Don’t panic: O Guia do Mochileiro da COP26 (ou A Resposta para Tudo é 1,5ºC)

Semana passada, a revista Veja publicou a reportagem Por ‘ansiedade climática’, os jovens estão optando por não ter filhos, com exemplos de comportamento como o relato de um casal de brasileiros que mora na California, 23 e 24 anos, Geração Z raiz, que entre os diversos fatores que levam em conta na vida sustentável a dois que pretendem levar, inclui: “Tentamos fazer nossa parte. Nós nos tornamos veganos e não queremos ter filhos, pois sabemos que isso aumentaria a pegada de carbono e contribuiria para o colapso mundial. Se em algum momento quisermos ser pais, pretendemos adotar. Assim estaremos ajudando não só o planeta como também a criança”.

VIDA A DOIS – Casais em parque de Nova York: as novas gerações têm receio de se tornar pais – Alexi Rosenfeld/Getty Images

Parece piada, colocar a preocupação com o clima acima do desejo biológico (ou religioso), do Crescei e Multiplicai.
Mas, este tipo de receio preocupa 48% dos jovens brasileiros.
E 43% dos australianos.
E 38% dos britânicos.
E 37% dos franceses.
E 36% dos americanos.

E, o mais engraçado nisso? Eles estão certos!
Já, já, conto porque… siga o post!

Teoria Populacional Malthusiana:

A população do planeta permaneceu mais ou menos estável durante mil anos. A seguir, teve um período de crescimento marginal até 1800. E, vive 220 anos de crescimento exponencial, desde então.

Em 1850, a população mundial era de 1,262 bilhões de pessoas. Hoje, 8 bilhões. Um aumento de 400%.

A “Ciência” no século 19, na figura de Thomas Robert Malthus (17661834), afirmava que a explosão demográfica inevitavelmente resultaria na fome como grande flagelo para a humanidade. Resumidamente, pregava que a população crescia em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos crescia em progressão aritmética. No limite, isso acarretaria uma drástica escassez de alimentos e, como consequência, a fome. Portanto, inevitavelmente o crescimento populacional deveria ser controlado.

O intenso crescimento populacional de 1800 até hoje se deve à vacinação e campanhas de saúde pública que reduziram doenças nos adultos e mortalidade infantil. Este processo, conhecido como transição demográfica, se caracterizou pelo declínio das taxas de mortalidade e fecundidade, com mais pessoas vivendo por mais tempo e menos crianças nascendo. A expectativa de vida aumentou em mais de 20 anos nas últimas cinco décadas.

Outros fatores foram a redução do número de filhos por mulher decorrente do uso de métodos contraceptivos; o tratamento de água; a incidência dos surtos de fome que vêm diminuindo em muitos países graças à revolução tecnológica no setor agrícola e o maior acesso aos serviços de educação e tratamentos médicos e remédios eficientes.

Atualmente, a população mundial de 8 bilhões de pessoas se divide conforme a seguinte pirâmide etária:

Os jovens que citei no primeiro parágrafo deste post pertencem aos 3,75 bilhões da soma dos millenials com os da geração Z, e raciocinam:

Uma criança a menos no planeta contribui para reduzir o nível médio de CO2 na atmosfera em 58,6 toneladas por ano, mais do que outras três opções: viver sem carro (menos 2,4 toneladas), evitar viagens aéreas (menos 1,6 tonelada) e adotar uma dieta vegetariana (menos 0,8 tonelada).

Eles já começam errando por extrapolar a partir de dentro de sua bolha, sem entender que o resto do mundo não vice como eles: optar por não ter um filho em um país desenvolvido economizaria 58,6 toneladas por ano. Em países menos desenvolvidos, a pegada de carbono é muito menor, como o gasto por uma criança em Malawi: não mais do que 0,1 toneladas.

