ONU: o triunfo da mentira e do cinismo
De guardiã da paz a cúmplice do cinismo: o declínio da ONU diante do avanço autoritário
Lula, Trump, Netanyahu — não importa o espectro político: todo mundo tem queixa da ONU. Para a direita, a instituição foi capturada pelo esquerdismo woke, numa estranha aliança com o extremismo muçulmano contra Israel. Para a esquerda, o problema é o poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (três democracias e duas ditaduras), que sabotaria a vontade da maioria.
O problema está na qualidade dessa maioria e, claro, na efetividade das eventuais decisões. Diferente do cenário da fundação da ONU — quando as democracias eram maioria, com algumas ditaduras admitidas pelo seu peso geopolítico —, hoje a balança se inverteu: regimes autoritários dominam, em paralelo a um deslocamento do eixo econômico das democracias para autocracias em ascensão.
E aqui mais uma a contradição esquerdista na ONU: o mesmo espectro ideológico que, no Ocidente, se coloca como vanguarda da humanidade, defende que a vontade de uma maioria de regimes autoritários prevaleça sobre a minoria democrática. O que pode sair de bom disso?
Mas a situação degrada ainda mais. Para que as decisões majoritárias tivessem algum efeito prático, a ONU precisaria de meios eficazes de pressão sobre nações soberanas. Como impor algo a regimes autoritários?
Pela força, com os “capacetes azuis”, já ridicularizados no meio militar pela falta de combatividade? Óbvio que não. Restariam as sanções comerciais, único recurso pacífico capaz de gerar algum tipo de pressão. Só que até esse mecanismo está sendo corroído pelo eixo das ditaduras emergentes. Os sancionados firmam acordos entre si, e ganham ainda mais fôlego com a ascensão dos BRICS e o fenômeno da desglobalização — ironicamente, agora apoiada pelos EUA, em contraponto à China, a maior beneficiada do comércio sem fronteiras.
O que sobra para a ONU? Apenas um palco de discursos, que é o que de fato tem sido, sobretudo nas últimas duas décadas. Ainda assim, sua existência poderia se justificar: melhor um fórum falho do que ausência total de debate. O problema é que nem mesmo esse “debate” tem relevância prática.
O que esperar, se delegações inteiras — inclusive a brasileira — se ausentam do plenário para não ouvir o outro lado?
Num debate sério, seria difícil confrontar o discurso de Netanyahu. Mais cômodo, porém, é jogar para a torcida, pagando pedágio ao consenso esquerdista contra Israel — ainda que, nos bastidores, muitos desses países torçam para que a única democracia do Oriente Médio siga funcionando como muralha contra o extremismo islâmico que corrói o Ocidente por dentro, além de continuarem a recorrer aos serviços de inteligência israelense no combate a células terroristas em seus próprios territórios.
Também num debate sério, seria inevitável a indignação diante das declarações cínicas dos representantes russos que, pasmem, se dizem fiéis aos princípios fundadores da ONU de “respeito às fronteiras nacionais” e “promoção da paz entre as nações”. Pois é: a Rússia, a nação mais imperialista da história, que todos os dias mata civis deliberadamente na Ucrania, que incorporou povos e etnias diversos, que respira guerra, que vive da indústria da guerra e ameaça o mundo com uma catástrofe nuclear frequentemente!
Nesse caso, porém, a maioria dos boicotadores de Israel ouviu atenta — e, claro, não esboçou reação diante da coletânea de mentiras ali proferidas.
Sim, a ONU precisa ser reformada. Mas, para isso, as democracias deveriam se unir na defesa dos princípios que a fundaram — algo cada vez mais difícil diante da abdicação dos EUA de Trump de seu papel de liderança das democracias liberais.
Até quando durará o suicídio ocidental? Eis a grande questão.