Opinião

Apatia ampla, geral e irrestrita

Já escrevi algumas vezes sobre a estarrecedora guinada do Reinaldo Azevedo à esquerda. No lugar dele, confesso, preferiria mudar de profissão a ter que defender com unhas e dentes tudo aquilo que passei anos criticando. Mas é preciso admitir: ele foi o primeiro a perceber o perigo da radicalização bolsonarista.

Embora a data oficial da virada de chave seja a operação que o flagrou numa conversa muito “descolada” com a irmã do Aécio Neves, lembro bem do dia em que ele traçou, no antigo Pingos nos Is, a linha divisória entre ele e o bolsolavismo nascente. Com a arrogância peculiar dos muito inteligentes, dispensou a audiência que passou a chamar de “direita xucra”. Daí a se tornar um dos articuladores do conchavo que resultou na guinada do STF para soltar Lula foi apenas questão de meses.

Por que essa digressão? Porque, nesta semana, mais uma vez me surpreendi com a capacidade bolsonarista de atirar no próprio pé e, claro, ressuscitar o PT. Refiro-me à PEC da Blindagem, que deu ao PT — vejam só! — o discurso anticorrupção (!!!), e à obsessiva, porém natimorta, PEC da Anistia, que não só energiza ainda mais a militância petista, como reforça a aliança entre PT e STF.

Até então, eu achava que o ápice da humilhação bolsonarista seria a condenação certa de Bolsonaro. Mas eis que tive de assistir, vejam só, Renan Calheiros posando de arauto da virtude e acusando a manobra bolsonarista de “blindagem de corruptos”!!!

Fiquei pensando com meus botões: e se o PT tivesse realmente entrado em campo pelo impeachment de Bolsonaro no pós-pandemia? Será que teríamos vivido todos os lamentáveis episódios que culminaram no 08/01? Se Mourão tivesse assumido, quem estaria hoje na presidência?

Foi então que despertei do devaneio acompanhando uma discussão política sobre a próxima eleição, concluindo que, infelizmente, o fanatismo bolsonarista está longe de ser sepultado. Pelo contrário: tende a se radicalizar ainda mais. E aí, quem ganha sobrevida é o PT.

Para esse núcleo duro, que torce o nariz para Tarcísio por considerá-lo parte da “direita permitida”, vale inclusive o voto nulo que tanto criticaram no “isentão” da última eleição — só que agora por pirraça. Ou seja: esse poço não tem fundo. Se aparece uma casca de banana do outro lado da rua, o bolsonarismo atravessa para escorregar.

O padrão se repete sempre. O bolsonarismo traça uma nova linha divisória. Quem discorda do novo limite é imediatamente tachado de traidor e sujeito ao expurgo — o velho assassinato de reputação copiado da cartilha petista. Assim, reduzem a própria base de apoio, mas sempre sob um patamar mais radical de “fidelidade ao mito”. No final, o Bolsonaro sempre arrega, enquanto a militância procura uma nova desculpa pra nova brochada do imbrochável. Foi assim com a pauta anticorrupção, que terminou na fritura de Moro e no acordão das rachadinhas, simbolizado no abraço entre Bolsonaro e Toffoli. Foi assim com a recusa em negociar com o Congresso, que acabou no orçamento entregue ao centrão. Foi assim com a pauta liberal na economia, que mal avançou e, no último ano de mandato, abriu espaço para a gastança — o bastante para o PT resgatar o velho discurso da “herança maldita”. E teria sido assim com o STF, se Moraes tivesse topado.

Sobrou ao bolsonarismo posar de vítima, um papel muito aquém do capitão antissistema que preferiu o caminho suicida de brigar com todos ao mesmo tempo, apesar dos vários alertas desde Bebiano. O saldo: uma coleção de frases icônicas como “eu acabei com a Lava Jato”, “eu sou do centrão” e o constrangedor charme de tiozão de churrasco lançado sobre o próprio carrasco, Alexandre de Moraes, a quem chegou a convidar para compor sua chapa em 2026.

Como explicar que os bolsonaristas continuem fiéis a um líder covarde, disposto a rifar todos ao seu redor — inclusive os presos do 08/01 e até o próprio país — apenas para escapar da cadeia?

Com a palavra, os bolsonaristas. Da minha parte, só poso expressar minha apatia ampla, total e irrestrita a eleição de 2026, que, ao que tudo indica, vai levar o PT a mais um mandato.

Amilton Aquino

Formado em jornalismo pela UFPE, acompanhou boa parte da história da evolução da Internet, de blogueiro a programador. Hoje divide seu tempo entre a programação e gestão de um grande sistema educacional do Nordeste. E, nas horas vagas, dá uns pitacos nas redes sociais sobre política, geopolítica e economia.

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