Maioridade penal: uma réplica aos argumentos supostamente humanistas

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Sempre que o país presencia um crime bárbaro cometido por um menor, volta à tona um tema que nunca deveria sair da pauta da sociedade até que fosse definitivamente resolvido, que é o da redução da maioridade penal. Como é de se esperar, o Brasil é um dos países mais lenientes do mundo com a criminalidade juvenil. Em poucos lugares do planeta, temos a idade de 18 anos como divisor de águas para a intensidade das penas aplicáveis a criminosos. Em ‘Terra Brasilis’, o bandido adolescente tem praticamente carta branca para fazer o que bem entender, pois em caso de detenção, por mais atroz que tenha sido seu crime, o pior que pode lhe acontecer são três anos na Fundação Casa. Nossa legislação é incapaz de diferenciar um ladrão de galinhas de um assassino. Todos são menores e esse conceito prevalece sobre qualquer outro.

No período de comoção que sucede a bárbarie, surgem os humanistas de plantão pedindo racionalidade e cautela na alteração das leis e do estatuto do adolescente. O primeiro pensamento que me vem à cabeça quando escuto seus argumentos é se essa mesma tolerância prevaleceria caso o crime ocorresse próximo às suas próprias famílias. Mas é uma postura emocional de minha parte. Prefiro deixar fluir a racionalidade para replicar aos  defensores do status quo.

‘A redução da maioridade penal não solucionará o problema da criminalidade no país.’

É óbvio que não resolve, e esse nem é o objetivo de quem a defende. Trata-se simplesmente de proporcionar a devida justiça a quem comete crimes. E no caso, nos referimos a homicídios, latrocínios, sequestros, estupros. Nada que uma pessoa normal seja capaz de fazer. É inconcebível que tenhamos que tolerar bandidos com foro privilegiados pelo simples fato de não terem completado 18 anos. O caso dessa semana é emblemático: o assassino do jovem universitário na Zona Leste de São Paulo atingiu a maioridade alguns dias após cometer o crime. Desfrutará de todas as regalias oferecidas pelas nossas leis frouxas e em pouco tempo estará livre para outras atrocidades. É verdade que nada trará o jovem Victor Hugo de volta e sua família estará despedaçada para sempre, mas uma legislação rigorosa e sua aplicabilidade séria poderiam inibir novos casos similares.

‘O cérebro do jovem é plenamente formado somente por volta dos 21 anos, antes disso ele ainda não está totalmente capacitado para discernir o que é certo do que é errado, toma atitudes irresponsáveis sem medir as consequências e por isso não pode receber o mesmo tratamento que um adulto.’

Apesar de cientificamente correto, o fato dos jovens ainda não terem seu cérebro plenamente formado até os 21 anos não atenua a severidade do crime. Qualquer pré-adolescente tem ciência de que assassinatos ou estupros são atitudes terríveis e totalmente condenáveis. Quase ninguém os comete. Se manuseássemos estatísticas sobre criminalidade em relação ao total da população juvenil, perceberíamos que o endurecimento  na legislação impactaria 0,00x% dos jovens, uma fração realmente ínfima do universo total, aqueles que realmente são ruins na essência, espíritos atrasados, brutalizados, impiedosos. O fato da maioria esmagadora não sair por aí cometendo crimes por si só justifica a existência de leis diferenciadas e rigorosas para a inexpressiva parcela de delinquentes livres para matar. Se 0.5% da população é responsável por 99% dos crimes hediondos ( apenas um exemplo para ajudar o raciocínio), por que não tratá-la com o devido rigor? Seria simples, não fosse o Brasil um país excessivamente tolerante….

‘Nossas penitenciárias são uma universidade do crime. Misturar jovens delinquentes a marginais perigosos irá influenciá-los negativamente, aproximando-os de uma vida bandida no futuro.’

