Ser ou estar, eis a questão

Na maioria dos idiomas, os verbos ‘ser’ e ‘estar’ não se diferenciam. Em inglês, ‘I am’ tanto significa ‘eu sou’, quanto ‘eu estou’. Isso é quase uma regra genérica, e a língua portuguesa, felizmente, é uma das exceções. Por que ambos os verbos não poderiam ser mais distintos. ‘Ser’ não tem nada a ver com ‘estar’, apesar da confusão em relação aos dois conceitos.

Uma das grandes causas de frustração e decepção nas pessoas é a transformação do ‘estar’ em ‘ser’. Louco? Me explico: o sujeito se ilude com o que ‘está’, pensando que ‘é’. Piorou? Tento novamente: O ‘estar’ é transitório, o ‘ser’ é definitivo.

Tentarei esclarecer com um exemplo prático. Pergunte a alguém o que ele(a) faz, e ouvirá como resposta o que ele(a) está, com o verbo ‘ser’ surrupiado para expressar equivocadamente o que a pessoa não é. Confuso?

Segue então o diálogo:

– O que você faz?

– Sou diretor da Empresa ‘X’

A maioria das pessoas responde assim, o que é um erro ‘filosófico-gramatical duplo’. Por que o sujeito não é diretor da Empresa ‘X’, ele ‘está’ diretor. Amanhã, a empresa pode quebrar ou ser adquirida, ele pode ser demitido ou promovido a presidente. Em quaisquer dessas situações, o ‘estar’ diretor não valerá mais. É transitório. Responder com o nome de um cargo a uma pergunta cujo verbo denota uma ação (‘fazer’) também não é correto. É claro que uma resposta desse tipo já se tornou padrão, mesmo para aqueles que não caíram na armadilha do ‘verbo estar’, mas é importante compreender as diferenças.

Voltemos ao imbróglio ‘ser x estar’.

O ‘estar’ é um hipnotizador de almas. O sujeito se ilude com o seu estado transitório, ganha virtudes por conta disso, é paparicado, se engrandece, e por fim  se convence de que aquela situação é perene. Muitas vezes esquece de quem ele realmente ‘é’. Em algum momento, no curto ou no longo prazo, será confrontado com a situação onde o efêmero é inútil.

Poder, orgulho, riqueza, tristeza, e até felicidade se conjugam com o verbo ‘estar’. Para quem pensa que a riqueza é permanente, no limite basta ao ir ao cemitério e fazer uma pesquisa com quem já partiu…

Educação, respeito, solidariedade, humildade, entre outros, se conjugam com o verbo ‘ser’. Quem é educado ou solidário, não deixa de sê-lo por conta de circunstâncias adversas.

Muitas vezes, quando o destino despe as pessoas de suas características temporárias, elas podem se frustrar. Antigos bajuladores agora lhes dão as costas, pois elas deixam de ‘ser’ o que ‘estavam’. Ao mesmo tempo, essa transformação pode decepcionar outros tantos, pois quando se veem diante do que as pessoas realmente ‘são’, passam a compreender o poder hipnótico do ‘verbo estar’.

Enfim, apesar da mistura de ideias que o próprio texto intencionalmente traz, o fato é que onde ‘estamos’ pode ser importante hoje, mas é passageiro. Devemos investir no que ‘somos’, pois isso carregamos para sempre. É o que realmente importa.

Sair da versão mobile