O que é um ser humano?

Finalmente, o dia chegou. Uma expedição alienígena pousou na Terra, e agora estamos em conversações diplomáticas do mais alto nível galáctico. Só tem um problema: a vida no planeta de origem dos alienígenas é completamente diferente, o que deu origem a formas absolutamente distintas de vida. E, com isso, todas as referências linguísticas precisam ser construídas, como no filme A Chegada.

Começamos, então, pelas coisas mais simples. Uma cadeira, por exemplo. Explicamos que uma cadeira é um objeto de quatro pernas que serve para se sentar.

Os alienígenas entendem o conceito, e apresentam a seguinte figura, perguntando se aquilo é uma cadeira também:

Explicamos para o alienígena que, apesar de ser um objeto com quatro pernas e que serve para sentar, aquilo é uma poltrona, não uma cadeira. São coisas semelhantes, mas não são a mesma coisa. Na verdade, a poltrona é uma espécie de cadeira estofada.

O alienígena parece um pouco confuso, e mostra uma outra figura, perguntando se aquilo também é uma poltrona.

Explicamos que, apesar de ter quatro pernas e ser estofado, aquilo não é uma poltrona e nem uma cadeira, aquilo é um sofá. É uma espécie de poltrona larga.

O alienígena então mostra outra figura, perguntando se aquilo é um sofá.

Explicamos que, apesar de ser um objeto estofado largo que também serve para alguém se sentar, aquilo não é um sofá, aquilo é uma cama. É uma espécie de sofá que serve para as pessoas se deitarem em cima. O alienígena, então, resume: uma cama é uma espécie de cadeira estofada e larga que serve para as pessoas sentarem e deitarem.

Não é fácil definir a natureza das coisas. Estamos acostumados a denominar e classificar tudo o que vemos e sentimos, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Mas não é. A operação mental que nos permite descobrir por trás da realidade a natureza das coisas é extremamente complexa e cheia de armadilhas, como vimos no suposto diálogo acima.

Quando vemos algo inusitado, nosso cérebro logo tenta classificá-lo em alguma caixinha conhecida. Por exemplo, na figura abaixo, podemos ver guarda-chuvas sem o cabo, tendas de acampamento ou solidéus. A conclusão final se daria pelo seu uso ou função. Se não houvesse função alguma, classificaríamos como uma obra de arte, aquela coisa que não tem função alguma, a não ser nos deleitar. No caso, são objetos para um teatro de sombras.

Voltemos ao nosso diálogo com os alienígenas. A coisa ia até relativamente bem até chegar nos seres vivos. Aí tudo ficou realmente complexo. Isso porque o nosso amigo alienígena já sabia o que é um ser vivo, o que facilitou muito a conversa, pois definir o que é um ser vivo não é para principiantes.

Começamos definindo, por exemplo, um peixe. Um peixe é um ser vivo que vive dentro da água.


O alienígena, então, mostra a seguinte figura, perguntando se é um peixe.

Explicamos para o nosso amigo que, apesar de ser um ser vivo que vive na água, aquilo não é um peixe, é uma baleia. A baleia respira fora da água e faz a gestação de seus filhotes dentro da barriga antes de expeli-los para fora.

O alienígena entende o conceito, e mostra outra figura, perguntando se não seria uma baleia.

Pacientemente, explicamos que aquilo não era uma baleia, era um cavalo. Apesar de respirar fora da água e fazer a gestação dos filhotes antes de expeli-los, o cavalo tem quatro membros e pode andar pela terra.

O alienígena achou aquilo interessante, e mostrou outra figura, perguntando se aquilo era um cavalo.

Não, meu amigo, isso é um macaco. Apesar de ter quatro membros e poder andar pela terra, o macaco tem um cérebro superior, que lhe permite viver em comunidade com outros macacos, além de poder comer com a ajuda dos membros superiores.

A próxima figura, como o leitor já deve ter adivinhado, foi esta:

Isto não é um macaco, isto é um Homem. Apesar de ter um cérebro superior e viver em comunidade, além de poder comer com os membros superiores, o Homem tem também outras características que o fazem ser humano, e não macaco.

O alienígena, vividamente interessado, pergunta então quais seriam essas características que nos distinguem dos macacos, e não nos tornam simplesmente um peixe que respira fora d’água, faz a gestação dos filhotes, tem quatro membros e come com as mãos.

O que faz uma cama ser uma cama e um ser humano ser um ser humano? Que características únicas nos fazem distinguir claramente o objeto que temos diante dos nossos olhos?

Pela conversa imaginária que tivemos com o nosso amigo alienígena, já deve ter ficado claro que enfileirar características não garante, de maneira alguma, uma definição segura do que sejam as coisas. A natureza das coisas é o algo intrínseco às coisas que, de alguma maneira, o nosso cérebro consegue captar. Vai além da descrição, é a própria coisa em si.

Aristóteles definiu este fenômeno através dos conceitos de substância e acidentes. Substância é a coisa em si, aquilo que define uma coisa como aquela coisa. Acidentes são aquilo que conseguimos ver: a cor, o cheiro, o lugar, o formato, etc. Uma cadeira tem a substância de cadeira, e seus acidentes são o formato, a cor, o material de que a cadeira é feita, etc. Com o nosso cérebro, captamos a substância das coisas.

Vamos agora enfrentar a questão: o que é um ser humano?

Já vimos que enfileirar características não é um bom caminho para definir a natureza das coisas. Assim, definir, por exemplo, que o ser humano é aquele que consegue fazer operações matemáticas, não é um bom começo. Recém-nascidos não conseguem fazer operações matemáticas, e alguns macacos superiores conseguem. Então, nada feito.

Seria o ser humano aquele que tem consciência da própria dor? Pessoas em coma não deixam de ser seres humanos por não terem consciência. Aliás, o fato de sentir dor não nos faz seres humanos. Animais sentem dor, e há seres humanos que não sentem dor, por falha em seu sistema nervoso (síndrome de Riley-Day). Nem por isso deixam de ser seres humanos.

Podemos tentar definir o ser humano através do seu poder de compaixão pelo semelhante. Dizemos metaforicamente que uma pessoa brutal não é humana, é um monstro. Mas isso é só metáfora. O ser humano é capaz de ser um anjo ou um demônio, e essa é uma característica do ser humano. Hitler era um ser humano, assim como a Madre Teresa de Calcutá, por mais que isso nos revolte. Portanto, ser bom não define o ser humano.

Por mais que tentemos apreender o conceito, ele nos escapa das mãos, como a água por entre os dedos. Definir o que é o ser humano não está no campo da biologia, da fisiologia ou da antropologia. Todas essas são ciências naturais, que ficam circunscritas às características particulares, mas não captam a substância da natureza humana. A resposta está no campo da filosofia. É através da investigação filosófica que o ser humano tem tentado, ao longo dos séculos, definir a si mesmo. Sem estar apetrechado com os instrumentos da filosofia, é vã a tentativa de qualquer definição válida.

Não, não vou aqui definir o que é o ser humano. Cada um que busque a sua resposta.

Para terminar, fica aqui uma lição de casa, deixada pelo nosso amigo alienígena. A figura abaixo, é ou não é um ser humano?

Feto de 12 semanas
Sair da versão mobile