Há alguns anos, fui surpreendido por uma constatação de meu filho (de 10): ‘ Pai, acho que essa música é do seu tempo!’. Tocava na rádio a balada ‘ Take on Me’, do saudoso grupo norueguês ‘ A-Ha’ , com seu teclado ‘ breguete’ típico dos anos 80 e que pode ser ouvido em outros ‘hits’ daquela época. O álbum ‘ Hunting high and low’ é de 1985 e quando respondi quase automaticamente que ‘ sim’, admiti, mesmo sem querer, que o tempo a que meu filho se referia foi meu há longos 28 anos, quando ainda perambulava pela pré-adolescência entre os 12-13.
Terminada a música, que tocava em alguma emissora focada em nostalgia, percebi com satisfação que meu filho havia ‘curtido’. Sensação estranha essa, afinal, por que a aprovação dele me comprazia? Sequer havia sido um grande fã do ‘A-Ha’! Naquele momento, me dei conta que assumia os ‘ anos 80’ como meus e o fato de uma ‘ pessoinha’ dos ‘ anos 10’ emitir um parecer favorável sobre qualquer coisa relacionada àquele tempo me despertava um sentimento de ‘ pertencer’ . Era como se eu me orgulhasse por meu filho achar bacana a música que fazia sucesso no ‘ meu tempo’. Racionalmente me considerei um tolo. Mas a maior frustração da razão é sua incapacidade de aprisionar a emoção, mesmo nos mais brilhantes momentos de lógica e lucidez. E lá estava eu: envergonhadamente orgulhoso pelo pueril elogio a um grupo ‘ pop’ norueguês, ‘ blockbuster’ do meu tempo…
Resolvi me aprofundar na discussão sobre ‘ tempos’ e perguntei ao meu filho: ‘ Quer dizer então que eu não vivo mais no meu tempo? Vivo em outro tempo, que não é mais meu? Vivo no seu tempo?’ . Não bastasse ser metralhado por tantas perguntas simultâneas, misturadas com filosofia barata, ele se intimidou com o tom autodepreciativo da minha afirmação. Talvez tenha sentido uma certa compaixão por mim, um pobre coitado que se descobriu intruso no tempo de outrem, e silenciou. Eu insisti. Queria alguma reposta. Quando quero, sou realmente chato. E ela veio, de forma espetacularmente diplomática:’ Pai, acho que as pessoas falam do tempo em que eram crianças…’ .
Um tempo que começou com videocassete e forno microondas como artigos de luxo. Recordo-me até hoje de folhear a revista Veja exaltando uma invenção que iria mudar o mundo: o fax. Telefone fixo era ‘ bem’ declarado em imposto de renda. Atari era sonho de consumo da garotada. Seu ‘ joystick’ , composto de uma manivela e um botão, é comparável a um fusca velho diante de uma Ferrari, quando o colocamos lado a lado dos seus congêneres atuais. E por falar em carro, o sonho de consumo de muitos pais era um Ford Del Rey…
De acordo com a definição do meu filho, esse foi o meu tempo. Hoje, sou convidado no tempo dele. E até que tenho me adaptado bem. Sou razoavelmente integrado aos gadgets do mundo contemporâneo, redes sociais e todo tipo de novidade. Mas no fundo eu sinto que minha velocidade de assimilação não é a mesma que a da gurizada. Não tenho interesse por tudo. Às vezes penso que daqui a 20 anos, ainda serei usuário do mesmo ‘smartphone’. Pela velocidade com que tudo muda e é descartado, acho que uma hora irei ‘ empacar’ , tal qual um jumento preguiçoso diante de uma grande ladeira. E quando isso acontecer, não me sentirei culpado. Quem sabe não tenha um neto à tiracolo para me orientar: ‘ Vô, não é desse jeito, é assim…!!’…