Muitas vidas em uma só


Nossa trajetória profissional está repleta de ciclos que começam, terminam, renovam-se ou modificam-se completamente. Cada um deles equivale à uma ‘vida’, e muitas vezes passamos por ela sem perceber a força dessa analogia e aproveitar os benefícios que essa visão nos proporciona.

Em cada ciclo, estabelecemos relações profissionais em todos os níveis: com chefes, pares, subordinados, clientes, fornecedores, parceiros. Aprendemos a transitar pela corporação em que trabalhamos e a lidar com sua cultura, virtudes, vícios e dogmas. Temos a condição de nos capacitar no exercício de nossa função, tornando-nos especialistas em determinados assuntos. À medida que interagimos com outras pessoas, podemos despertar os sentimentos comuns vinculados à conexão entre seres humanos: admiração, indiferença, amizade, lealdade, amor, raiva, entre outros tantos. Podemos influenciar e inspirar, assim como desperdiçar a oportunidade de fazê-los. Semear a camaradagem e o espírito de equipe ou a discórdia, dependendo de nossa natureza ou das circunstâncias que nos cercam. Invariavelmente nos é oferecida a possibilidade de criar ou executar melhor algo já existente.

Por mais simples que seja um trabalho, é sempre possível tecer uma complexa rede de inter-relações, de tal modo que podemos compará-lo à uma vida. Crescemos, aprendemos, atingimos a plenitude, podemos desfrutar da maturidade. Muitas vezes, somos arrancados da ‘vida’ antes dela chegar, pelas mais diversas razões, ou decidimos começar um novo ciclo prematuramente. Em ocasiões cada vez mais raras envelhecemos com ele, dado o intenso dinamismo do mercado de trabalho dos tempos atuais em quase todas as carreiras.

Assim como nos percalços de nossa trajetória pessoal, cada ciclo nos brindará com dificuldades de magnitudes diversas, que podem acelerar seu fim ou alongá-lo, nos motivar ou deprimir, mas que seguramente colaborarão com o nosso crescimento. São muitas as analogias possíveis que tornam o fato irrefutável: viveremos muitas vidas em uma só.

Me aprofundei nessa teoria há um mês, quando comuniquei à minha equipe que estava de saída, após 4 anos e meio de parceria. Apesar de estar para o meu ciclo tal qual um velhinho de 90 anos com Alzeihmer está para a sua vida, o que significa que a minha ‘partida’ já era esperada para um futuro próximo, a notícia concreta do evento causou um certo clima de consternação, como um velório. No caso, o meu! Mesmo quando sabemos que a partida de um ente querido está próxima, quando ela se concretiza não há como ignorar a sensação de ‘perda’. Assim como na vida, em nossos ciclos profissionais, nós ‘passamos’…

E tal qual no confronto com o crepúsculo dessa nossa existência, caberão os auto-questionamentos quando ‘partirmos dessa para melhor’: O que fizemos? O que plantamos? Quais relações construímos? Qual legado deixamos? O que compartilhamos? O que inspiramos? Vivemos mesquinhamente buscando o sucesso individual ou generosamente disseminando o sucesso coletivo? O que realmente importa, ao término de uma jornada, é a certeza de que ela valeu a pena. E isso não está relacionado ao seu suposto sucesso pessoal, seu ‘status’ ou situação financeira. Alguém em funcões muito modestas pode ter respostas a essas perguntas bem mais reluzentes que outros no ‘topo da cadeia alimentar’ de uma vida corporativa.

Viveremos muitas vidas em uma só. A cada fase, deixaremos para trás pessoas que podem ou não permanecer em nosso círculo próximo, projetos que poderão ser esquecidos ou melhorados. Qual terá sido a nossa marca? ‘Passaremos dessa para melhor’ algumas vezes, teremos muitos velórios. Valerá a pena? A responsabilidade é toda nossa. Deixaremos lembranças que se apagam com o ‘virar da página’ ou saudades, que marcam eternamente?

 

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