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O Cortiço: A Paris do Séc. XV e a CDD dos anos 1970 em uma estalagem carioca do Séc. XIX

Eu estava nessa semana pensando em fazer meu trabalho de conclusão de curso sobre os ecos de O Corcunda de Notre Dame, quando aparece na minha fuça a Rita Baiana, encantando a mim e a todos, dançando sensualmente até fazer o austero português Jerônimo perder a cabeça. A Rita é a própria cigana Esmeralda da obra de Victor Hugo, que também chega chegando na Paris medieval, e sua dança faz o padre Frollo pirar.

Rita, no caso, é de O Cortiço, obra-prima que todo mundo já conhecia menos eu. Que bom que tive de ler para a faculdade, eu amei essas estórias entrelaçadas de residentes de um cortiço do Rio de Janeiro do séc. XIX!

Esses pobres moradores trabalham duro mas têm vida simples e conformada, com momentos de diversão, de modo que a gente se apega fácil a eles. No entanto, não há heróis, os personagens vão aos poucos revelando seus instintos egoístas; ou animalescos, a metáfora mais usada. Daí que, com umas paixonites aqui, umas traições ali, umas discriminações maldosas lá e umas ambições sem limites acolá, os bem construídos conflitos vão escalando de uma forma cruel. O resultado reflete a tese do naturalismo, onde os fortes se adaptam e dominam e os fracos são eliminados impiedosamente.

Além do romance francês, o texto de Aluísio Azevedo me remeteu ao contemporâneo Cidade de Deus, pelo estilo de múltiplos enredos, pela amoralidade, pelos retratos da pobreza e do crime e pelo uso perfeito da oralidade do marginalizado carioca. Alguém já deve ter dito que o romance de Paulo Lins é O Cortiço do séc XX!

Por fim, o cenário – como quase um personagem – une as três obras. Mas se a Paris do séc XV e a Cidade de Deus dos anos 1970 estão em detalhes caprichados em seus romances, impressiona como a gente se sente totalmente dentro do cortiço do Azevedo. É uma coisa plena de sentidos, a gente sente o calor úmido, cheira os (maus) odores, ouve as músicas… E, claro, também se deixa seduzir pelas danças hipnotizantes da Rita Baiana!

Enfim, esse clássico da literatura absolutamente não envelheceu, poderia ter sido escrito hoje sem perder o frescor. Adorei conhecê-lo!

Vladimir Batista

Vladimir Batista é escritor, professor e cinéfilo. Após 25 anos trabalhando como engenheiro em multinacionais de tecnologia, resolveu abraçar sua paixão de infância pelas palavras e por contar histórias e segue carreira na área de Letras e Literatura. Gosta de filmes e livros de gêneros variados, atendeu a vários cursos e oficinas de roteiros de cinema, de série e de técnicas de romance e tem um livro publicado pela Amazon: “O Amor na Nuvem De Magalhães”. Vladimir é casado, vegetariano e “pai” de cachorros resgatados.

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