Opinião

A volta de Lula e a triste história de um país mal fracassado

Antes de tudo, gostaria de esclarecer sobre a expressão “mal fracassado”. Acho que foi criada por uma dupla de cantores e humoristas gaúchos absolutamente genial formada por Hique Gomes e Nico Nikolaiweski, que encenavam um espetáculo chamado “Tangos e Tragédias”. Numa entrevista com o Jô Soares (ver em https://www.youtube.com/watch?v=qLg5YMFQvQ8 ), eles usam a expressão para definir a história de sua pátria fictícia, a Sbórnia. Infelizmente a dupla acabou de forma triste, com a morte prematura de Nico em 2014, vítima de leucemia.

O próprio Jô fez piadas com o termo, e eu achei tão genial que uso até hoje em minhas aulas. A ideia é simples; um projeto pode ser bem sucedido (sucesso) ou mal sucedido (fracasso). Só que o fracasso, se for bem administrado, vai gerar aprendizado para um sucesso futuro. Como na frase abaixo;

“Eu errei mais de 9.000 arremessos na minha carreira. Perdi quase 300 jogos. Em 26 oportunidades, confiaram em mim para fazer o arremesso da vitória e eu errei. Eu falhei muitas e muitas vezes na minha vida. E é por isso que tenho sucesso” (Michael Jordan)

Tenho certeza que, a cada erro cometido, o gênio do basquete aprendeu alguma coisa e corrigiu. Isto eu chamo de “bem fracassado”. Agora, mal fracassado é aquele que erra, erra, erra e não aprende porcaria nenhuma.

O Brasil é o único lugar do mundo onde as pessoas dizem, com orgulho; o meu canalha é melhor que o seu!

Um dos melhores livros que conheço sobre a globalização foi escrito por um jornalista americano chamado Franklin Foer e chama-se “Como o futebol explica o mundo”. O livro foi lançado em 2004 e o autor explica como a globalização do futebol (representada, por exemplo, pela presença de jogadores africanos na Europa virando ídolos) mexeu com a cabeça de torcidas tradicionalmente racistas, e otras cositas más. Uma leitura muito agradável.

No Brasil, ele tentou entender como o país que produz os melhores jogadores do mundo tinha seus clubes e sua liga em situação de miséria. Na época o dirigente vascaíno Eurico Miranda estava no auge de sua influência. Ao assistir a uma coletiva de imprensa dele, Foer ficou impressionado com duas coisas; o poder quase divino de Eurico no seu feudo, e como um sujeito tão grosseiro e mal educado conseguia conquistar tantos admiradores.

Lá pelas tantas ele ouviu alguém dizendo, entusiasmado, algo do tipo; “Eurico é um canalha, mas é o nosso canalha!”. Foer não entendeu nada, é claro, porque o Brasil não é para qualquer um, mas eu entendo. Vale dizer que, de lá para cá o futebol brasileiro evoluiu como business; a adoção de um calendário mais racional e o uso de profissionais de administração levaram alguns clubes a se transformar em empresas fortes, o que se refletiu em bons resultados em campo, como é o caso de Flamengo, Palmeiras e Grêmio, por exemplo. A organização melhor proporcionou até a entrada de novos players no mercado, como a Chapecoense e agora o RB Bragantino. Já quem preferiu apostar no “nosso canalha” amarga o quarto rebaixamento no século. Eurico, Lula e Bolsonaro são farinhas do mesmo saco. E o destino de pessoas e instituições que acreditam cegamente neles é o fracasso.

Ganhar roubado é mais gostoso

A frase foi dita pelo então goleiro do Flamengo e filósofo ocasional Felipe, em 2014, ao final de um jogo decisivo em que o seu time derrotou o Vasco no último minuto, com um gol que, conforme a TV mostrou depois, foi feito em impedimento. Vale dizer que na época nem se sonhava com o VAR, ferramenta que no Brasil tem muitos detratores.  Tenho certeza que esta frase é a resposta mais assertiva ao velho questionamento de Cazuza, que pediu um dia; “Brasil, mostra a tua cara!”.

Felipe apenas traduziu em palavras uma cultura nossa que vai muito além do futebol; a fascinação por enganar o próximo. Por algum motivo, o inconsciente coletivo brasileiro não gosta de pessoas que trabalham, estudam, planejam, executam e atingem seus objetivos. O que dá brilho no olho é o grande golpe. Os mega-canalhas que desviam bilhões são ídolos da sociedade dos pequenos canalhas otários, capazes de contar com orgulho que estacionam na vaga de deficiente graças a um cadastro falso, compram recibos médicos falsos para descontar no imposto de renda, fazem “gato” de internet e outros.

Toda e qualquer investida que se faça contra a corrupção no Brasil esbarra, antes de tudo, nesta cultura. A Lava-jato é um bom exemplo. Por um momento ficamos todos abalados; imagina, um grupo de procuradores e juízes, movidos apenas por idealismo, fazer cumprir a lei contra os poderosos! Quem estes caras pensam que são, para contrariar 500 anos de impunidade histórica? Felizmente entrou em cena o STF, guardião das nossas melhores tradições, para tranquilizar a população; assim como no futebol, a culpa é do juiz. Sérgio Moro e sua turma são hoje odiados por boa parte da população, mesmo que as provas contra eles sejam ridículas, quando comparadas às que existem contra Lula e Bolsonaro.

Enfim, podemos dormir em paz; nada vai mudar. Não há o que aprender, nunca houve fracasso, muito menos corrupção. Lula é santo, Bolsonaro é mito. Não é qualquer país que tem a sorte de ter tão boas opções.

E o Reino de Bananas, habitado pelos Macunaímas, os preguiçosos que não aprendem nunca, viverá feliz para sempre.

Marcio Hervé

Márcio Hervé, 71 anos, engenheiro aposentado da Petrobras, gaúcho radicado no Rio desde 1976 mas gremista até hoje. Especializado em Gestão de Projetos, é palestrante, professor, tem um livro publicado (Surfando a Terceira Onda no Gerenciamento de Projetos) e escreve artigos sobre qualquer assunto desde os tempos do jornal mural do colégio; hoje, mais moderno, usa o LinkedIn, o Facebook, o Boteco ou qualquer lugar que aceite publicá-lo. Tem um casal de filhos e um casal de netos., mas não é dono de ninguém; só vale se for por amor.

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