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O Mercado é Soberano (quer você aceite ou não…)

Se você não estava em Marte nas últimas semanas, não escapou dos 2 assuntos mais comentados nas conversas: os filmes Barbie e Oppenheimer e a Copa do Mundo feminina na Austrália e Nova Zelândia.

Para a maioria das pessoas da vida real, eram apenas descompromissadas opções de diversão e lazer para nosso tempo livre.

Porém, para a imprensa e muitos militantes de redes sociais , eram manifestos políticos e de agenda de virtude: a minoria ruidosa usou a copa e o filme Barbie como ferramentas de empoderamento feminista , igualdade de gênero e diversidade LGBTQIA+.

os filmes…

A coincidência de data de estréia dos filmes Barbie e Oppenheimer foi transformada numa guerra: a crítica inflou às alturas os elogios para o filme da boneca, por considerar impensável que um filme-manifesto feminista, dirigido por uma diretora de filmes independentes, pudesse “perder” para outro, dirigido por um homem, com maioria de personagens masculinos, e sem o obrigatório pedágio de diversidade que as produções audiovisuais atuais tem que pagar para não serem canceladas pelos influencers.

O fato é que Barbie, apesar da ressalva acima, é um filme divertido de ser assistido, e a prova que vale o preço do ingresso e o tempo do espectador pelas 2 horas de entretenimento que oferece, é que merecidamente atingiu a marca de 1 bilhão de dolares de bilheteria global, enquanto Oppenheimer faturou até agora 600 milhões (Neste aspecto, a militância no Brasil deu uma goleada: Barbie faturou 39.5 milhões e Oppenheimer, 10.3 milhões).

Assim como o “Mercado” foi assistir Barbie não como um manifesto feminista, mas porque o produto e experiência de consumo são satisfatórias, também Oppenheimer atraiu um público considerável não por ser um libelo anti-nuclear ou um filme do patriarcado branco, mas porque é mais uma obra-prima do melhor cineasta da atualidade, Christopher Nolan. Aliás , recomendo você assistir este vídeo da maravilhosa crítica da Isabela Boscov sobre o filme:

E a ironia , que aposto que será confirmada na temporada de premiações do cinema no início do ano que vêm, é que o melhor personagem do filme é … o Ken. O personagem é quem tem o arco mais redondo e coerente, e foi interpretado com desprendimento pelo ator Ryan Rosling, que provavelmente receberá várias indicações de premiação de ator coadjuvante.

Já na copa do mundo, o buraco é mais embaixo…

a copa …

Foi imposta uma chatérrima obrigação moral de se assistir às partidas da seleção brasileira, principalmente para os homens que já tem o hábito de acompanhar futebol masculino, sacando a batida carta do machismo estrutural para quem simplesmente não queria, por não gostar da qualidade das partidas.

A mídia pegou pesado. Tão pesado que eu tenho certeza que isso foi a responsável pela inédita rejeição e antipatia despertada pelo time brasileiro.

Desde os dias anteriores à estreia do Brasil contra o Panamá, ate, digamos assim, uns 2 dias após a eliminação na fase de grupos pelo empate contra a Jamaica, o futebol feminino em geral, e a seleção brasileira em particular, foram o assunto mais destacado em qualquer veículo. Quiseram enfiar goela abaixo a obrigação do país ser naquelas semanas uma Pátria de Chuteiras e, até mesmo tentaram decretar feriados nos dias de jogos do Brasil, numa suposta igualdade com o tratamento dado para a seleção masculina na sua respectiva copa.

O fato dos jogos serem nas primeiras horas da manhã, e terminarem antes do inicio do chamado horario comercial, aparentemente não importava, a exigencia de isonomia com os machos escrotos é que importa…

Só que, e esta é a parte que mais me diverte enquanto escrevo este texto, logo após a eliminação da seleção nacional do evento o assunto “futebol feminino” SUMIU da pauta das redações e das timelines dos influencers, ao mesmo tempo que cresceu o interesse pelas partidas das seleções classificadas para as etapas eliminatórias, de melhor nível técnico. A audiência das partidas no canal do YouTube da CazéTV , único veículo que permanece transmitindo o campeonato após o “sumiço” da copa da programação do Grupo Globo, aumenta a cada nova fase.

