Caindo na real

O governo Bolsonaro, com as feições da sua eleição, terminou. O flerte com os gastos sociais, visando as eleições, virou caso sério. Quais serão as consequências?

Há poucas semanas o presidente do Fed e o secretário do Tesouro norte-americano declararam ao Congresso norte-americano que o país precisa de estímulos fiscais para dar suporte à retomada pós-covid. Disseram com todas as letras que nem todas as firmas sobreviverão com programas de empréstimos e que seria necessário um suporte fiscal direto.

Imaginem o PR Bolsonaro assistindo a isso nos EUA enquanto vira-se para o Guedes ou lê algum economista do mercado financeiro e ouve que o Brasil se recuperará com uma política de austeridade fiscal e que aprovando as reformas estruturais o investimento privado será suficiente para impulsionar a economia. Deve pensar, será que acreditam mesmo que o Brasil está tão melhor que os EUA? Para tirar a dúvida ele dá uma olhada na Europa, China e outros países mais desenvolvidos que o Brasil e vê todos a executar e aprovar pacotes de estímulos. Como gosta dos governos do período militar ele lembra lá dos idos dos anos 1970 quando algum ministro mais afoito dizia que o Brasil era uma ilha de prosperidade num mundo em recessão. E, também, se recorda que acabou mal.

Pode-se dizer tudo do Bolsonaro, mas não que ele seja um tonto. Já percebeu que o Guedes não tem, com suas ideias originais, como entregar o crescimento prometido até as eleições. Viu também o impacto do auxílio emergencial na economia e, mais importante para ele, nos seus índices de popularidade. Portanto, é razoável pensar que por bons (estímulo econômico contracíclico) ou maus (populismo eleitoreiro) motivos teremos alguma versão de uma renda básica após o fim do auxílio emergencial. A questão que se coloca é como fazer uma omelete sem quebrar os ovos.

As alternativas

O mercado financeiro já deu o seu recado. Até LFTs, que não carregam risco de taxa de juros, foram negociadas nos últimos dias com deságio, o que não se via desde o receio com a eleição do Lula em 2002 e proeza que nem a Dilma conseguiu. Portanto, simplesmente pisar no acelerador seria uma manobra digna dos nossos “hermanos” do sul, tão vilipendiados pelo eleitorado bolsonarista. O alto endividamento público não dá espaço para aventuras inconsequentes. Sobra compensar o gasto adicional com cortes de despesas ou com aumento de impostos.

A conta é na dezena de bilhões, portanto, o corte de gastos não pode se restringir à perfumarias. O presidente já avisou que não aceitará “tirar dos pobres para dar aos miseráveis”, logo os alvos preferenciais ficariam de fora. Cortar isenções dos ricos, o alvo seguinte, é improvável. Historicamente se safam dessas circunstâncias desagradáveis.

Por exclusão, a saída seria aumentar impostos. Todos lamentarão, mas o motivo é nobre, dar dinheiro para os pobres. Os tais milhões “recém descobertos”. O mercado financeiro não gostará de furar o Teto de Gastos, mas está mais preocupado com a sustentabilidade da dívida pública. Resmungará, mas aceitará. Os empresários ficarão satisfeitos com a perspectiva da continuidade do surpreendente boom de vendas no comércio e seguirão o mesmo caminho. Talvez ainda levem um agrado, alguma nova isenção. Assim, feito o teatro, todos “à contragosto” apoiariam a medida.

Entretanto, qual seria o imposto? Afinal quem for pagá-lo reclamará e, se for um grupo poderoso, pode melar o arranjo. O crime perfeito se dá com a CPMF, travestida num nome bonito e enganoso, digamos “imposto digital”. Ela parece pequena, mas tem um poder arrecadatório enorme, impacta as longas cadeias produtivas industriais, mas pouco transparente, mal é notada. O prejuízo é difuso. O pobre paga a maior parte da conta sem saber, pois os bens industriais pesam mais no seu orçamento do que para os demais que consomem mais serviços. Ao final, a história se repete, inclusive o prejuízo à competitividade industrial, pois a cumulatividade é fatal.

Ainda há tempo para evitar esse desfecho, mas o tempo é curto e os interesses a favor são vários.

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