Estes jovens, preocupados com ecologia, meio ambiente, mudanças climáticas e o futuro do planeta, tem grande parte de seus representantes mais ativistas e militantes ecológicos vivendo nos degraus mais altos da Pirâmide de Maslow: Suas necessidades fisiológicas e de segurança já estão atendidas e garantidas, portanto se permitem focar sua atenção em aspirações mais altas, como a preocupação com o clima do planeta em 2050.

Tão modernos, tão millenials … só que se comportam como a versão hipster dos malthusianos do s´´éculo 19: Lêem os números passados e atuais, extrapolam para um futuro inevitavelmente apocalíptico a partir da realidade atual e entram em pânico, esquecendo a característica número 1 do Homo sapiens, que nos tornou a espécie dominante no planeta:

A capacidade humana de adaptação às novas situações e criação de inovações necessárias.

A temida teoria populacional malthusiana, que citei acima, simplesmente não se confirmou, porque em resposta ao desafio aconteceu a Revolução Verde : Intensiva utilização de sementes geneticamente alteradas (transgênicas), uso de novos fertilizantes e defensivos agrícolas, desenvolvimento da mecanização e tecnologia no plantio, irrigação e colheita, proporcionou um significativo aumento na produção agrícola a partir da década de 1960 no EUA e na Europa e, nas décadas seguintes, em outros países. Hoje, o volume de alimentos produzidos no mundo é suficiente e tem margem para crescer ainda mais, mesmo com a população atual sendo 400% maior do que era em 1850.

Vamos voltar a falar do Acordo de Paris …

No meu post Tudo que você não sabia que queria saber sobre a COP26 (Ou, “Carro elétrico , você ainda será obrigado a ter um…”), descrevi em linhas gerais o que será discutido na COP26, principalmente que a cúpula é o passo seguinte necessário para a implementação das metas definidas no Acordo de Paris, em que não foram detalhados cursos de ação sobre como o mundo alcançaria o objetivo principal do Acordo :

Alcançar, até 2050, o balanço de carbono neutro e manter um aumento de temperatura global máxima de 2,0ºC, de preferência 1,5ºC, em relação à 1850.

Por que 1850?

Por ser o ano a partir do qual se iniciou a revolução industrial, com o início da aceleração de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, conforme o gráfico abaixo.

Uma análise feita pela Carbon Brief sugere que a pandemia de covid19 iniciada em 2020 pode ter causado um corte de emissões da ordem de 2 bilhões de toneladas de CO2 (BtCO2) ano passado. Essa estimativa é equivalente a 5,5 % do total global emitido em 2019.
Já a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) prevê um impacto maior, sugerindo que as emissões de CO2 poderão cair 8% nesse ano, cerca de 2,6 BtCO2. Esses cenários indicam que a redução desse ano seria 6 a 8 vezes maior que a observada na última recessão global.

Eles estimaram que, para manter o planeta no “caminho certo” e mantermos o aquecimento global abaixo do limite de 1,5°C até o final do século, o mundo precisaria que essa taxa de redução de emissões se mantenha. Citam:  “… a redução observada nesse ano é o tipo de redução que precisamos todos os anos para atingirmos zero emissão em 2050…”

Sim, você leu certo. Os impactos provocados pela pandemia na diminuição das atividades econômicas, circulação de pessoas, suspensão de aulas, desemprego, aumento da pobreza, óbitos foram comemorados como um bem para o planeta.

foram comemorados como um bem para o planeta???!!!

Mais um pouco de eco-história: Olhando com detalhamento a curva de emissão de CO2 de 1900 para cá, notamos que os breves períodos de diminuição de emissão do gás (Viva!!!) coincidiram com momentos de crises mundiais, que impactaram na economia e na qualidade de vida da população mundial.

Algumas linhas acima, escrevi que aqueles jovens que sofrem de ansiedade climática estavam certos em sua decisão de não querer ter filhos. Compare as duas curvas, de crescimento populacional versus a de emissão de CO2, nos últimos séculos :

Tripé da Sustentabilidade:

Em 1994, John Elkington criou o Triple Bottom Line ou Tripé da Sustentabilidade. O método incorpora a visão ecológica de uma empresas com base em três princípios: People (Pessoas), Planet (Planeta), Profit (Lucro), também conhecido como os 3Ps da Sustentabilidade. 

