Falsos mitos da vida corporativa I

O mundo superficial em que vivemos é fascinado por heróis e vilões. Eles vendem mais revistas, jornais, livros e trazem mais audiência na televisão. Nosso dia a dia seria mais enfadonho sem a sua presença. Mas na vida corporativa, é muito fácil a pessoa transitar pelos dois personagens em um curtíssimo espaço de tempo.  Os exemplos não cabem em um livro, e alguns são bastante ilustrativos.

Em 2007, quando eu ainda morava em Londres, foi travada uma interessante batalha pela aquisição do holandês ABN-Amro. De um lado estava o inglês Barclays, onde aliás eu trabalhava. Do outro, um consórcio capitaneado pelo escocês RBS, o espanhol Santander e o belga Fortis. Foram algumas semanas de entreveros jurídicos, reuniões de acionistas, especulações em todos os jornais, cobertura diária da mídia, até que enfim prevaleceu o consórcio tripartide e o ABN foi adquirido e fatiado entre os vencedores. A partir desse movimento,  o Santander consolidou-se como o grande banco estrangeiro no Brasil, adquirindo indiretamente o Banco Real, que havia sido incorporado anteriormente pelo banco holandês.

Nessa época, o então CEO do RBS, Fred Goodwin, foi considerado pela mídia européia como o grande arquiteto do consórcio vencedor e endeusado como o melhor executivo do mercado financeiro de seu tempo. E dá-lhe capa de revista, jornais, entrevistas e outras mídias, na maioria das vezes destacando sua agressividade e ousadia. Ele era ‘o cara’. Em conversas com gente que trabalhava sob sua gestão, sabíamos que o personagem não era uma unanimidade…mas de que isso importava? Afinal, pouquíssimos seriam capazes de conduzir de maneira tão eficaz a maior aquisição da história no mercado financeiro, revertendo um cenário inicialmente desfavorável (o Barclays e o ABN chegaram a anunciar o negócio) e levando o seu banco para a parte de cima de todos os rankings.

Eis que menos de um ano depois, durante a crise desencadeada pela quebra do Lehmans, o RBS é o mais atingido dos bancos britânicos. O governo teve que injetar enorme quantidade de capital para evitar sua falência. Na prática, mais de 70% do banco passou para as mãos estatais. O ‘cara’ foi sumariamente demitido. Além disso, foi detonado por toda mídia e opinião pública. As mesmas publicações que exaltavam sua ousadia e agressividade um ano antes, naquele momento bombardeavam sua…ousadia e agressividade. O sujeito desceu do céu ao inferno em um piscar de olhos.

Ao longo de minha carreira já observei inúmeras histórias parecidas, o que me leva a concluir que nada é permanente no mundo corporativo. Nem o sucesso, nem o fracasso. O sujeito pode receber um prêmio hoje por alguma realização, e a mesma o conduzirá à ruina na esquina adiante. As circunstâncias muitas vezes prevalecem sobre a capacidade individual, apesar disso não vender boas histórias, nem produzir heróis ou vilòes.

No exemplo em questão, tivesse o RBS perdido a batalha para o Barclays, não se encrencaria no ano seguinte. Fred Goodwin não estaria nas capas de revistas como o super executivo em 2007, mas também não seria lançado às chamas em 2008. Aliás, do consórcio vencedor, o belga Fortis foi quase à bancarrota e adquirido pelo francês BNP-Paribas. O Santander foi o único que se deu bem, com a aquisição estratégica de uma operação em um grande emergente. E o Barclays, que perdeu a peleja, saiu-se relativamente incólume da crise, sem receber intervenção estatal.

Essa histórias trazem um ensinamento básico: não se iluda com o sucesso e a bajulação que ele traz. Eles podem ser o presságio da desgraça futura. Tampoco esmoreça diante de um revés e a frustração que ele traz.  Eles podem ser convertidos na vitória de amanhã. No mundo corporativo, quase tudo é efêmero, e o resultado de hoje sempre se sobrepõe ao de ontem.

Sair da versão mobile