Durante meu curso de mestrado em Gestão Ambiental, entre 2017 e 2020, conheci um sistema de modelagem dinâmica chamado “Felix3” (quem tiver curiosidade, ver https://github.com/iiasa/Felix-Model/blob/master/Felix3_ModelReport.pdf). A proposta básica é verificar e prever os possíveis impactos de alguns fatores sobre o futuro do planeta em diversas áreas (população, alimentos, água e outros).
A modelagem foi feita a partir de informações coletadas (histórico) e estabelecimento de diversos parâmetros de forma a tentar medir, com a maior precisão possível, qual o impacto de cada um deles para que a situação atual fosse atingida. A partir daí, são considerados dois cenários; um é que tudo continue do jeito que está (“Business as Usual”) e outro supondo mudanças, sejam políticas, comportamentais, tecnológicas ou de qualquer outra espécie.
Na época, em um trabalho do curso, fiz uma análise do fator “Crescimento Populacional” e cheguei a algumas conclusões que vou resumir aqui.
1 – O crescimento populacional descontrolado é um fator importante de degradação ambiental
A população do planeta duplicou nos últimos 40 anos. É como se fosse um apartamento onde moravam quatro pessoas e agora moram oito. Considerando uma equação em que o número de pessoas hoje é igual ao número que existia ontem, somado aos que nasceram hoje e subtraídos os que morreram, fica claro que temos muito mais nascimentos do que mortes. A expectativa de vida das pessoas aumentou, graças aos avanços na medicina e melhor qualidade de vida. Isto é uma boa notícia, por um lado, mas ao mesmo tempo está quebrando os sistemas de previdência e saúde no mundo todo. Um algoritmo de IA, sem emoções, diria que a solução seria extinguir os velhos, ou diminuir os nascimentos. É claro que a primeira hipótese é criminosa (estou advogando em causa própria). Restou controlar a natalidade. O planejamento familiar, mesmo não oficial, ocorre em alguns países que, não por coincidência, são os lugares onde as coisas estão bem melhor.
A partir de agora vamos propor alguns exercícios matemáticos simples, tentando demonstrar a minha tese.
2 – Exemplos práticos
2.1 – China e a política do filho único
Em 1972 o ditador chines Mao Tse Tung estabeleceu a chamada “política do filho único”, que impedia os casais de terem mais de um filho. Não suporto ditaduras nem ditadores, nem vou defender uma arbitrariedade destas, mas é difícil discutir com o resultado final. O quadro abaixo mostra uma comparação entre as populações do Brasil e da China, no período entre 1975 e 2015 (eram os dados que eu tinha na época em que fiz o trabalho. O número de habitantes está expresso em milhares de pessoas).
Pop. China | Pop. Brasil | Pop. Mundo | % China | % Brasil | |
1975 | 908.590 | 107.135 | 4.008.989 | 22,66 | 2,67 |
2015 | 1.367.820 | 206.962 | 7.310.679 | 18,71 | 2,83 |
Resumindo, o programa fez com que o aumento de população da China fosse de 50% em 40 anos, enquanto o mundo crescia 82% e o Brasil 93%. Com isto a participação chinesa na população mundial caiu quase quatro pontos percentuais. Apenas para fechar o raciocínio, se o crescimento populacional da China fosse igual ao nosso, hoje teríamos aproximadamente 400 milhões de chineses a mais (ou quase dois Brasis). Seria possível operar as transformações feitas com toda esta carga extra? Boa pergunta.
Na época, Mao usou o argumento de que era necessário “planejar a educação” do País (sabendo quantos iriam nascer seria possível ver quantas escolas e professores seriam necessários). Por mais que eu tenha ojeriza a tiranos, o fato é que, hoje, a China é um país muito mais adiantado do que era há 50 anos. E seu povo vive melhor. Pode começar o apedrejamento.
2.2 – Por que o Uruguai é diferente?
De acordo com a última pesquisa de IDH que acessei, Uruguai, Argentina e Chile eram os melhores da América do Sul. Argentina e Chile andaram tendo encrencas, mas não se ouve falar de problemas graves no Uruguai. Seguindo a minha tese, vamos analisar o crescimento populacional dos três países em comparação com o Brasil.
País | Pop. 1970 | Pop. 2020 | Crescimento (%) |
Brasil | 95.113 | 217.559 | 123,2 |
Argentina | 23.380 | 45.195 | 93,3 |
Chile | 9.783 | 19.116 | 96,0 |
Uruguai | 2.899 | 3.473 | 23,6 |
Embora não se saiba de programas de controle de natalidade no Uruguai, o fato é que o país mantém uma população razoavelmente estável, compatível com o seu tamanho. Puramente por fatores culturais e educação. E os resultados, até onde estou informado, parecem ser interessantes.
2.3 – Porque o “Fome Zero” fica cada vez mais difícil?
Quando Lula foi eleito em 2002, um dos projetos mais badalados de seu governo era o “Fome Zero”. Não conheço estatísticas sobre o tema, e neste Brasil irracionalmente polarizado de 2023, representantes do governo já divulgaram, oficialmente, números entre 33 e 120 milhões de famintos, tudo culpa do governo anterior, é claro.
Não vou me meter nesta confusão, mas, sendo fiel aos números, posso dizer que o novo “Fome Zero”, se acontecer, vai ter um problema adicional; a população brasileira era de cerca de 180 milhões em 2002 e hoje é estimada em 217 milhões. Ou seja, são 37 milhões de bocas a mais para alimentar do que há vinte anos atrás. E contando…
Epílogo
Poderia empilhar exemplos e mais exemplos para confirmar a minha tese (comparar o crescimento populacional médio dos dez melhores IDH do mundo contra os dez piores, por exemplo), mas aprendi na vida que há um grupo significativo de pessoas na sociedade que é impermeável à argumentação lógica. Vai desde a turma que esfrega a Bíblia na sua cara e diz “Crescei e multiplicai-vos” até populistas de vários matizes, que adoram usar multidões incultas como massa de manobra.
Enfim, o mundo está numa encruzilhada. A ameaça da catástrofe ambiental é real, e, na minha visão, o crescimento descontrolado da população é um dos fatores críticos para que este cenário caótico se confirme.
Campanhas educacionais sobre sexo e reprodução são “prá ontem”.
Mas fazer demagogia sobre a Amazônia e culpar o capitalismo predador “dos outros” dá mais “likes”. Enfim…
Vida que segue.