As mortes nossas de cada dia

O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes comoveu o Brasil, que de tempos em tempos desperta para sua realidade extremamente violenta e logo depois adormece em seu entorpecido conformismo.

Infelizmente, no país de 60 mil homicídios por ano, não foi o primeiro, nem será o último evento a nos causar efêmera indignação. Presenciamos discursos inflamados, emocionados, a tentativa de politização, passeatas, manchetes e diversas reações de empatia, mas a efervescência do momento se esvairá e então retornaremos bovinamente ao nosso estado de irritante catarse coletiva.

Elegeremos os mesmos trastes, as leis que nos regem continuarão frouxas e quando um bandido poderoso for preso, haverá sempre um STF a lhe proteger.

A comoção é legítima, por mais que se questione por que não é permanente, uma vez que são 160 episódios parecidos todos os dias. Isso obviamente não desqualifica o sentimento de indignação, mas diz muito sobre a sociedade, de reações heterogêneas a situações semelhantes.

Ao longo das minhas quatro décadas e meia me recordo de algumas dúzias de crimes hediondos como esse. Apesar de diferirem na intensidade da comoção que causaram; uns mais, outros menos, todos convergem em relação às consequências: nenhuma.

Se ao menos a mobilização recente fosse um ponto de inflexão no combate à violência urbana, praga nacional, poderíamos ter um pingo de esperança. Mas a experiência anteriior nos garante que tudo retornará à normalidade em breve.

Uma visão pessimista que traduz em palavras aquilo que o Brasil nos oferece no cotidiano: incompetência, corrupção, violência, impunidade, polarização.

Que as famílias de todas as vítimas tenham força para seguir em frente. Ninguém merece essa dor. A nós, resta pedir proteção aos anjos da guarda para que não façamos parte das estatísticas mais vergonhosas do Brasil no mundo. Amém.

Sair da versão mobile