Esse argumento justifica um erro com outro. Por que o nosso sistema penitenciário é horrível, então não podemos encarcerar os jovens criminosos, sob o pretexto de que eles sairiam de lá piores, e não melhores. Por essa lógica, ninguém mais deveria ser preso, já que nossas penitenciárias não colaboram com a reabilitação das pessoas. A primeira preocupação com um sujeito que assassina outro a sangue frio deveria ser prendê-lo e afastá-lo do meio social por muito tempo. Não creio que o objetivo inicial seja recuperá-lo. Se possível, recuperá-lo, mas  primordialmente precisamos isolá-lo de qualquer convívio onde ele possa causar mais dano às pessoas. E se as penintenciárias atuais não são adequadas ao convívio entre jovens e adultos bandidos, que sejam segregados locais especiais para a bandidagem juvenil de alta periculosidade e que lá eles recebam tratamento compatível com a gravidade de seus crimes. O que não podemos admitir é que essa marginália esteja solta pouco tempo depois de ter infligido dor à tanta gente. Dor eterna, incurável. O menor que participou do assassinato do menino João Hélio, de 6 anos, no Rio de Janeiro, em um crime que chocou o país por sua brutalidade (a criança foi arrastada por quilômetros presa ao carro), já está solto. Será que ele foi recuperado? Importa? Em um lugar civilizado, ele no mínimo passaria uns 50 anos vendo o sol nascer quadrado. Aqui, na terra da tolerância máxima com o malfeitio, ele está livre…

‘Bandidos utilizam jovens na margem da maioridade para o tráfico de drogas. Se a maioridade fosse reduzida, traficantes passariam a se utilizar de gente com 13, 14 ou 15 anos.’

Mais um argumento onde um erro é utilizado para justificar outro. Já que não conseguimos combater o tráfico de drogas e pelo jeito não há nenhuma esperança de que isso ocorra, devemos agradecer aos bandidos o fato de somente utilizarem jovens de 16-17 anos. Se a maioridade penal fosse reduzida, os traficantes passariam a cooptar gente de 14-15 anos, ou até menos. No limite, teríamos maternidades de alta periculosidade. O argumento reverso é: já que é assim, elevaríamos a maioridade para 30 anos, e por conta disso os traficantes deixariam os jovens de 16-17 anos em paz, pois teria farto acesso a recursos de vinte e poucos anos. O fato de não existir solução para um problema grave de segurança  e saúde pública (o tráfico de drogas) não implica em ignorar uma realidade dura, mas irrefutável: há criminosos menores de idade tão cruéis quanto adultos e eles não merecem indulto da sociedade pelo simples fato de serem jovens. Merecem cadeia. Clausura.

‘Não podemos conceber um país que não cuide de suas crianças e adolescentes. Que país será esse que manda prendê-los, tratando-as como  adultos?’

Esse argumento esdrúxulo eu ouvi de um político famoso, durante a mobilização ocorrida por ocasião do assassinato do menino João Hélio. Não irei mencionar o nome do fulano. Mas o Estado que cuida de suas crianças e adolescentes é aquele que os protegem da convivência com delinquentes mirins e juvenis. Não se pode ignorar a maldade e a crueldade convertidas em crimes. Quanto mais a sociedade se livrar disso, tanto melhor para nossas crianças e adolescentes. Menor de idade não é sinônimo de pureza. Passar um par de anos na Fundação Casa pode até ser uma punição adequada para um trombadinha, mas está a anos luz de ser suficiente para um homicida, estuprador. É disso que estamos falando. É isso que incomoda a  multidão silenciosa e indignada. Não estamos tratando de crimes mais brandos, e sim de atentados contra à vida de gente inocente.

‘O recrudescimento da legislação prejudicaria os adolescentes mais pobres.’

Um desavisado que ouve esse tipo de argumento pode pensar que a inclinação para a criminalidade é uma questão social, ou seja, a ela existe por conta da desigualdade. Em que pese o fato de que ela certamente influencia, há vários contra-exemplos de países tão ou mais desiguais que o Brasil, onde a criminalidade é bem inferior àquela registrada em terras tupiniquins, o que refuta esse raciocínio. Além disso, essa afirmação é uma ofensa à maioria absoluta da população que é pobre, pacífica e honesta. Crimes hediondos devem ser punidos com o mesmo rigor, independentemente da classe social, etnia, ou qualquer tipo de distinção demográfica.

A questão aqui é bem mais simples do que parece: clama-se por justiça. E justiça não é prender um assassino confesso, cruel, impiedoso e brutal, deixá-lo um par de anos na cadeia e soltá-lo. Que se dane qual é a idade desse pária, ele devia passar boa parte de sua vida, senão toda ela, expiando o seus erros na prisão. Assistimos a banalização da violência e não fazemos nada! Infelizmente, a tolerância e o conformismo em excesso estão impregnados em nosso tecido social. Por que é tão difícil punir criminosos por essas bandas?

Daqui a algum tempo, esse caso será esquecido, até que outra barbárie ocorra. Espero estar enganado, mas a inclusão desse assunto na pauta do Congresso não resultará em nada relevante. Isso é Brasil.

 

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