Ou seja, as feministas e feministos, que cobravam que todes assistissem e apoiassem a seleção brasileira, sumiram, mostrando que tinham zero interesse pelo esporte além da lacração, enquanto todos que realmente gostam de futebol passaram a acompanhar as excelentes e emocionantes partidas que Suecia, Inglaterra, Espanha e a anfitriã Austrália, surpreendentemente classificada para as semifinais, vêm nos proporcionando. Aliás, um parêntese: como elas batem penâltis muito bem! Ouso dizer que melhor que a maioria dos times masculinos… a disputa entre Australia x França foi das mais emocionantes que já assisti na vida!

Assista pelo ponto de vista de uma torcedora australiana em pleno estádio a emocionante disputa de penâltis

e cadê o “mercado é soberano”?

Enquanto ainda se interessavam em nos empurrar a agenda da copa do mundo feminino, a tecla mais repetida pela imprensa era o clichê da injustiça de diferença salarial entre os valores recebidos pela Rainha Marta e o Menino Ney ( Mais rica da Copa, Marta tem salário 100 vezes menor que o de Neymar )

Não vou me estender neste assunto, muito já foi falado sobre isto e aceitei a realidade que o mundo se divide em dois opostos, irredutíveis: os que acreditam no capitalismo, onde a remuneração de um profissional é proporcional ao retorno que gera, então considera normal que Marta fature 1% do que o Neymar. E os que ainda sonham com a utopia do socialismo , e seu mantra “De cada um conforme seus meios, a cada um conforme suas necessidades”.

No caso destes últimos, nem adianta lembrar que um evento como uma copa do mundo é um paradigma da competição e meritocracia, o pilar básico do capitalismo. Se fosse seguir a lógica socialista, não existiria 1 campeã da Copa após 7 partidas, mas sim medalhas de participação e honra ao mérito para todas as 32 seleções…

Mas, quero aproveitar o mito da “diferença salarial” e falar um pouco a respeito disso no outro tema deste post, o cinema.

Barbie, teve a seguinte folha salarial, entre seus principais atores:

  • Margot Robbie ….. US$ 11.5 mi
  • Ryan Gosling …….. US$ 11.5 mi
  • Will Ferrell ………… US$ 4 mi
  • America Ferrera .. US$ 1 mi
  • Kate McKinnon …. US$ 700 k

A atriz e o ator principais receberam o mesmo salário, coerente com a carreira de cada um deles, número de filmes de sucesso de que participaram, ambos já indicados a Oscars e outras premiações, etc…

Mas, olhe que interessante entre os demais do elenco: num filme que valoriza, e entrega, a ideia do empoderamento feminino , o ator Will Ferrell, que interpreta o CEO mais pateta da historia da Mattell, recebeu várias vezes mais do que as atrizes que interpretaram os papéis das empoderadas, feministas personagens da Barbie Estranha e da humana dona da Barbie estereotipada.

Não me pergunte como a Margot Robbie , produtora executiva do filme, e a Greta Gerwig, diretora, permitiram esta machista diferença salarial entre gêneros… eu tenho meu palpite, que é porque é elas que estavam pagando a conta, mas eu seria insensivel por achar uma razão tão mesquinha para isto! Deve ter sido culpa de algum executivo macho escroto do estúdio mesmo…

Mas, é na folha salarial de Oppenheimer que se revela algo interessante, a razão principal deste texto que você está lendo, e a beleza do que é o capitalismo liberal.

Posso afirmar que foi graças à sua enxuta folha salarial que o orçamento de uma obra grandiosa como Oppenheimer ficou em apenas 100 milhões de dólares. Sim, apenas. Compare com os budgets dos outros principais filmes desta temporada:

  • Oppenheimer ……….. US$ 100 mi
  • Barbie …………………… US$ 145 mi
  • Missão Impossível … US$ 290 mi
  • Indiana Jones ………… US$ 330 mi

O site FandomWire.com tem uma matéria interessante sobre o tema. Resumidamente, diz que o protagonista Cillian Murphy foi o único ator que recebeu um cachê “de mercado”, pelo seu trabalho. O que é mais do que razoável, já que ele é a alma do filme, ator com maior tempo em cena, e ainda teve que se submeter a uma intensa preparação, com grande perda de peso para se adaptar ao personagem histórico.

