Certo dia, quando eu voltava do trabalho em Londres, caminhando da estação de metrô até minha casa, no tranquilo bairro de Chiswick (zona oeste da capital britânica), fui surpreendido por uma placa amarela, relativamente grande, instalada na esquina da quadra onde eu morava, com uma frase que dizia mais ou menos assim: ‘Ontem, nesse local, uma mulher foi rendida por quatro homens, que a jogaram no chão e roubaram a sua bolsa. Estamos trabalhando para encontrá-los, caso você tenha alguma informação útil a respeito desses delinquentes, favor entrar em contato com a polícia’. Essa placa ficou instalada no mesmo local por quase uma semana, e na minha memória para sempre.
Isso não significa que a polícia encontrou os assaltantes. Do mesmo modo, a ideia de que não há crimes no primeiro mundo é equivocada. Não faltam batedores de carteira nos metrôs das principais cidades européias. Eu inclusive tive meu carro arrombado quase na frente de casa, em Londres. Porém, é fácil constatar que segurança, nesses casos, é uma questão de Estado, e não religiosa.
Segurança é uma questão religiosa?
Sim. No Brasil, por exemplo, como o Estado não cuida do assunto, estamos mesmo nas mãos de Deus.
De acordo com informações fornecidas pelo Ministério da Justiça brasileiro, somente 8% dos casos de homicídio são resolvidos. Nos EUA a resolução atinge 65%, para citar uma comparação com um país desenvolvido. Se extrapolarmos essa estatística para o percentual de assassinos que efetivamente são presos, julgados, condenados e que permanecem encarcerados por pelo menos 10 anos, teríamos vergonha dos nossos números. Melhor nem tocar no assunto, pois chegaríamos a conclusão de que no Brasil, a probabilidade de um homicida passar uma temporada de alguns anos no xadrez é estatisticamente irrelevante.
Obviamente que em um país de dimensões continentais como o Brasil, as variações são grandes. Na capital e estado mais violentos (Maceió e Alagoas, respectivamente), a taxa de homicídio é de 67, próxima a de El Salvador. Já o melhor desempenho de um estado fica por conta de Santa Catarina, cujo índice é 12,9 e, pasmem, São Paulo é a capital menos violenta, com índice de 13. Ambos os casos não indicam ainda um nível ‘civilizado’, mas merecem mais elogios que críticas, pela formidável evolução, principalmente no exemplo paulistano (redução de 80% no índice de homicídios em uma década). Os papagaios da miséria e desigualdade como causa da violência também são derrotados pela realidade brasileira. Nos estados do Norte e Nordeste, regiões onde a renda mais subiu e a desigualdade mais caiu nos últimos anos, experimentou-se uma escalada sem precedentes na quantidade de homicídios.
Se houvesse um indicador denominado ‘índice de respeito à vida’ e que fosse composto pela taxa de homicídio, probabilidade de resolução do crime, do criminoso ser preso e de permanecer preso por ao menos uma década – ou seja, uma conjunção de quatro situações, eu não tenho dúvida de que o Brasil apareceria entre os piores classificados no mundo. Alguém discorda? Fica a sugestão do indicador para teses de sociologia e ‘bureaus’ de informação. Aliás, o governo bem que poderia utilizar algo similar como parâmetro para estabelecer metas ousadas na redução da violência. Mas aí já seria esperar demais…
Esse é o tema que mais incomoda aqueles que retornam aos trópicos após uma temporada no exterior, gerando inclusive um questionamento íntimo sobre a decisão do retorno. Eu particularmente me pergunto por quantas gerações ainda iremos conviver com essa aberração. Infelizmente, em contraste com o custo de vida no caríssimo Brasil, o ‘valor da vida’ aqui é baratíssimo!!! Até quando?