoas praticam o que acreditam. Um conjunto de regras loucas e arbitrárias é um convite para ser descumprido.
  • Horários intercalados por setor para diminuir os horários de rush.
  • Dias de folga intercalados, quando possível.
  • Não se deve tomar bebidas em pé nos bares. As aglomerações que vi nos bares do Leblon são épicas. Todo mundo sem máscaras rindo, falando algo, fumando, a centímetros um do outro. Não é possível que alguém não ache isso um ninho de COVID-19.
Bar Boa Praça, Praça Cazuza, Leblon, Rio : e já vi muito pior durante a pandemia
  • Proibição de mesas coladas em restaurantes e bares, onde as pessoas estão sem máscaras o tempo todo. Álcool e cuidados em ambientes públicos parecem ser mutuamente excludentes.
  • Fartura de transporte coletivo. O ideal seria proibir viajar em pé e fiscalizar forte o uso de máscaras. Infelizmente, isso me parece caro e utópico para implantar no Brasil.
  • Regulação que faça com que sistemas de ar condicionado e ventilação em ambientes fechados e públicos fiquem mais limpos e com menor concentração de vírus via aerossol.
  • Regras factíveis para evitar lotação excessiva em ambientes fechados, como lojas e outros locais. As lojas poderiam ser orientadas para isso, com uma série de práticas inteligentes e práticas.
  • Fiscalização mais presentes do uso de máscaras em locais de movimento. Andar sem máscara sozinho não é o problema…
  • Estímulos fiscais para trabalhar de casa e vendas online.
  • Modelos de fila inteligente controlados por app, com grupos limitados de pessoas por faixa de horário.
  • Proibição de eventos apinhados, especialmente em locais fechados, com multas pesadas. Ouvi muito sobre festas privadas com ingresso, que é um verdadeiro celeiro de COVID-19: tudo mundo colado, dançando, bebendo, sem máscaras.

Conclusões

Não há ainda uma ideia fechada. A variante p1 de Manaus ainda é uma virtual desconhecida. Há quem diga (sem provas cabais) que ela seria bem mais contagiosa do que a variante padrão, o que pode invalidar alguns trechos desse artigo.

Paulo Buchsbaum

Fui geofísico da Petrobras, depois fiz mestrado em Tecnologia na PUC-RJ, fui professor universitário da PUC e UFF, hoje sou consultor de negócios e já escrevi 3 livros: "Frases Geniais", "Do Bestial ao Genial" e um livro de administração: "Negócios S/A". Tenho o lance de exatas, mas me interesso e leio sobre quase tudo e tenho paixão por escrever, atirando em muitas direções.

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