Será que todo “militante” tem que ser chato, lacrador e mal-humorado?

“Agora falando sério; a seriedade é anti-humana. O Nazismo, por exemplo, era sério pacas.” (Jaguar, humorista do Pasquim).

Em 1998, quando eu ainda acreditava no PT e no Lula, assisti a um seminário no Sindicato dos Petroleiros, ao qual eu era associado. Lá pelas tantas, um dos palestrantes, cujo nome esqueci (e de todos os outros também, diga-se) fez uma piadinha sobre a revolução cubana. A reação da plateia variou entre a frieza e a indignação – acho que fui o único a rir (discretamente, é claro). O cara foi insistente; disse que o grande problema dos sindicalistas é que eram chatos e mal humorados – e ninguém gosta de gente assim. Fechou recomendando ao pessoal pegar uma praia, jogar um futebol… enfim, buscar empatia com o povão.

Certamente é a única palestra que ouvi naquele dia e lembro até hoje. O resto foram repetições do discurso raivoso contra o capitalismo, fora FHC, etc.. Por estas e por outras é que nunca mais voltei a participar de eventos do sindicato.

Quino, o gênio da crítica bem humorada

O mundo piorou muito de lá prá cá, as redes antissociais aumentaram o volume dos chatos rancorosos, a geração “floquinho de neve”, que derrete por qualquer coisa, adotou o mimimi como bandeira, enfim, tá tudo chato demais. Nestas horas é bom lembrar de gente inteligente, com senso crítico e ironia fina, como o genial Quino, o inimigo de todas as ditaduras.  Achei na internet esta tirinha muito representativa, envolvendo duas coadjuvantes de luxo da personagem principal Mafalda; Libertad, a baixinha radical que só pensava na revolução, e Susanita, a burguesinha fútil.

Sim, às vezes é preciso um escapismo, nem que seja na forma de um bom “helado”. Há que se manter a sanidade mental, não é possível ficar mal humorado 24 horas por dia, sete dias por semana.

Analisando um fenômeno que acompanhei de perto, a libertação sexual da mulher (sim, eu sou do tempo em que as “mocinhas de família” casavam virgens), tenho certeza que o bom humor debochado de mulheres como Rita Lee e a inesquecível Leila Diniz fez muito mais por esta mudança do que alguns discursos raivosos e chatos que perduram até hoje contra o “machismo estrutural”, seja lá que merda seja isto.

Bom humor e educação são mais eficientes que militantes chatos

Bem a propósito, sobre o assunto “homossexualismo” o esporte mostrou duas luzes no fim do túnel que me animaram muito nos últimos tempos.

A primeira chama-se Douglas Souza, jovem craque de voleibol do Taubaté e da seleção brasileira. Ele é homossexual, mas não faz bandeira disto. Dois causos que mostram seu comportamento;

  1. Na recente final da Superliga, em que o Taubaté venceu o Minas, Douglas trocou provocações com William, levantador do Minas e outro monstro sagrado do vôlei brasileiro. Entrevistado ao final do jogo, Douglas (que foi considerado o melhor da partida), fez questão de dizer que era tudo “coisa de dentro da quadra”, que adorava Willian, seu companheiro de seleção e amigo pessoal. Cavalheiresco, Willian respondeu no mesmo tom. Imagino a decepção da militância com um sujeito que em momento algum alegou sua condição de homossexual para acusar o outro de “atitude homofóbica” e dar chilique.
  2. No mundial de 2018, em que foi considerado o melhor jogador e o Brasil foi vice-campeão, o locutor do Sportv Sérgio Mauricio o chamava de “Magrinho”, pelo seu biótipo (1,99m e apenas 75 kg). Douglas não gostou do apelido. Foi para as redes sociais lacrar o “homofóbico”? Não. Quando teve oportunidade, falou pessoalmente com o locutor e pediu, educadamente, para que parasse com aquilo. Sergio Mauricio atendeu. (A entrevista completa pode ser lida em https://webvolei.com.br/2020/04/douglas-quero-ser-lembrado-como-o-1o-homossexual-a-jogar-volei-em-alto-nivel-no-brasil/ ). Como é que a militância vai aceitar um cara que resolve os problemas com diálogo, sem escândalo nem vitimismo? Certamente devem ter ódio dele.

“Não quero luta e guerra não, erguer bandeira sem matar…” (José Fogaça, na música “Vento Negro”)

Outro exemplo, bem menos conhecido, vem de um curta metragem com o qual acabei me envolvendo, de certa forma. Ocorre que a produtora do filme foi minha aluna no MBA da UFRJ e acabei orientando o TCC dela, que foi sobre os riscos envolvidos no projeto de produção de um curta (perrengue prá arrumar dinheiro, autorização de filmagem, etc…).

O curta chamava-se “Soccer Boys”, a história de um time de futebol formado por gays. Soube através dela que o filme fez sucesso e até ganhou prêmios. Confesso que tive uma certa relutância em assistir, prevendo, preconceituosamente, que ia ver uma sucessão de vitimismo, mimimi e um monte de gente chata e mal humorada reclamando de tudo.

Meu preconceito acabou no primeiro frame. Na verdade são doze minutos de amor ao futebol que sensibilizaram este velho ex-peladeiro. Dando um spoiler, o próprio nome do time é uma piada típica de peladeiro; “Soccer Boys” pode ser lido como “Só quer Boys”, uma auto-zoação com o fato de serem gays.

Resumindo, eles pedem, com bom humor e bom futebol, o fim do preconceito (sim, porque a pelada sempre foi homofóbica, mas isto pode mudar). E no final um deles expressa o sonho que, em quinze ou vinte anos, não precise mais existir uma “pelada dos gays” e uma “pelada dos héteros”. Puro Martin Luther King (“I have a dream”).

A glória maior de um peladeiro é fazer um golaço e comemorar com um beijo na namorada – a única diferença é que no caso deles é um namorado. E daí? Tenho certeza que a próxima geração vai encarar isto com a mesma naturalidade com que a atual encara uma mulher solteira que gosta de fazer sexo (coisa que há quarenta anos era motivo de escândalo).

O filme pode ser visto em https://curtaocurta.com/filme_festival/b259b12c-17d6-49e2-bc1d-23063d3082df, Vale a pena.

Só o bom humor salvará a Humanidade

Enfim, começo a ter certeza que o palestrante de 1998 estava certo; pessoas educadas e, acima de tudo, bem humoradas, são as que fazem, fizeram e continuarão fazendo a diferença na hora de mudar o mundo. Ninguém mais quer saber de gente que fica de cara amarrada o tempo todo, como a insuportável Greta Thurnberg, por exemplo.

Melhor e muito mais eficiente é o bom humor de Rita Lee (que é da minha geração e sentiu na pele o preconceito machista da época), dizendo, com muita propriedade; “Elas querem é poder… Toda a mulher quer ser amada, toda a mulher quer ser feliz, toda a mulher se faz de coitada, toda a mulher… é meio Leila Diniz!”.

Que assim seja.

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