A incorrigível tolerância tupiniquim para pequenos atrasos

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Chegara com 10 minutos de atraso à reunião. Todos os participantes já estavam lá. Seu pedido de desculpas não foi suficiente, estava sendo fulminado pelos olhos de alguns colegas. Em Londres, a pontualidade é uma questão de honra e negligenciá-la é imperdoável. Nada de amenidades para socializar. No breve período ausente, a discussão já tinha avançado e ele perdera inclusive um tema de seu interesse. Não houve preocupação dos demais em parar tudo para explicar o que fora discutido, ele teria que inferir. Às 10 em ponto, a reunião havia sido encerrada. Dois temas pendentes foram deixados para uma próxima, marcada ali mesmo. Não era possível estendê-la, pois algumas pessoas já saíam apressadas para o seu próximo compromisso, e atrasar não era uma opção. Nenhum comentário sobre o espetacular jogo de futebol da noite anterior.

Sem exageros, esse é o estilo anglo-saxão de tratar o tempo.

Transposta ao Brasil, a descrição da cena seria completamente diferente…Chegara com 10 minutos de atraso à reunião. Menos da metade dos participantes estava presente, engatados em um animado papo sobre o jogão da noite anterior. Após ser cumprimentado efusivamente pelos colegas, um deles emenda: ‘João está atrasado 15 minutos’. Ele se serve de café, senta-se à mesa e dá pitacos na conversa de boleiros. João chegou com 18 minutos de atraso e nem se desculpou. Antonio e José não puderam comparecer, e de última hora enviaram representantes, mais perdidos que cego em tiroteio. A reunião começa e tudo indica que se estenderá para além das 10 horas, pois as pessoas não vão direto ao ponto. As ausências também prejudicam o andamento da discussão, já que os representantes enviados não tem autonomia e conhecimento para deliberar sobre os assuntos. Às 10:30, extenuados, os participantes resolvem encerrar a conversa e marcar uma próxima rodada, com data a ser definida pela disponibilidade de Antonio e José. Alguns já estavam atrasados para a próxima, mas não pareciam preocupados. No trajeto para o outro e evento, esbarravam em colegas e iniciavam uma breve conversa, como se houvesse pendências com todos os funcionários.

Com alguns exageros, esse é o estilo brasileiro de tratar o tempo.

Os latinos em geral e os brasileiros em particular desrespeitam o tempo….dos outros. Atrasar para um compromisso é equivalente a inutilizar o tempo de quem foi pontual. Por aqui não existe hora exata, há um grau de tolerância presente em qualquer agenda. Poucos reclamam dos 15 minutos adicionais, que se somados podem muito bem resultar em um par de horas perdidas. Um dia com reuniões coladas umas às outras no Brasil tem tudo para ser desastroso e terminar em atrasos e cancelamentos. Na Inglaterra, provavelmente os mesmos horários serão cumpridos à risca.

Isso sem falar no ‘ esquenta’, aquele período em que assuntos alheios ao tema da reunião são explorados como ‘ quebra-gelo’. Não há como negar que esse período de socialização que antecede ao objetivo do encontro tornam o clima mais ameno e acalentam as relações, mas prolongam o seu dia. Então, se é verdade que a turma do hemisfério norte sai geralmente mais cedo do trabalho, suspeito que também seja verdade que as nossas horas adicionais não sejam trabalhadas, mas conversadas.

Quando vivi em Londres, tive que me adaptar à rigorosa pontualidade britânica. É uma questão de disciplina, e a coesão social em torno desse princípio é capaz de corrigir o mais desleixado dos seres humanos. O sujeito que se atrasa passa a se envergonhar da situação e evitar as represálias, às vezes silenciosas, mas sempre incisivas. Tudo funciona como um relógio.

Logo após retornar ao Brasil, me irritava com a antítese dessa pontualidade. Mas a coesão social em torno da tolerância para pequenos atrasos é capaz de desvirtuar o mais disciplinado dos seres humanos. Procuro ser pontual, mas não mais carrego a obsessão com o horário e muitas vezes entro na onda dos 15 minutos. Sucumbi, fui dominado pelo sistema. Pelo menos ainda peço desculpas quando isso acontece. Também me envolvo no ‘ esquenta’ que antecede às reuniões, pois é impossível modificar esse marcante  traço cultural relacionado à necessidade brazuca de conectar, antes de interagir.

Se por um lado, essa conectividade torna o ambiente de trabalho mais leve, o desrespeito ao tempo dos outros certamente sacrifica nossa produtividade. Nunca vi um estudo que  os correlacionasse, mas estou seguro que essa  característica tem um relevante impacto negativo na economia. Dentre os comportamentos que eu gostaria de ver banidos do nosso estereótipo, esse é um dos mais importantes. Devíamos incluir um mandamento adicional a ser aplicado dentro de nossas fronteiras: ‘ Respeita o tempo do próximo como ao teu próprio’. Seria um passo decisivo rumo a um estágio civilizatório desconhecido pelas bandas de cá…

 

 

 

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