Todos os demais atores principais aceitaram baixar os valores de seus cachês habituais, pelo interesse que tinham em participar de uma obra dirigida por Christopher Nolan.

“Aceitaram”, não “Foram obrigados”. Liberdade. Livre arbítrio. Decisão de carreira. Escolha individual.

  • Cillian Murphy ……… US$ 10 mi
  • Emily Blunt …………… US$ 4 mi
  • Robert Downey Jr …. US$ 4 mi
  • Matt Damon ………….. US$ 3 mi
  • Florence Pugh ……… US$ 1 mi
  • Josh Hartnett ………… US$ 400 k

Só que, nesta lista, um nome se destaca, e é quem eu vou detalhar: Robert Downey Jr.

O eterno Homem de Ferro, aceitou receber apenas uma fração do seu cachê habitual para interpretar o antagonista Lewis Strauss nesta ópera atômica. Mas, o que pouca gente sabe é que, quando ele foi contratado para dar início ao Marvel Cinematic Universe, ele não era quem recebia o maior salário nem em seu próprio filme!

Robert Downey Jr foi contratado para o primeiro filme Homem de Ferro, em 2008, por um cachê de 500 mil dólares. O grande nome do elenco daquele filme era Terrence Howard, por 4,5 milhões de dólares.

O contexto, em economês (Call to Action: compre o livro Descomplicando o Economês, do Marcelo Guterman, meu amigo e colega do Papo de Boteco):

RDJr era um “investimento de risco” em Hollywood, vindo de anos em que mais aparecia nas páginas policiais do que nas de entretenimento.

Ja Terrence Howard era uma “ação valorizada”, porque vinha de uma indicação ao Oscar e estava no elenco do filme vencedor no ano anterior.

So que, após o lançamento do filme, a Marvel percebeu que o ator era seu principal ativo, quem dava mais retorno, o motivo principal que levava público aos cinemas, o que catapultou seu faturamento para os filmes seguintes (cachê básico fixo de 10 milhões de dólares por filme + participação na bilheteria):

  • Homem de Ferro (2008) ….. US$ 500 k
  • Homem de Ferro 2 (2010) … US$ 10 mi
  • Vingadores (2012) …………….. US$ 50 mi
  • Homem de Ferro 3 (2013) … US$ 50 mi
  • Vingadores 2 (2015) ………….. US$ 50 a 80 mi
  • Guerra Civil (2016) ……………..US$ 64 mi
  • Homem Aranha (2017) …….. US$ 10 a 15 mi
  • Guerra Infinita (2018) ………. US$ 75 mi
  • Ultimato (2019) …………………. US$ 75 mi

Já Terrence Howard nunca mais participou de outro filme da Marvel. Ele exigiu o dobro de cachê para participar da sequencia, 8 milhões de dólares. O estúdio, já percebendo que sua participação não agregava mais faturamento , fez uma contra oferta de 1 milhão por menor tempo em cena, obviamente para ser recusada. O ator Don Cheadle assumiu o papel de “Maquina de Guerra”nos filmes seguintes.

Esta é a última lição sobre o capitalismo desta fábula: para maximizar a margem, descarta-se custos e despesas dispensáveis, que não agregam valor ao produto. Em português claro:

Quem Lacra , Não Lucra.

Gui

Sou o Gui. Fiz arquitetura, pós em marketing, MBA em comércio eletrônico. Desde criança , quando adorava ler Julio Verne, eu gosto de explorar, descobrir novidades. Aqui no Papodeboteco vou conversar contigo sobre descobrir como podemos explorar nosso tempo livre.

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2 Comentários

  1. Excelente texto, Gui!
    Observação pertinente encerradas com leveza e “direta ao ponto”.
    Gostei do “Quem lacra, não lucra” pois quem lacra, perde o foco e o contexto maior das coisas.

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