Vou me apropriar deste conceito para expôr a minha opinião sobre a COP26. Só trocando Profit (lucro) por Atividade Econômica.

É aqui que as 3 abordagens se cruzam.

A População vêm aumentando numa escala exponencial (400% de 1850 até hoje).
Fato.
O Planeta tem sofrido aumento exponencial da emissão de gases poluentes.
Fato.
A População tem suas demandas atendidas pela Atividade Econômica, através dos processos produtivos que geram poluição e consumo dos recursos naturais do Planeta.
Fato.

Preservação ambiental versus crescimento populacional e econômico sempre serão incompatíveis, em maior ou menor grau. Sempre. A tecnologia pode reduzir o grau de emissões, ou até mesmo criar soluções ambientalmente sustentáveis, mas serão mais caras, ou atenderão menos pessoas, que as atuais.

A “ciência climática” prega que o planeta precisa retornar ao nível de emissão de carbono de 1850, mesmo com bilhões de pessoas a mais no mundo e com todas as novas demandas atendidas pela tecnologia, indústria e alimentação de 2021, não as que existiam em 1850.

Esta conta, simplesmente não fecha. Gente polui. Viver polui. Mais gente vivendo mais polui mais. Ponto.

Os organismos multilaterais e governos de países desenvolvidos têm forçado as empresas a implementar uma transição rápida para o mundo verde. Do lado privado, a mudança no comportamento do consumidor de países ricos e o ESG também forçam na mesma direção.

Resumindo, a maior pressão vêm basicamente do mesmo público: eleitores ou consumidores millenials e da geração Z de países ricos . Contraditoriamente se dizem preocupados com “o mundo que deixaremos para nossos filhos e netos” ao mesmo tempo que evitam ter filhos hoje e fecham os olhos para as consequências que seus desejos resultarão para os habitantes atuais do planeta. Sendo cruelmente direto ao ponto:

Acham a biosfera do planeta, sua fauna e flora, mais importantes do que os seres humanos que o habitam.

Preservação do meio ambiente“, para os bilhões de miseráveis dos países mais pobres e super-populosos do mundo atual, não é manter a temperatura em 1,5ºC a mais do que em 1850. As pessoas que vivem no limite da sobrevivência não saberem ou darem importância para isso é mais do que compreensível. Não se pode esperar que quem não tem onde morar nem sabe como se alimentará amanhã se preocupe com o futuro da vida humana no planeta ou com os desastres climáticos.

Eles precisam ter saneamento básico hoje, despoluir os rios fétidos que atravessam suas cidades hoje, limpar e coletar o lixo de suas ruas hoje, ter energia e matéria prima para produzir bens de consumo que lhes faltam hoje, construir moradias dignas hoje. Ter áreas de agricultura e pecuária produzindo alimentos para os bilhões de pobres asiáticos, africanos, latino-americanos, por um custo que eles consigam pagar. Hoje.

Os ambientalistas argumentam que este é um preço baixo a pagar para salvar a humanidade da catástrofe das mudanças climáticas. Mas, não são os ambientalistas da ONU que pagam este “imposto verde”. Ao contrário dos pobres no Brasil e em países subdesenvolvidos, a população de países ricos pode se dar ao luxo de pagar mais caro. Pirâmide de Maslow, Lembra?

Os barulhentos ativistas ecológicos acampados em Glasgow, do lado de fora da COP 26, ao redor de sua profeta do apocalipse Greta Thunberg, temem o fim do mundo porque vêem as mudanças climáticas e os eventos extremos … acreditam piamente na ciência que crava que “a culpa é do aquecimento global” … olham para si mesmos e, neste espelho, não enxergam o que fez a humanidade chegar até aqui, repito, como a característica número 1 que nos tornou a espécie dominante no planeta:

O alarmismo ambiental despreza a capacidade humana de se adaptar e resolver problemas.

