Philippe Pétain já era sexagenário quando foi elevado a Marechal francês e herói nacional, após comandar as tropas gaulesas na batalha de Verdun, uma das mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial, obtendo uma improvável vitória contra o poderoso exército alemão. Fato comum aos militares da época, terminada a guerra ingressou na política, apesar da idade avançada, sempre em posições influentes no governo. Durante o período em que Hitler se armava até os dentes para a sua futura empreitada belicosa e assassina pela Europa, na década 30, seus vizinhos faziam vistas grossas à crescente ameaça alemã. No futuro, o Marechal Pétain também entraria para a história como um dos responsáveis pela negligência com que o assunto foi tratado na França.
A invasão alemã em território francês ocorreu de forma avassaladora. Os despreparados exércitos britânicos e franceses foram supreendidos pela agilidade e ferocidade germânicas, praticamente não oferecendo resistência. A evacuação de muitas dezenas de milhares de soldados aliados pela praia de Dunkerke, na costa francesa, foi o maior sinal da superioridade nazista no começo daquela guerra.
Eis que em meados de 1940, o Marechal Pétain, já octogenário, é convocado a assumir o governo. Herói de guerra, sua nomeação como primeiro ministro foi recebida pela maioria da população como o último sopro de esperança francesa. Seu gabinete, entretanto, agiu de forma bastante pragmática: sem a possibilidade de ajuda norte-americana, que viria somente 4 anos depois, e com a Grã-Bretanha absolutamente incapaz de prestar qualquer tipo de socorro, Pétain rechaçou os insistentes pedidos de Churchill para que liderasse uma resistência de guerrilha. Também se negou a exilar-se em alguma das colônias e estabelecer um governo fora do país. Preferiu assinar um armistício com Hitler, manter a unidade nacional, mesmo que sob a vexatória condição de dominar apenas 40% do seu território e transferiu a sede do governo para Vichy, capital da nova França colaboracionista. França essa, que a partir dessa data passou a cumprir um papel de coadjuvante na guerra e nunca mais recuperou seu antigo status de grande potência mundial.
Com a reversão do quadro da guerra a partir de 1944 e a invasão dos aliados na costa da Normandia, o reestabelecimento de um governo pró-aliado era questão de tempo. Pétain foi então removido para Alemanha e de lá deve ter ouvido os ecos da alegria popular com a entrada triunfal das tropas francesas em Paris, lideradas pelo General De Gaulle, seu antigo protegido, líder do movimento ‘França livre’ e exilado durante todo esse período na Inglaterra. Com a Alemanha nazista derrotada e destruída, Pétain decidiu retornar à França, onde seria julgado por traição. Condenado à morte aos 86 anos, recebeu um indulto de De Gaulle, e foi sentenciado à prisão perpétua. Faleceu aos 95 anos, desprovido de glórias, mas ainda com o título de Marechal em sua lápide.
Sua trajetória de herói nacional a traidor o torna um personagem histórico extremamente interessante. Durante a Segunda Guerra Mundial, a França teve 600.000 baixas (não está entre os 10 países que mais sofreram perdas), das quais 350.000 foram civis. Isso equivalia à 1/77 da população francesa na época, número incomparavelmente mais ‘ameno’ que o da Polonia, que perdeu 1/5 de sua população, da Iugoslávia, que perdeu 1/7, da União Soviética, que perdeu 1/11, da Grécia, que perdeu 1/14 e que o da própria Alemanha, que perdeu 1/15 de sua gente. Tivesse Pétain sucumbido aos clamores da resistência e imposto dificuldades à presença nazista na França, é provável que o número de baixas nativas em solo francês fosse substancialmente maior e não seria surpresa supor que nas circunstâncias de uma guerra que ceifou mais de 50 milhões de vidas, ele superasse a marca de 1 milhão.
Considerando as ações de Pétain estritamente no âmbito de defensor do Estado francês, o julgamento da história imediatamente posterior ao término da guerra talvez tenha lhe atribuído uma imagem de traidor que ele não merece. Como a história é escrita pelos vencedores, e Pétain posicionou-se do lado perdedor, não havia mesmo qualquer possibilidade de que sua biografia fosse ‘perdoada’ na época. Hoje, quase 60 anos depois do término da guerra, é possível que ao menos as consequências positivas de sua postura sejam mais apreciadas.
Até que ponto é louvável adotar uma postura reprovável para evitar um mal maior?
Quantas vezes não nos deparamos com situação semelhantes em nosso cotidiano (obviamente guardadas as devidas proporções em relação à uma guerra), onde temos que escolher entre a alternativa ruim e a péssima? Normalmente, nos degladiamos intimamente pelo fato de termos nos ‘casado’ com a opção ruim, mesmo que ela tenha evitado algo ainda pior. Não sou especialista na história da França, mas pelo pouco que li, o Marechal Pétain nunca demonstrou arrependimento e sempre esteve seguro de sua opção em preservar a unidade do estado francês. Considerava-se o ‘escudo da França, enquanto De Gaulle era a espada’. Em seu íntimo, talvez ele soubesse que sua submissão prematura ao domínio nazista foi uma opção ruim. Péssimo teria sido comprometer mais meio milhão de vidas e sacrificar as gerações futuras. Será que os franceses hoje o absolvem? Você o absolveria?
É nota triste o fato de que o governo de Vichy, sob a batuta de Pétain, manchou indelevelmente sua reputação pelo fato de haver deportado dezenas de milhares de judeus para a morte na Alemanha, essa sim uma postura extremamente vil e covarde. Para essa escolha, não há justificativa, nem perdão.