Entre a desonra e o fertilizante

Após o término da 2a Guerra, meus avós maternos, tendo sobrevivido aos campos de concentração nazistas, reconstruíram suas vidas em Łódź, na Polônia. A vida voltou ao normal durante alguns anos.

No entanto, em 1956, os húngaros armaram uma revolta popular contra o governo comunista do país. A União Soviética veio em socorro e ajudou o governo húngaro a esmagar a revolta. Era a primeira vez que tropas de um país invadiam o território de outro em solo europeu desde o fim da guerra. A revolta na Hungria havia sido inspirada por outra na Polônia alguns meses antes, que substituiu o governo de corte stalinista por outro em comum acordo com a União Soviética.

Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. Meu avô, observando os acontecimentos, teve receio de que a União Soviética endurecesse o regime. Ainda estava fresca em sua memória as atrocidades das tropas soviéticas na 2a guerra, que não foram exatamente gentis com os judeus. Fugir dos nazistas para cair nas mãos dos soviéticos não estava em seus planos. Foi assim que decidiram migrar para o Brasil em 1957.

Com todas as seus evidentes limitações, a democracia é superior a qualquer outro regime de governo quando a liberdade está no topo dos valores. Meus avós vieram para o Brasil porque não queriam viver novamente em um país onde não pudessem levar suas vidas em paz. A invasão da Ucrânia pela Rússia faz recordar justamente esse tempo.

Por tudo isso, fico abismado quando um presidente que tem a palavra “liberdade” na boca de maneira tão fácil e frequente, subordine a luta pela liberdade de um povo ao comércio de fertilizantes. É simplesmente chocante. Do jeito que o barco da guerra está andando, é possível que a profecia de Churchill novamente se confirme: entre a desonra e a falta de fertilizantes, escolheu a desonra, e terá a falta de fertilizantes.

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