Citação do ativista climático Michael Shellenberger, em seu livro “Apocalipse Nunca”

Voltando a falar da COP26:

Imagine um prédio de 20 andares, que não têm relógios de consumo de água e eletricidade individualizados por apartamento. O prédio tem as seguintes características:

A COP 26 é a reunião de condomínio deste prédio

Segundo a organização da COP26, os 4 pilares principais da cúpula são:

Vou reproduzi-los abaixo, como já os listei anteriormente em Tudo que você não sabia que queria saber sobre a COP26 (Ou, “Carro elétrico , você ainda será obrigado a ter um…”), só que acrescentando aos objetivos listados em cada pilar observaç˜ões que, se fosse numa reunião de condomínio daquele prédio, seriam feitas ao síndico, sobre as contradiç˜ões na maneira como esses objetivos podem ser alcançados e suas consequências na vida real das pessoas.

Mitigação:

Atualização das metas de redução até 2025 e 2030 de emissões de gases de efeito estufa (GEE) de cada país visando atingir balanço de carbono neutro até 2050 através da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)

Estabelecer data limite para acabar com o uso de carvão como fonte de energia em grande escala. Estimular investimentos em energias renováveis (solar, hidroelétrica, eólica, etc.)

Estabelecer período de transição para que todas as vendas de veículos novos sejam de zero emissões, como elétricos alimentados por energia proveniente de fontes renováveis

Reduzir as emissões de metano, gás com 21 vezes o poder de aquecimento do dióxido de carbono

Acabar com o desmatamento até o final da década e recuperação de áreas desmatadas, já que as florestas desempenham um papel crucial no sequestro de carbono da atmosfera

Adaptação:

Estabelecimento de medidas a serem adotadas para adaptar e proteger, com urgência, as comunidades e os ecossistemas que já estão sendo afetados pelas mudanças do clima

Ações para capacitar e incentivar os países afetados pela mudança climática a proteger e restaurar os ecossistemas, implementação de sistemas de alerta e adaptação da infraestrutura e agricultura para tornarem-se mais resilientes, a fim de evitar a perda de moradia, meios de subsistência e vidas

Ações para enfrentar as consequências de eventos climáticos extremos (intensas ondas de calor; períodos prolongados de seca; enchentes causadas por chuvas torrenciais; maior ocorrência de ciclones, tufões e furações; incêndios florestais)

Finanças:

Regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris, sobre o mercado global de créditos de carbono

Implantar o valor combinado no Acordo de Paris de US$ 100 bilhões anuais, que as nações ricas concordaram em transferir para os países em desenvolvimento com o objetivo de reduzir as emissões de combustíveis fósseis, aumentar o sequestro de carbono e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas

Viabilizar o financiamento necessário para garantir o balanço de carbono neutro, com o financiamento subsidiado para o desenvolvimento de tecnologia, pesquisas e inovação visando uma economia verde e resiliente ao clima. 

Subsídios voltados para eletrificação da frota de veículos e aumento das fontes de energia renováveis

Colaboração:

Finalização do Livro de Regras Detalhadas do Acordo de Paris, que o tornem operacional, com engajamento entre governos, empresas e sociedade civil:

Integração entre a recessão global causada pela pandemia e as questões climáticas urgentes, para que o mundo aproveite a janela de oportunidade de recuperação econômica que leve em consideração os desafios ambientais, numa base verde e ecologicamente sustentável ( a iniciativa European Green Deal, proposta pela Comissão Européia, pode se tornar um case de paradigma a ser usado como benchmark )

Para finalizar, vou adaptar uma citação do meu amigo Marcelo Guterman, colega daqui do Papo de Boteco :

Essa discussão sobre aquecimento global é como falar sobre desigualdade de renda: Todo mundo concorda que algo precisa ser feito, cobra dos governos alguma atitude, mas ninguém quer se mover um milímetro do seu lugar. O problema são sempre os outros.

Capa do livro best-seller de ficç˜ão cient´ífica, que inspirou o t´ítulo deste artigo
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