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Caçador de marajás: uma resenha

As imagens coloridas e já meio desbotadas, embaladas ora pelos primeiros sucessos do rock nacional, ora pela ‘música sofrência’ — romântica, sertaneja ou ambas — nos transportam direto para o final do século XX. Bastam alguns segundos observando as roupas masculinas, sempre largas demais, e os penteados femininos com franjas volumosas e ousadas para não restar dúvida: essa estética brega-afetiva nos devolve aos gloriosos anos 80!

O documentário “Caçador de Marajás’, disponível na Globoplay em sete episódios, percorre essa década e sua ressaca, contando a trajetória do político alagoano desde a origem até o triunfo inesperado nas primeiras eleições diretas pós-ditadura, passando pelo início atribulado do governo e culminando no seu ocaso. Depoimentos de familiares, aliados, adversários, jornalistas e personagens da época, combinados com entrevistas históricas, constroem um retrato jornalístico de primeira linha. O filme não aponta o dedo — deixa os juízos para o espectador — mas organiza fatos e versões com rigor e parcimônia. As cenas se intercalam com narrações e trilhas sonoras que nos fazem voltar no tempo.

A disputa familiar que detonou o processo de impeachment é apresentada com riqueza de detalhes, com destaque para os depoimentos de Thereza, então cunhada do presidente, além de Pedro e Fernando Collor. Se há uma lacuna, talvez esteja na ausência de aprofundamento da aventura econômica do governo — o plano mirabolante na estreia e as subsequentes tentativas frustradas de domar a inflação não recebem tanta atenção. O recorte do documentário é claro: ele privilegia bastidores políticos, relações pessoais e o ambiente emocional da época.

Eu, por minha vez, atravessava a ponte entre adolescência e juventude. Em 1989,, com 16 para 17 anos, votei no primeiro turno em Guilherme Afif Domingos e anulei no segundo. Em 1992, já universitário em Campinas, vesti preto no domingo em que Collor pediu verde-amarelo e embarquei em um ônibus fretado rumo a São Paulo para a gigantesca passeata dos “caras-pintadas”, da Paulista ao centro da capital. Estive lá. Assisti à votação do impeachment em uma sala do Ciclo Básico da Unicamp, em plena temporada de provas — algo que, confesso, me custou alguns pontos nas notas do meio de semestre. Mas era impossível não se envolver.

Talvez essa nostalgia explique por que gostei tanto do documentário — pode ser que ele funcione ainda melhor para quem viveu tudo aquilo. Mas fica uma conclusão inevitável: a capacidade do Brasil de se meter em enrascadas vem de longe. Seguimos insistindo em acreditar em salvadores da pátria que nunca existiram, nem existirão.

** Minha nota para o documentário é 8 (Imdb 8.7). Particularmente para os nascidos a partir do início da década de 80, uma excelente oportunidade para visualizar um pouco daquela época.

Victor Loyola

Victor Loyola, engenheiro eletrônico que faz carreira no mercado financeiro, e que desde 2012 alimenta seu blog com textos sobre os mais diversos assuntos, agora incluído sob a plataforma do Boteco, cuja missão é disseminar boa leitura, tanto como informação, quanto opinião.

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