Aceita um cafezinho?

Porque é caro. Simples assim. Foi o único motivo que me levou a pagar R$ 90,00 por uma caixinha de 5 cápsulas do Nº20, mais recente lançamento da Nespresso. Pior. Comprei DUAS caixas: sabe como é, edição especial, sazonal, limitada … o marketing da escassez ativou em cheio meus neurônios dopaminérgicos.

Mas, vamos dar um fast rewind (crianças, pesquisem no Google) para contextualizar este artigo…

Aqui no Papo de Boteco eu assumi a editoria de amenidades e entretenimento. Escrevo sobre aquelas coisas que gostamos de fazer no momentos de lazer, nas pausas para os cafezinhos, entre um e outro assunto sério. Basicamente, meus amigos escrevem sobre como ganhar dinheiro e eu sobre como gastar. Mas, estamos no Brasil: aqui café é assunto sério! Quer dizer, deveria ser … não chegamos ao grau de evolução dos italianos mas, deixa pra lá, estou targiversando…

O fato é que eu deixei zerar meu estoque de cápsulas da Nespresso e tive que encomendar um lote novo desta maravilha da tecnologia da vida moderna para minha maravilha de cafeteira de design retrô … foram 20 sleeves nesta belezura de caixa, classificadas por ordem de intensidade, para TOC nenhum botar defeito:

Só que eu não me contentei apenas com estas 20. Bastaria uma extravagância como estas 2 caixas de Unforgettable Espresso, uma “aromática viagem pela America Latina inspirada num trem da Belmond“, ou algo parecido … mas não, meus caros colegas viciados em cafeína, eu tive que comprar mais 2 caixinhas, porque a Nº20 estava lá, flertando pra mim, dando mole, toda oferecida, seduzindo-me com seus truques … já, já chegaremos neles…

Antes, sejamos honestamente racionais: Café é meramente uma commodity.

Commodities é como são chamadas aquelas coisas sem nenhum glamour que, nestas terras de Pindorama, em que se plantando tudo dá, o país exporta pra conseguir fechar as contas externas no fim do ano. É Freudianamente demonizado pelas mirians leitão da vida como “O Agro”, uma entidade onisciente, onipresente e onipotente, tipo assim como seu primo-irmão farialimer, “O Mercado”.

Ao contrário dos produtos manufaturados, commodities tem a peculiaridade que seus preços são definidos por fatores diversos, nunca pela vontade expressa nem dos produtores, nem dos consumidores. Em 2024, por exemplo, rolou um aumento de 100% no preço por conta da quebra de safra no Brasil e no Vietnã. Assim, em 30/12/2024 a cotação da saca de 60 quilos do café tipo arábica, na bolsa de New York, estava em R$ 2.228 e para contratos futuros, com entrega em março de 2025, estava em R$ 2.628.

Sim, commodity é algo tão básico e primário que, em pleno século XXI, sua unidade de medida é a “Saca de 60 quilos“…

Só que, em 1996, a Nestlé patenteou o processo de produção de café expresso em cápsulas, concebido a partir de uma idéia disruptiva que o engenheiro Eric Favre teve em 1976, quando visitou um bar de espresso italiano, e mudou para sempre a maneira de tomarmos café …


Mudou o jogo, mudou a métrica, mudou o modelo de negócio e criou a maior margem de lucro com valor agregado desde a invenção da cocaína ou dos cartuchos de impressoras jato de tinta…

Esta margem de lucro não caiu no colo da Nestlé. Sim, eles tiveram durante décadas a patente de um baita produto e sacaram a necessidade que o consumidor ainda nem sabia que teria. Perceberam que o lucro está nas cápsulas, e por isso vendem as máquinas a preço de custo, para ampliar a base de consumidores, com uma barreira de entrada o mais baixa possível. Mas, o maior mérito vai para o marketing que, nestes quase 30 anos, continuamente renova o desejo no consumidor, para manter o market share mesmo após a queda da patente desta tecnologia.

A Nespresso cria narrativas … story-tellings … as velhas e boas embromations, como esta maravilha aqui:

Estas embromations conseguem fazer que paguemos, com satisfação, mais de R$ 3,00 por cada cápsula de 5 gramas. Eu vou tentar fazer a conta da margem de lucro sem pedir ajuda pro meu amigo Marcelo Guterman, engenheiro que virou suco no mercado financeiro. Se eu errar , a culpa é dele, que não adivinhou que eu precisava de ajuda.

Uma saca de 60 quilos “equivale”, numa conta de padaria, a 12.000 cápsulas de 5 gramas. Se a saca vale R$ 2.628 reais e 12.000 cápsulas de 3 reais custam R$ 36.000, a margem de lucro é de … 1.400%, Marcelo ?

Só que não … 1.400% de margem ainda não era o suficiente … durante algum brainstorm na sede em Lausanne, olhando os cafezais pela janela, algum gênio teve a seguinte idéia:

e se a gente botasse a venda uma cápsula que ao invés de R$ 3,00 custasse US$ 3.00 cada? Tipo assim uma Ferrari , Louis Vutton ou um Cartier dos cafés? Atingiríamos aquele nicho de mercado dos pobres que gostariam de ter nascido ricos, mas não tem grana para comprar uma Ferrari, e teriam sua necessidade dopaminérgica de satisfação saciada por … apenas 18 reais!

Esta é uma suposição hipotética, claro: afinal de contas, a Suiça não tem um único pé de café! Já todo o resto …

Todo dia, um esperto e um otário saem de casa. Quando se encontram, fecham negócio. Só precisa do storytelling ideal . Não chame de “caro“, chame de … “precioso“…

E se, além do storytelling, você aprende com a Apple que até mesmo a embalagem de um iPhone faz parte da “experiência do consumidor”, e embrulhar as 5 cápsulas (sim, 5, porque usar o tamanho padrão de 10 unidades não iria rolar: nem o melhor otário pagaria R$180,00 de uma vez por uma caixa de café …) numa jóia de design como esta …

Para calcular esta margem de lucro inflacionada, eu precisaria de alguem com conhecimentos avançados de macro-economia e gosto refinado. Felizmente, temos esta pessoa aqui mesmo, no Papo de Boteco, Cleveland Prates. É ele que você tem que culpar se meu próximo cálculo estiver errado.
1 saca de 60 quilos a R$ 2.628 rende 12 mil cápsulas a R$ 18 cada, que dá um total de R$ 216.000 , margem de lucro de cocainômacos 8.000 % !!!

Está vendo agora porque brasileiros são pobres e suiços são ricos?

Pra fechar, a pergunta que não quer calar:

Afinal de contas, este café vale tudo isto???

Não tenho a menor idéia: Não provei nenhuma cápsula!!!

Estou pensando em fazer como aqueles vinhos de guarda, reservados para comemorações de ocasiões especiais, como casamento da filha ou falecimento de presidentes indesejados…

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